sábado, 6 de outubro de 2012


Uma aventura no Povoado Ilhota

 Neste fim de semana, ouvindo minha secretária Rosa falando sobre a surra que dera em seu filho, ocorreu-me a lembrança da primeira e única sova que levei, merecidamente, do meu saudoso pai. Aconteceu no início dos anos 50, quando eu contava com mais ou menos 11 anos de idade. E tudo ocorreu por causa de um “presente” que nos foi oferecido, com a melhor das intenções, por D. Zefinha, que morava na casa de tia Nice. Vou contar como aconteceu.

Naquela época, D. Zefinha era professora de uma escola rural no povoado Ilhota, no município de Simão Dias. Certo dia, ela e tia Nice preparavam-se para ida àquele povoado, onde iriam arrumar o prédio onde funcionava a escola. Eu e meu primo Wellington (dois anos mais velho que eu) estávamos brincando por ali e presenciamos as conversas sobre os preparativos para o passeio. Percebendo nosso interesse, elas prometeram que nos levariam. O certo é que conversaram com mamãe e tia Vina e, no dia seguinte, fomos ao passeio.  

Na Ilhota, o fato marcante foi a admiração que tivemos ao ver uma jumenta e seu filhote pastando ao lado do prédio escolar. O jeguinho era uma beleza de deixar qualquer garoto admirado, enquanto a mãe-jumenta mancava e tinha uma bicheira na coxa esquerda, defeitos que nos causavam dó, mas que acreditávamos passíveis de recuperação. Compartilhando de minha curiosidade, Wellington não se conteve e foi indagar quem era o dono daqueles animais. D. Zefinha disse que não tinham dono, apareceram ali na escola há algum tempo e, sorrindo, fez uma oferta sem maiores pretensões: - “Se vocês quiserem, o filhote é de Beto, que é o mais novo, e a jega é sua, porque você é mais velho”.  Lembro-me que pulamos de alegria. Não sabíamos, nem tampouco D. Zefinha, que aquela oferta em tom de brincadeira traria resultados surpreendentes e doloridos para nossas mãos.

Voltamos para cidade no início da tarde daquele mesmo dia. À noite fui à casa de vovó Olívia, na Rua dos Ribeiros, e lá estavam meu irmão Carlos e os primos Alfeu e Wellington. Assim que fui me aproximando, Alfeu, o mais velho da turma, foi dizendo: - “É verdade o que Wellington tá dizendo? Vocês ganharam uma jumenta e o filhote?”. Confirmada a indagação, Alfeu tratou do plano de ir buscar os animais. Planejamos tudo. Fomos todos à casa de Gervásio, o aguadeiro, irmão de Arlinda, e alugamos um jegue, para servir de montaria e facilitar a vinda dos outros, afirmava Alfeu.


Os aventureiros: Carlos, Alfeu, Beto e Wellington
No sábado cedinho, sem avisar a ninguém, partimos para Ilhota. Alfeu, no comando, Carlos com subcomandante, Wellington e eu como comandados. E rumamos à aventura. Como era o mais novo tinha direito a ir sempre montado na garupa do jegue alugado, com os demais sempre se reversando na frente. O Alfeu, mais sabido, passava mais tempo montado e só descia quando as reclamações dos companheiros tomavam ares de motim.

Chegamos à Ilhota e ficamos em frente à escola rural, cuidando dos animais. Poucas lembranças restam do tempo que passamos no povoado. Recordo-me apenas de uma cena: estávamos sentados no alpendre da escola, todos tentando reavivar um passarinho sofrê, que fora vítima do badogue de um dos aventureiros. Não deu certa a tentativa e foi uma frustração para todos.

Enquanto isso, em nossas casas, os familiares estavam em agonia, sem saber onde andávamos. Não aparecemos para o almoço e somente à tardinha é que tiveram notícia. O Gervásio apareceu por lá em busca do seu jegue e informara a tia Esterzinha o nosso plano de ir à Ilhota.  Mandaram pessoas nos encontrar, mas foi providência em vão...

 A volta para casa foi cansativa, o enfado do dia era visível no rosto de cada um. Mas voltamos trazendo a jumenta, o filhote e o jegue de Gervásio.  Mal sabíamos o que nos esperavam...

