terça-feira, 5 de fevereiro de 2013


O magro e a “magrela”.



Há poucos dias estava tentando ensinar minha querida neta Marina a pedalar sua bicicleta. Notei sua dificuldade em se equilibrar, por não alcançar os pedais. A sua bicicleta era grande, própria para adultos. Pensei em presenteá-la com uma menor. Aliás, esse era o presente que sempre tive alegria em oferecer aos meus sobrinhos e filhos. E o gosto por esse tipo de presente tem uma razão especial, que passo a contar agora.


Eu, o magro, com a farda do
Grupo Escolar Fausto Cardoso 
Sempre fui magro, mas na infância minha magreza era maior. Ao olhar pra mim, sem camisa, facilmente dava para visualizar os ossos e contar as costelas. Essa falta de musculatura e o realce da aparência óssea era motivo de riso dos colegas. Muitos se aproveitavam de minha aparência física  para me apelidarem de “esqueleto humano”. Outros, olhando-me de cima a baixo, diziam que – com aquele corpo esquelético – a minha vida seria curta. A verdade é que ao ouvir tais comentários meus protestos não faltavam, chegando até as vias de fato, embora muitas vezes saísse em desvantagem por falta de condições físicas.

De todos os comentários, o que mais se fixou em minha memória foi o dia que, passando pela Rua do Coité, uma senhora me chamou e, apalpando minhas costas e mostrando as partes salientes dos ossos da pá, olhou para as amigas e disse:

- Tão magro, olhem as espáduas dele, são tão salientes que parecem espingardas. Ou serão asas nascendo? Para onde vai com essas espingardas, Beto? Vai voar?
E as risadas me atordoaram. Não briguei, nada respondi e não tive raiva da boa senhora. Fiquei triste, muito triste mesmo, por ser tão magro, por causar aquela impressão seguida do comentário impensado de uma pessoa que sempre reverenciei e que não deixei de continuar admirando...

Meu porte físico também me causou outros constrangimentos, dentre eles foi não ter uma bicicleta que, por coincidência, os jovens hoje chamam de “magrela”.

Efíngie de Getúlio Vargas
Aprendi a pedalar com meu irmão Carlos. Naquela época, em Simão Dias, as pessoas alugavam as bicicletas que eram expostas na Rua do Coité, em frente ao prédio do Lactário, que hoje é o Fórum Gervásio Prata. Cada cinco minutos de aluguel custava “quinhentos-réis” ou cinquenta centavos, moeda cunhada com a efígie Getúlio Vargas.

Apesar de meu físico, gostava muito de bicicletas e fiz o possível para aprender a pedalar. Assim que conseguia um trocado, lá estava eu, magricela, andando na “magrela” alugada.

Quando passei a dominar o pedal e o guidão, fui até a redação do jornal “A Semana” e pedi ao meu querido pai que comprasse uma bicicleta pra mim. Ele me olhou com cuidado, pensou e respondeu constrangido:
- Não posso lhe atender e isso é para seu bem. Você não soube que recentemente seu colega Júlio, filho de Pierre, caiu de uma bicicleta e quebrou o braço?  E note que ele é um garoto forte. Pois bem, essa não é uma boa ideia pra você, que é magrinho...


Argumentei que já sabia andar, que tinha mais equilíbrio que o Júlio e que nada ia acontecer. Mas não fui persuasivo. Meu físico não ajudara e a verdade é que meu pedido não foi feito na ocasião oportuna.
O fato é que, mesmo sem a aprovação de meus pais, continuei pedalando as bicicletas alugadas.

Meses depois, quando chegou setembro e os estudantes do grupo escolar Fausto Cardoso começaram a ensaiar para o desfile do dia da pátria, foi formado um grupo de ciclistas (alguns alunos que tinham a felicidade de possuírem bicicletas) que deveriam ir à frente do desfile.  Sabendo disso eu não me contive. Tinha que arranjar uma bicicleta para desfilar. Alugar não era possível, por ser demais oneroso devido a quantidade de horas. Então resolvi apelar para minha querida tia Lucila.

Eu sabia que o Zé Carlos, meu primo, tinha uma bicicleta. Ele estava estudando em Aracaju. Fui até a casa de tio Sininho, procurei tia Lucila e, com a cabeça baixa, esfregando os dedos, fiz o pedido:

Tia Lucila
-Tia Lucila, a senhora poderia me emprestar a bicicleta de Zé Carlos para eu desfilar no dia 7 de setembro? Eu tenho cuidado e logo depois do desfile eu devolvo sem um arranhão...
O sorriso carinhoso estampado na face de tia Lucila nunca saiu de minha mente. Com uma alegria imensa, consegui a bicicleta.

No dia da independência eu desfilei garboso, envergando a farda do grupo escolar, portando uma faixa verde/amarela que me destacava como ciclista. E pedalando a “magrela” do primo Zé Carlos, eu acenei alegre e agradecido para tia Lucila. Foi um dia inesquecível...

Aracaju, 04/02/2013

Beto Déda