O compasso e a lembrança dos artesãos simãodienses.
O compasso que uso nos
trabalhos de marcenaria quebrou. Como estamos em tempo de pandemia, recolhido
em isolamento social e sem condições de pessoalmente comprar um novo, resolvi
fazer o meu próprio instrumento para
traçar circunferências.
![]() |
O compasso que fiz para uso nos trabalhos com artesanato. |
Ao fazer o arco de
zinco para regular meu armengado compasso, lembrei-me de três funileiros que
conheci em Simão Dias nos velhos tempos: Luiz
Coruja, João Coruja e Zé Aleijado. Este último tinha sua tenda na Rua da
Feira, próximo à Prefeitura e à Loja Predileta de D. Elisa Montalvão. Os outros moravam perto da casa de meus pais.
O mais antigo deles era
Seu Luiz Coruja, que residia na
própria tenda em uma casa com telhado beira e bica, na Rua do Coité, fazendo
esquina com o prolongamento da Rua dos Ribeiros, em frente a casa de Seu João Cândido e, do outro lado da rua,
a bodega de João Brôco, que era
vizinho de D. Soriana. Naquele local,
muitos anos depois, Seu Cipriano
construiu sua casa para morar.
Quando conheci Seu Luiz Coruja ele já era um senhor
idoso, pai de João que o seguiu na
arte de funileiro. Trabalhavam com folhas de flandres, transformando-as em
candeeiros, funis, cafeteiras, canecos, frigideiras, caçarolas e outros
apetrechos dos mais variados tipos. Naquela
época, os utensílios de cozinha eram de barro, de madeira, de zinco ou folha de
flandres. Tudo feito por artesãos da terra.
Seu
João Coruja, quando o pai faleceu, passou sua tenda
e moradia para a Praça de São João, no mesmo trecho onde outros conhecidos trabalhadores tinham suas oficinas e residências. Lembro-me deles: Seu Manequinha,
o ferreiro; Seu Zé Budu, aguadeiro; Seu Benevides, o barbeiro, e o mecânico Barreto. Todos eles tinham filhos, mais
ou menos na minha idade e que eram nossos amigos e companheiros de traquinagem.
Eu admirava o trabalho
de todos eles e passava horas observando os cuidados e os macetes que
empregavam em sua faina diária. Serviram-me
de experiência; como aconteceu hoje ao cortar e preparar um pedaço de zinco
para fazer a gambiarra reguladora do meu compasso.
E agora, ao escrever
este texto, acredito que reativarei a memória de pessoas que viveram aquela
época e, juntos nesta lembrança, certamente estaremos prestando uma homenagem aos
saudosos artesãos de nossa terra.
Aracaju, 23 de julho de 2020.
BETO DÉDA