Chegamos ao anoitecer, exaustos. Alfeu e Wellington cuidaram de guardar os animais. Eu e Carlos fomos para casa. Em frente ao bangalô de Seu Pierre, encontramos Haroldo e Artur que, entre sorrisos e mangação, avisavam que papai nos aguardava e a palmatória já estava preparada (na verdade era um tamanco). Foi o sinal para eu começar a chorar.

Fomos pela Praça de São João, entramos em casa pelo portão dos fundos. Sorrateiramente nos escondemos embaixo da grande mesa de jantar. Papai logo chegou e aí eu já desaguava em choro. Fui o primeiro e ser chamado, indagado, advertido pela aflição causada à família e, por fim, surrado com meia dúzia de bolos dados com a parte lisa do tamanco. Depois foi a vez de Carlos. Papai o mandou abrir a mão. Ele não abriu. Diante da ameaça de receber os bolos por cima dos dedos, cedeu. Mas não chorou, embora eu, embaixo da mesa, gritasse insistentemente, entre soluços: - “Chora Carlos, chora!” Por ser mais velho recebeu uma dúzia de bolos, mas não chorou. Com a décima segunda pancada, duas longas lágrimas desceram pelos olhos. Depois do acontecido, esse feito foi contado com sucesso na reunião da turma. E Carlos, satisfeito, empinava o nariz...

Tio João Déda cuidou de disciplinar Alfeu e Wellington. Parece que também receberam uns cocorotes. Alfeu, por ser o mais velho e o comandante da turma, foi obrigado a levar os animais de volta. No dia seguinte, quando nos reunimos na casa de vovó, disse ele que não foi até a Ilhota. Deixou os jegues no tanque da missão, na saída da cidade. E dava uma gostosa risada, balançando a cabeça para tirar os cabelos louros dos olhos...

Pouco depois, soubemos que os animais foram apreendidos pela Prefeitura e, parece-me, levados a leilão.

E assim aconteceu nossa aventura na Ilhota  e a inesquecível surra de tamanco liso...

Aracaju, 06/10/2012

Beto Déda

 

 

 


 

quinta-feira, 4 de outubro de 2012


O BNB, o Cometa Kohoutek, a imprensa “marrom e o fim do mundo...

Recentemente, ao comentar sobre uma fotografia no facebook, o colega Moacir Néri usou o termo MODéda, o que me fez recordar do tempo que trabalhei no Banco do Nordeste do Brasil, órgão conhecido na região  como BNB(bê-ene-bê) e os seus funcionários eram chamados “benebeanos”. Diziam os colegas que eu tinha uma memória fotográfica, que conhecia com detalhes todos os clientes e que sabia decorado o Manual de Operações de Crédito do BACEN (MOBacen) e o Manual de Operações de Crédito Rural do BNB (MODERUR). Certamente era um comentário exagerado. Na verdade meu trabalho exigia sempre a leitura daqueles manuais, e isso e me dava um bom conhecimento das operações bancárias. Daí a razão de alguns colegas como o Moacir me apelidarem de MODéda.

Guardo boas recordações do tempo do BNB. E aqui vai uma delas. No ano de 1973 eu trabalhava em Simão Dias, minha terra natal, onde aconteceu um fato curioso que narro para conhecimento de minha querida neta Marina, que começa a decifrar meus escritos.


Foto do Cometa Kohoutek tirado em janeiro de 1974 e publicado pela Wikipédia-Enciclopédia livre 

No final daquele ano a imprensa mundial cuidava da notícia do Cometa KOHOUTEK, assim chamado em homenagem ao seu descobridor, o astrônomo checo Lubos Kohoutec. Anunciava-se que aquele seria o “cometa do século” e que apresentaria uma visão surpreendente, de beleza inigualável, seria um verdadeiro espetáculo celeste, bem maior do que aconteceu com o Cometa Halley, no início do século XX. A imprensa sensacionalista ou “marronzista” – como dizia o Odorico Paraguaçu, personagem de Dias Gomes – anunciava que o Kohoutek entraria em choque com a Terra e tudo explodiria. Seria o fim do mundo! Com sói acontecer, os delírios da imprensa marrom favoreceram os especuladores, e estes, pensando em maiores lucros, também propagavam com detalhes a suposta catástrofe, incentivando a ação precipitada dos crédulos.

