sexta-feira, 24 de julho de 2020


O compasso e a lembrança dos artesãos simãodienses.


O compasso que uso nos trabalhos de marcenaria quebrou. Como estamos em tempo de pandemia, recolhido em isolamento social e sem condições de pessoalmente comprar um novo, resolvi fazer o meu próprio instrumento  para traçar circunferências.

O compasso que fiz para uso nos trabalhos com artesanato.


Ao fazer o arco de zinco para regular meu armengado compasso, lembrei-me de três funileiros que conheci em Simão Dias nos velhos tempos: Luiz Coruja, João Coruja e Zé Aleijado. Este último tinha sua tenda na Rua da Feira, próximo à Prefeitura e à Loja Predileta de D. Elisa Montalvão. Os outros moravam perto da casa de meus pais.

O mais antigo deles era Seu Luiz Coruja, que residia na própria tenda em uma casa com telhado beira e bica, na Rua do Coité, fazendo esquina com o prolongamento da Rua dos Ribeiros, em frente a casa de Seu João Cândido e, do outro lado da rua, a bodega de João Brôco, que era vizinho de D. Soriana. Naquele local, muitos anos depois, Seu Cipriano construiu sua casa para morar.

Quando conheci Seu Luiz Coruja ele já era um senhor idoso, pai de João que o seguiu na arte de funileiro. Trabalhavam com folhas de flandres, transformando-as em candeeiros, funis, cafeteiras, canecos, frigideiras, caçarolas e outros apetrechos dos mais variados tipos.  Naquela época, os utensílios de cozinha eram de barro, de madeira, de zinco ou folha de flandres. Tudo feito por artesãos da terra.

Seu João Coruja, quando o pai faleceu, passou sua tenda e moradia para a Praça de São João, no mesmo trecho onde outros conhecidos trabalhadores tinham suas oficinas e residências. Lembro-me deles: Seu Manequinha, o ferreiro; Seu Zé Budu, aguadeiro; Seu Benevides, o barbeiro, e o mecânico Barreto. Todos eles tinham filhos, mais ou menos na minha idade e que eram nossos amigos e companheiros de traquinagem.

Eu admirava o trabalho de todos eles e passava horas observando os cuidados e os macetes que empregavam em sua faina diária.  Serviram-me de experiência; como aconteceu hoje ao cortar e preparar um pedaço de zinco para fazer a gambiarra reguladora do meu compasso.

E agora, ao escrever este texto, acredito que reativarei a memória de pessoas que viveram aquela época e, juntos nesta lembrança, certamente estaremos prestando uma homenagem aos saudosos artesãos de nossa terra.

Aracaju, 23 de julho de 2020.
BETO DÉDA