domingo, 1 de agosto de 2021

 

Recordando com saudade e  encantamento.


Sempre tive uma admiração muito grande por minha querida irmã Maria Eugênia, que era conhecida intimamente como Malô. Ela exercia uma grata influência sobre mim, não obstante ser um ano e poucos meses mais nova. Sabia me aconselhar e me orientava quando percebia minhas inquietações.

Minha saudosa irmã Malô

No início do mês passado, senti a dor da saudade ao tomar conhecimento de sua passagem para a vida eterna. De lá até esta data, meus pensamentos, sonhos e orações voltaram-se para ela. Relembro os momentos simples que ficaram gravados em minha memória e que, juntos, comentávamos repetidas vezes com alegres risadas. Então, dentre muitas lembranças, escolho algumas e as transcrevo aqui, para conhecimentos dos familiares, de modo a fazê-la reviver em nossas recordações.


Relembro-me agora um acontecimento ocorrido quando éramos criança, no início dos anos 50. Era um dia de sábado e minha querida Malô tinha programado um cozinhado de bonecas com garotas da vizinhança.

Malô e Beto

A brincadeira era realizada no quintal da casa de nossos pais, local onde as meninas fizeram o fogo, usaram pequenas panelas de barro, adquiridas do artesão conhecido como Saco do Pia, e realmente cozinharam arroz e pedaços miúdos de carne de galinha.  

O cozinhado era só para meninas. Como eu não participava, então, resolvi apelar para criatividade, de modo a não ficar longe de minha irmã. Naquele mesmo sábado resolvi usar a fornalha que tinha em minha fazendinha de bois de barro para fazer mel-cabaú. Comprei raspaduras na feira, acendi os gravetos sob a mini fornalha, formada com uma lata vazia de Marmelada Colombo (doce muito apreciado por papai), e depois de muita paciência com o pequeno fogo, as duas raspaduras se transformaram em um melaço aguado. Foi um sucesso. E o cozinhado de Malô teve como sobremesa o mel de minha fazendinha, naturalmente com gosto de fumaça.

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Naquela ocasião, estudávamos no Grupo Escolar Fausto Cardoso. Em determinada manhã, na hora do recreio, um colega ousou fazer mangação da farda de minha irmã. Não conversei, entrei em briga corporal com o gaiato, dei e recebi murros, mas em compensação o menino nunca mais ousou perturbá-la. Fiquei todo concho quando Malô contou para mamãe o motivo de minha briga...

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Eu tinha um casal de carneirinhos, peludos e brancos, que recebi de presente do meu bom e saudoso irmão Artur. Diariamente, antes e depois das aulas, eu cuidava dos carneiros que pastavam em nosso quintal e também na praça de São João. Um dia os carneirinhos atacaram Malô, que passou a chorar com medo quando os avistava. Isto me induziu a desfazer dos animais, que foram vendidos ao irmão da Prof.ª Zefinha, amiga de minha tia Nice.

Há cerca de dois meses, Malô  me disse que riu muito ao saber que nossa irmã Maura se lembrara do causo dos carneirinhos.

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No início dos anos 60 me formei no curso do Ginásio Jackson de Figueiredo, aqui em Aracaju. Naquele tempo esse tipo de formatura era muito festejada. Minha madrinha foi a querida irmã Malô, que comigo dançou a valsa dos formandos. Foi um acontecimento inesquecível.

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Nas eleições de 1962, meu pai tinha à disposição um jipe para realizar a campanha eleitoral como representante dos candidatos da UDN. O jipe ficava em uma garagem no fundo de nossa casa, que dava para a Praça de São João. Nunca tinha dirigido um carro. Mas eu era muito curioso e cuidava de prestar atenção aos movimentos dos motoristas. Lembro-me da tarde que disse para Malô que sabia dirigir e que poderia guiar o jipe. Ela acreditou, abriu imediatamente a porta da garagem, entrou no carro e saímos pela praça, tirando fino nos tamarindeiros, eucaliptos e pés de fícus. Foi uma aventura perigosa, fantástica e inesquecível. Depois, escondidos de nosso pai, passamos a usar o jipe em passeios pela cidade. Ainda hoje chorei  de alegria ao me lembrar..

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Em outra ocasião, já trabalhando no Banco do Nordeste, fui passar uma semana na “Fazenda Baixão”, nas matas de Paripiranga, e que pertencia ao meu querido cunhado Francisco Lima, marido de Malô. Passamos aqueles dias juntos, as duas famílias com as respectivas crianças. O dia era curto para tanta diversão. Não faltaram as saborosas comidas e sobremesas feitas por minha irmã. Acordávamos cedinho para ir ao curral, ver o vaqueiro Zé Branco tirar leite das vacas. O que me faz lembrar do leite puro e da gostosa coalhada. Nunca esquecemos o que aconteceu em uma alegre manhã, quando meu filho, ao avistar o vaqueiro que vinha para o curral, gritou:

– “Zé Branco! Hoje você não deve tirar leite das vacas. Meu pai já comeu coalhada demais e ninguém aguenta tanta bufa.” 


Eu morava em Simão Dias e Malô em Paripiranga. Depois, passamos a residir em Aracaju. Em nossos encontros sempre havia tempo para relembramos com muito riso dos muitos casos interessantes de nossa história. 

Desde março do ano passado, diante do horror da pandemia, nossos contatos eram por meio de telefone. Poucos dias antes do seu falecimento, conversei com ela e, como sempre, me deu orientações e, para não me preocupar, omitiu seu estado de saúde, como vítima de Covid-19.

Hoje, ao completar 30 dias do seu falecimento, amenizo  minha angústia com estas lembranças e, especialmente, por acreditar na continuidade da vida em outra dimensão. Nestes momentos, sofrendo a dor da morte de uma pessoa querida, sentimos que não resta dúvida na fé da espiritualidade e que, inexoravelmente, em qualquer momento estaremos juntos.

Enquanto isto, minha saudosa e querida irmã reviverá em nossas lembranças e orações.

Aracaju, 01/08/2021

BETO DÉDA