Eu era o chefe do setor de crédito rural do BNB em Simão Dias, uma das maiores agências do polígono em financiamentos para agropecuária. Não esqueço um fato que ocorreu com uma cliente do município de Pinhão. Ela era uma senhora viúva que impunha respeito não só pela idade, mas também pelos princípios religiosos que defendia e pelo seu porte de trabalhadora incansável. Era uma cristã fervorosa que cuidava com muito esmero e honradez da educação de seus filhos e de sua pequena gleba rural. Certa manhã ela apareceu na agência e pediu-me para calcular o saldo devedor de seu financiamento de longo prazo, para efeito de pagamento antecipado.  Surpreendido, indaguei porque motivo pretendia pagar antecipadamente um financiamento resgatável em cinco anos, com juros fixos de 7% ao ano, sem qualquer outro encargo, cujas prestações, no futuro, seriam de valor insignificante.  E a senhora, olhando-me nos olhos, disse-me, mais ou menos, o seguinte: “Seu Beto, ouvi no rádio que o mundo vai acabar! Me disseram que ainda este mês uma tal estrela ‘corruteque’ vai cair na Terra e destruir tudo. Não quero ter o pecado de saber que vou morrer logo, deixando dívida. Uma boa crista não morre devendo. Vou vender tudo e pagar ao banco...”

Era o efeito da imprensa “marronzista” e de aproveitadores do Cometa Kohoutek influenciando uma crédula sertaneja. Foi preciso muita conversa e argumentos para convencer aquela honesta e inocente trabalhadora a evitar a venda de seus bens e antecipar pagamentos. Com muito esforço ela resolvera aguardar alguns dias, o que foi suficiente para desmascarar a falácia do Cometa e livrá-la de prejuízos. Pouco depois, foi divulgado que os cientistas já sabiam, com antecedência de mais de dois meses (desde outubro de 1973) que o Kohoutek não era nada daquilo que fantasiosamente publicavam. Tudo não passou da imaginação fértil da imprensa marrom e que repercutiu no pensamento religioso de uma lavradora do interior de Sergipe.

O Cometa do Século passou a ser conhecido como o “Fiasco Sideral do Século”. E os sertanejos, sem esconder o contentamento, diziam: “- O Cometa ‘corruteque’ deu chabu, broxou!”...

Aracaju, 28/09/2012

Beto Déda

 

O FUTEBOL EM SIMÃO DIAS


Já faz algum tempo li e admirei um artigo que meu sobrinho Marcelo escreveu no Jornal da Cidade, comentando sobre sua iniciação como torcedor do Flamengo. O seu texto, muito bem escrito e com ricos detalhes, reavivou minhas lembranças como torcedor de futebol na época em que vivemos em Simão Dias. Comentei pra ele as recordações do futebol de nossa terra e repito aqui, desta feita em atenção especial ao amigo e primo Humberto Oliveira, que é um vascaíno que não nega a camisa, exposta na sua página no facebook.

Não tenho ideia de quando comecei a torcer pelo Flamengo, sei apenas que tudo começou quando eu era aprendiz de tipógrafo nas oficinas do Jornal “A Semana”, editado por meu pai. E uma das minhas alegrias futebolísticas aconteceu quando o rubro-negro foi tricampeão carioca (1953/54 e 55), com uma equipe que até hoje não esqueci a escalação: Garcia, Tomírez e Pavão, Jadir, Dequinha e Jordão, Joel, Índio, Rubens, Evaristo e Zagalo, este último era chamado pelos torcedores, como eu, de Zé Galo, ele substituiu o grande Esquerdinha.

Àquela época acompanhávamos os jogos através do rádio, no bar de Abel Jacob dos Santos, um amigo comerciante que mais tarde foi eleito prefeito da cidade e deputado estadual.

