O magro e a “magrela”.
Há poucos dias estava
tentando ensinar minha querida neta Marina a pedalar sua bicicleta. Notei sua
dificuldade em se equilibrar, por não alcançar os pedais. A sua bicicleta era
grande, própria para adultos. Pensei em presenteá-la com uma menor. Aliás, esse
era o presente que sempre tive alegria em oferecer aos meus sobrinhos e filhos. E o
gosto por esse tipo de presente tem uma razão especial, que passo a contar
agora.
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Eu, o magro, com a farda do Grupo Escolar Fausto Cardoso |
Sempre fui magro, mas
na infância minha magreza era maior. Ao olhar pra mim, sem camisa, facilmente
dava para visualizar os ossos e contar as costelas. Essa falta de musculatura e
o realce da aparência óssea era motivo de riso dos colegas. Muitos se aproveitavam
de minha aparência física para me apelidarem
de “esqueleto humano”. Outros, olhando-me de cima a baixo, diziam que – com
aquele corpo esquelético – a minha vida seria curta. A verdade é que ao ouvir
tais comentários meus protestos não faltavam, chegando até as vias de fato,
embora muitas vezes saísse em desvantagem por falta de condições físicas.
De todos os
comentários, o que mais se fixou em minha memória foi o dia que, passando pela Rua do Coité, uma senhora
me chamou e, apalpando minhas costas e mostrando as partes salientes dos ossos da pá, olhou para as amigas e
disse:
-
Tão magro, olhem as espáduas dele, são tão salientes que parecem espingardas.
Ou serão asas nascendo? Para onde vai com essas espingardas, Beto? Vai voar?
E as risadas me
atordoaram. Não briguei, nada respondi e não tive raiva da boa senhora. Fiquei triste,
muito triste mesmo, por ser tão magro, por causar aquela impressão seguida do
comentário impensado de uma pessoa que sempre reverenciei e que não deixei de
continuar admirando...
Meu porte físico também
me causou outros constrangimentos, dentre eles foi não ter uma bicicleta que,
por coincidência, os jovens hoje chamam de “magrela”.
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Efíngie de Getúlio Vargas |

Apesar de meu físico,
gostava muito de bicicletas e fiz o possível para aprender a pedalar. Assim que
conseguia um trocado, lá estava eu, magricela, andando na “magrela” alugada.
Quando passei a dominar
o pedal e o guidão, fui até a redação do jornal “A Semana” e pedi ao meu
querido pai que comprasse uma bicicleta pra mim. Ele me olhou com cuidado,
pensou e respondeu constrangido:
-
Não posso lhe atender e isso é para seu bem. Você não soube que recentemente seu
colega Júlio, filho de Pierre, caiu de uma bicicleta e quebrou o braço? E note que ele é um garoto forte. Pois bem, essa não
é uma boa ideia pra você, que é magrinho...
Argumentei que já sabia
andar, que tinha mais equilíbrio que o Júlio e que nada ia acontecer. Mas não
fui persuasivo. Meu físico não ajudara e a verdade é que meu pedido não foi
feito na ocasião oportuna.
O fato é que, mesmo sem
a aprovação de meus pais, continuei pedalando as bicicletas alugadas.
Meses depois, quando
chegou setembro e os estudantes do grupo escolar Fausto Cardoso começaram a ensaiar
para o desfile do dia da pátria, foi formado um grupo de ciclistas (alguns
alunos que tinham a felicidade de possuírem bicicletas) que deveriam ir à
frente do desfile. Sabendo disso eu não
me contive. Tinha que arranjar uma bicicleta para desfilar. Alugar não era
possível, por ser demais oneroso devido a quantidade de horas. Então resolvi
apelar para minha querida tia Lucila.
Eu sabia que o Zé Carlos, meu primo,
tinha uma bicicleta. Ele estava estudando em Aracaju. Fui até a casa de tio Sininho, procurei tia Lucila e, com a cabeça baixa, esfregando os dedos, fiz o pedido:
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Tia Lucila |
-Tia
Lucila, a senhora poderia me emprestar a bicicleta de Zé Carlos para eu
desfilar no dia 7 de setembro? Eu tenho cuidado e logo depois do desfile eu
devolvo sem um arranhão...
O sorriso carinhoso
estampado na face de tia Lucila nunca saiu de minha mente. Com uma alegria
imensa, consegui a bicicleta.
No dia da independência
eu desfilei garboso, envergando a farda do grupo escolar, portando uma faixa
verde/amarela que me destacava como ciclista. E pedalando a “magrela” do primo Zé Carlos, eu acenei alegre e agradecido para tia
Lucila. Foi um dia inesquecível...
Aracaju,
04/02/2013
Beto
Déda