sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

As garotas de minha rua e a dança do “es-qui-tim-pam-pã”

Muitas vezes minha cachola é surpreendida com lembranças chistosas de minhas peraltices na Rua dos Ribeiros, em Simão Dias. Lá pelas três horas da madrugada de hoje, acordei-me com recordações de meus amores platônicos com as garotas da vizinhança.

Em nossa rua o número de meninas suplantava o de pivetes. E elas enchiam de alegria as noites, com suas brincadeiras inesquecíveis: “cipozinho-queimado”, “boca-de-forno", “cadê-o-grilo”, “manja”, “esconde-esconde”, “pinto-galo”, “adivinhações”, “rodas” e uma dança chamada “isquitim-pampã”.

Lembrei-me, então, da garotinha meiga que gostava de brincar de “pinto-galo”. Para presenteá-la e fazer-me notar, resolvi colher sementes da árvore mucunã, conhecidas como olho-de-boi. Colhi cinco sementes bonitas, muito apreciadas pelas meninas no jogo “pinto-galo” (em que, com a mão direita, atirava-se uma pedra ou semente para o ar e a amparava, depois de recolher ligeiramente outra pedra para o lado da mão esquerda apoiada no chão em forma de “U” invertido). Não esqueço o gesto simples da simpática garota, levando os dois dedos à boca, como a me dirigir um beijo de agradecimento. Beleza pura!

Das brincadeiras próprias de meninos uma delas me recordo com alegria. Era coisa simplória, dessas que tem na imaginação o principal ingrediente: guiar um arco de pneu gasto, fazendo-o girar com um gancho de arame. E deixava o pensamento voar, com se estivesse andando em uma potente motocicleta ou dirigindo um robusto carro “studebaker”. Eu corria pelas calçadas, fazendo rolar o arco de pneu, imitando o ronco de um carro e fazendo curvas quase impossíveis, especialmente quando notava que estava sendo observado por uma de minhas garotas encantadoras. 
  
Na solidão dessa madrugada insone, lembrei-me do dia que brinquei de esconde-esconde acompanhando uma menina que eu simpatizava. Ela era esperta e eu compartilhei do seu esconderijo. Ficamos os dois juntinhos e, ao ouvimos a gritaria da meninada, já saindo do escondido, a esperta segurou em minha mão e me aconselhou:

 - “Agora devemos fazer xixi”.

 Ela fez e eu também. 

E sua sugestão tinha sentido. Para sortear os participantes que teriam que se esconder, fazia-se um sorteio, com as seguintes palavras, com intervalo em cada sílaba, apontando para cada um dos contendores:

“Pan-da-ro-le-ta,
 pan-da-pi-ta,
 pi-ta-pir-ru-je...
 Vá-pra-ca-ma dor-mir,
que-não-ti-que-ro a-qui.
Vá fa-zer xi-xi”

Seguimos à risca a última recomendação da regra da manja: fizemos xixi.

Depois, lembrei-me para valer daquela garota risonha, que adorava dançar e aprendia com facilidade os passos de qualquer folguedo. Ela era maravilhosa e se esmerava em danças ligeiras. Mas o bom mesmo era apreciá-la dando saltinhos, com as mãos nas cadeiras, quase de cócoras, levantando a saia e  cantarolando a dança em voga entre meninas da época. Os passos tinham uma ligeira semelhança com a dança dos cossacos. As crianças adotaram um nome esquisito para a dança: “is-qui-tim-pam-pã”, por reproduzir o ritmo da música que orientava os passos. E a garota sabia cantar, pronunciando com simpatia cada sílaba, sonorizando seus ritmados saltinhos.
Vê-la cantar e dançar o “is-qui-tim-pam-pã”, espanando o vestido, era um verdadeiro espetáculo. Beleza pura!

As calçadas da Rua dos Ribeiros guardam causos inesquecíveis.

E minha noite insone se transformou em um agradável despertar de felizes recordações.

ARACAJU, 27/01/2017

BETO DÉDA