Como torcedor, tempos depois, estimulei todos meus sobrinhos  que comigo conviveram em Simão Dias a torcerem pelo Mengo e os presenteava com uma camisa rubro-negra. Daí porque todos são flamenguistas (Marcelo, Marco, Zezinho, César, Cristiano, Cacau, e, sem a menor dúvida meus filhos). Diz Marco que não se liga muito em futebol, mas continua torcendo pelo Mengão. Uma vez Flamengo...

Atualmente evito assistir aos jogos do time, devido ao meu problema de pressão alta e taquicardia. Só vejo o jogo quando o Mengo está ganhando com folga de gols e, concomitantemente, faltam poucos minutos para encerrar o match.

Por falar na palavra “match”, em nossa terra, naquela época, era comum se usar  expressões em inglês (o futebol tem origem Britânica). Lembro-me de algumas delas: goalkeep = goleiro; back = zagueiro;  fullback = zagueiro central; Half (esquerdo e direito) e centerhalf = linha intermediária; center for = artilheiro; fall = falta; corner = escanteio, etc.

Lembro-me, também, que nos anos cinquenta os simão-dienses viveram intensamente a emoção do futebol, com quatro clubes: Flamengo, Vasco, Vitória e Lira. Em 1956 aconteceu um campeonato com esses clubes, disputado no gramado do Bairro Bonfim, que nos dias de jogos era cercado com lona (uma empanada parecendo um circo sem o teto), vigiado por “mata-cachorro”, e tinha o nome garboso de Estádio José Barreto. Os jogadores tinham apelidos marcantes: Cotó, Dié, Xinoca, Bacalhau, Bacalhauzinho, Done, Buscarré, Seça, Motorzinho, Itaporanga, Dedinho, Pé de Tábua, Zé de Marocas, Zé de Zilda, Zé de Silvina e muitos outros.

Para minha tristeza, o Vasco foi o campeão e houve uma grande festa patrocinada pelo Presidente do time, Benedito de Arnor.

Tio Sininho (Francino Silveira Déda) era torcedor do Vasco. Fez uma reportagem sobre a última partida do campeonato, publicada n’A Semana, e editou um encarte (ver ao lado) que registrava o escudo, a bandeira e a letra do hino de sua autoria (assinava como Sineta), com o seguinte refrão:

 "Vasco da Gama/
Nosso brasão
De nossa terra
És campeão...
Vasco da Gama
Tens simpatias/
És campeão/
De Simão Dias”.

Infelizmente, logo em seguida, tudo acabou. A ideia de se pagar aos jogadores e se misturar futebol com política foi o passo decisivo para o fechamento dos clubes.
 

Anos depois surgiu o Cruzeiro e a construção do Estádio Luciano Cardoso, onde ocorreram grandes jogos com o Leônico (de Salvador), o Sergipe, o Confiança (de Aracaju), o Santa Cruz (de Estância), o Canta Galo (de Itabaiana) e os times das cidades da região. A grande rivalidade mesmo era quando jogava a seleção local contra os times de Lagarto e de Paripiranga. De vez em quando o “match” terminava em briga...

 São lembranças estimuladas pelo primo Humberto e o sobrinho Marcelo. Mas tenho outras do futebol de Simão Dias, que contarei depois, se assim me permitirem o tempo e a paciência...


 Aracaju, 21/09/2012

Beto Déda

O hino e o jornalzinho do Grupo Escolar Fausto Cardoso

Recentemente meu sobrinho Paulo César Déda e o amigo Clínio Guimarães, usando o facebook, levaram-me a lembrar de minha adolescência, quando enfrentava o frio de Simão Dias, entregando o jornal “A Semana” pelas ruas da cidade. Comentando sobre esta recordação, o conterrâneo J. C. Góes Montalvão traz-me a lembrança de nosso querido Grupo Escolar Fausto Cardoso.

Prédio do Grupo Escolar Fausto Cardoso em S. Dias
Dizem os mais velhos que aquele prédio foi construído no século passado, lá pelos anos 20, e que a águia que encima o seu topo era a marca do governo Graccho Cardoso.   Era, e ainda hoje é, um prédio imponente, com suas largas escadarias, cujos corrimãos, também de cimento, deslizávamos em rápidas descidas, puindo os fundilhos de nossas fardas.

Alisaram os bancos daquela escola grandes vultos da vida política e intelectual de Sergipe: Governadores, Presidentes de Tribunais, Senadores, Deputados e imortais da Academia Sergipana de Letras.
Muitas são as recordações que tenho do velho grupo escolar. Para início, vamos lembrar do hino e do jornalzinho.

O CANTO ORFEÔNICO
Além das aulas normais do curso primário, a querida Prof. Olda do Prado Dantas também ensinava canto orfeônico. E suas aulas transbordavam bondade e alegria. Aprendíamos os hinos pátrios e outros cantos, dentre os quais o que chamávamos de “pastorzinho que solfejava”, de rifão inesquecível: - “Havia um pastorzinho, que vivia a cantar: dó-ré-mi-fá...fá-fá... dó-ré...ré-ré... sol-fá-mi...mi-mi... do-ré-mi-fá...fá-fa”  

Todos os dias, no início e no final do turno, tia Vina Déda ou d. Rosália tocava o sino e todos os alunos perfilavam-se no grande corredor para cantar o hino escolhido para dia (Hino Nacional, da Independência, da Bandeira etc.), culminando sempre com o hino do próprio grupo, de letra do meu saudoso pai, que além de outras atividades era inspetor escolar e foi diretor daquele Grupo. Relembro aqui os versos de nosso hino:

"Somos do Grupo Fausto Cardoso/
                      Disciplinados estudantes.
                      Cada estudante, um corajoso
                      E cada mestre, um bandeirante.

A escola chama, a pátria quer
                      Que a juventude venha aprender/
                      Os nossos livros são os instrutores
                      Que nos ensinam a combater.

A pátria quer que o juvenil,
                      Estudioso e varonil,
                      Seja a defesa do Brasil."

E cantávamos com muito garbo sob a regência da querida professora Olda. Bons tempos, felizes dias...
O JORNALZINHO “O IDEAL”
Embora não tenha sido do meu tempo, dizem os que ali passaram em épocas anteriores, que o grupo escolar tinha um jornalzinho, intitulado “O IDEAL”, fundado no ano de 1934 pelos alunos do 4ª ano e publicado sob a supervisão do diretor da escola. É verdade! Sua publicação se estendeu até a primeira metade dos anos 40, conforme atesta o exemplar que escapou da voraz ação do tempo; uma edição de 1º/Out/1942, época que a cidade tinha o nome de Anápolis. No ano de 1942 a diretoria era composta dos  seguintes alunos: o diretor era José Rosa Montalvão, irmão de Hélio, de Iolanda e tio de José Carlos Montalvão; o secretário era José Matias Neto – sobrinho de Francisco Matias–; o tesoureiro era Alexandre Cardoso da Silva, filho do José Leonel, irmão de Pedro, Cicília e Rita Cardoso. Escreveram nesse exemplar que conservo (número 36, de 1º/out/42): além dos diretores, os seguintes alunos: Valdeci Oliveira Fonseca (filha de Messias Fonseca, gerente dos Correios/Telegrafo), Maria Conceição Santos, Josefa Correia Santos, Marieta Fonseca, Valdeci Guerra (filha de Cícero Guerra), Zaíra Oliveira (filha de Milton Oliveira), Mariolanda, Francisco Teles e Diógenes Carvalho.  Também tem um artigo de meu pai, “Reminiscências Anapolitanas”. Ele era o diretor do grupo escolar, orientador e supervisor do jornalzinho e nesse artigo usou o pseudônimo CARDÉ (sílabas iniciais de Carvalho Déda).

Como diz a canção: “ ...velhos tempos, belos dias...” 

Por enquanto é só, mas tenho muitos causos de nosso Grupo para contar, quando folga tiver de meus “trabalhos” no Lago Dourado...

Aracaju, 06/09/2012

Beto Déda
 

Entregando "A Semana" no frio de Simão Dias

Recentemente, meu caro amigo Clínio Carvalho Guimarães comentou no facebook sobre os dias frios em nossa cidade e sua observação fez-me lembrar do meu tempo de adolescente e das manhãs frias dos dias de sábado, em Simão Dias, quando eu andava literalmente por todas as ruas da cidade, distribuindo o jornal "A Semana", editado por meu saudoso pai.

 Nos meses de inverno era aquele frio gostoso, debelado pelo meu andar rápido de garoto. Para a maioria dos assinantes a entrega era feita por debaixo das portas, com o clarear dos primeiros raios de sol. Mas alguns deles invariavelmente aguardavam a minha passagem para a leitura matinal de "A Semana". Eram os habituês, como dizia João Jacó, locutor e projetista do Cine Brasil. Lembro-me agora de alguns deles. Na praça da Matriz, era o dentista Dr. Fraga Matos (pai de Dr. Gilson, Dr. Gildo e Auxiliadora), que com seu sorriso bonachão passava suas mãos por meus desalinhados cabelos, tal como fazia meu pai. Era um gesto que na minha mente de garoto representava o mais nobre sinal de carinho de um adulto para uma criança, era um elogio ao meu comportamento e me transmitia uma confiança enorme. Outros assinantes que também me aguardavam, esfregando as mãos para espantar o frio: na Rua de Estância, Dr. Alceu Conceição (irmão de Durval, construtor do Cine Brasil); na Rua do Coité, D. Aldina (avó de Clínio Guimarães); na Rua da Feira, Seu Inocêncio Nascimento (meu padrinho); na Rua Canafístula, Seu Zuzu (mecânico que cuidava da  usina elétrica); na Rua do Pastinho, Seu Coelho (lembro-me que era um senhor baixo, cabelos grisalhos, usava um pequeno chapéu e lia o jornal com um interesse sem igual). E alguns outros que se arriscavam a acordar cedo e enfrentar o frio do inverno.

 Como jornaleiro, lembro-me de outros dois fatos marcantes que registro aqui. O primeiro me irritava e afastava o frio que era tangido pela raiva. Tinha um colega, do Grupo Escolar, que quando me via entregando jornal, gritava para me pirraçar: - Jornaleiro, me dá um jornal feminino... Eu ficava p. da vida e tinha vontade de arremessar os jornais na cara do fi-da-p... Hoje, a lembrança me diverte.

 O outro fato é de recordação sublime, que me deixa em estado de graça sempre que lembro. É o caso da garota do fantástico baby-doll (uma curta e elegante roupa de dormir parecida com camisola). Foi assim: sabendo que a filha de um assinante acompanhava com vivo interesse matéria do jornal, eu fazia questão de entregar o exemplar pessoalmente. Escolhia a hora apropriada e anunciava em voz alta, para acordar a garota leitora: - Olha o jornal "A Semana"! E repetia até ouvir a voz melodiosa pedir que entrasse para entregar pessoalmente o jornal. Eu entrava e me deslumbrava ao ver a garota de baby-doll... As entregas e as maravilhosas visões se repetiram... E nessas ocasiões o frio não me incomodava. O Sangue fervia!

E foi assim que um comentário do amigo Clínio despertou em minha memória uma feliz recordação do frio em Simão Dias.

Aracaju, 23.08.2012

Beto Déda

 

Eu, lavrador e criador de carneiros...

Minha querida neta Marina:

Ontem, estava no sítio Lago Dourado, cuidando de minha roça quando sua ovelha e o carneiro de João Marcelo passaram por debaixo da cerca e ameaçaram os pezinhos de milho. Imediatamente retornei-os ao outro lado da cerca, corrigindo a situação. Salva a roça, lembrei-me de dois fatos importantes que aconteceram quando eu era criança, em Simão Dias, e que continuam em minhas lembranças.

Contarei para você... E espero contar para Miguel quando ele estiver mais crescido e melhor compreender os fatos.

Vamos lá:

Era uma manhã de janeiro de 1953. Eu contava com 11 anos de idade. Morávamos na Rua dos Ribeiros, que depois passou a ser chamada de Floriano Peixoto e em seguida Júlio Manoel de Oliveira. Naquele ano o escritório de advocacia de meu pai era naquela rua, em uma casa antiga, de propriedade de Seu Manoel Dantas. Era uma casa larga, tinha como vizinhos, de um lado:  Seu Agenor, fogueteiro, marido de Dona Santinha;  e do outo Seu Messias, pai de Tom Carlos.

 O quintal era comprido e se prolongava até a Praça de São João, que tinha o nome oficial de Praça Zacarias de Carvalho, conhecida popularmente por Praça dos Três Poderes, devido a localização ali do cemitério, quartel de polícia e hospital.  

Pois bem. Naquela manhã de verão, vendo o vasto quintal, tive a ideia de fazer a minha primeira roça de milho. Faria uma plantação igual a que meu pai fizera na sua malhada, um pequeno sítio que denominava “Vila Carlitos”, em homenagem ao meu irmão Carlos Eugênio e ao grande ator Charles Chaplin. Comecei imediatamente a limpar o mato, com uma enxada maior que eu.  Já tinha capinado um bom pedaço, quando ouvi o chamado de meu pai:

- Alberto, que está fazendo? Vem cá...

Com o rosto suado e corado, corri em direção a papai e exclamei com entusiasmo:

- Estou limpando o quintal para fazer uma roça de milho. Vai ser igual a plantação da malhada...

Sem disfarçar o sorriso, o velho me alertou que não era possível cuidar de roça naquela época, em pleno verão, com o sol escaldante e, mais ainda, em poucos dias estaria se mudando e entregaria a casa ao Seu Manoel Dantas.

Percebendo minha tristeza e procurando consolar-me, prometeu fazer um cercado no quintal de nossa casa para minha “roça”. Promessa que se tornou realidade dois meses depois. No dia 19 de março - dia de São José - fiz a minha primeira plantação de milho.  Foi um sucesso. Todos os dias, pela manhã, ia cuidar da “minha lavoura”.  Limpava e chegava terra aos pés de milho que cresciam viçosos.

Eu estudava no Grupo Escolar Fausto Cardoso. Quando voltava da escola, ia cuidar da “roça”. A maior alegria foi quando o milho pendoou e apareceram as primeiras bonecas (espigas tenras).   Logo depois veio a colheita e a emoção pelos elogios de mamãe, tias Esterzinha e Nice. Numa sexta feira, à noite, quando papai voltou de Aracaju, sentei-me à mesa, perto dele, para vê-lo saborear o milho e afagar meus cabelos com sua bendita mão.  Era a maior recompensa e eu fiquei orgulhoso por aquele querido gesto...

Terminada a safra, meu irmão Tutu (Artur Oscar) que passava as férias conosco, me fez uma pergunta que não tive dúvida em responder. Disse mais ou menos o seguinte:

- Beto, tenho um presente para você, mas terá que escolher. Quer uma couraça (bola de couro de uso da época) ou um carneiro?  Lembre-se que o carneiro tem que ser preso no cercado da roça, então você não poderá plantar mais nada...

Embora gostasse demais de jogar bola e era craque com as bolas de meia, não titubeei:

- Quero o carneiro...

No dia seguinte, Artur foi à Rua do Curral e, para minha imensa alegria, trouxe de lá um casal de carneiros lanzudos.  Disse-me que comprara os dois pelo preço de um porque a fêmea tinha um defeito na pata, mancava. Passei de agricultor a ser criador.

Logo depois não restava mais nada da roça e nem qualquer mato no quintal. Tinha que levar os carneiros para pastar na Praça de São João ou na malhada de seu Pierre Freitas.  Às tardes, quando voltava do Grupo Escolar, eu ia pegar os carneiros para pernoite em nosso quintal.  Um dia, os carneiros entraram de mansinho no quarto onde minha irmã Malô (Maria Eugênia) dormia e deu uma abocanhada em seus longos cabelos. Malô acordou chorando e foi um alvoroço sem igual. Resultado: todos recomendavam que eu me desfizesse dos carneiros.

Prof. Zefinha, que morava com tia Nice, soube do fato e propôs a compra dos carneiros por seu irmão marchante. Depois de muita conversa, fui convencido a aceitar a proposta de Zefinha, e o pior, eu mesmo tive que levar os carneiros para casa de Nice de onde seriam conduzidos para o sacrifício. Pior ainda, como dormia na casa de tia Nice, passei a noite ouvindo os berros dos carneiros, que estranharam o local. Chorei pela noite e resmunguei durante o dia. Foi um dos piores negócios de minha vida. Dizia Nice que os carneiros berravam assim: -  Beeeto, Beeeeeto, Beeeeto! Ouvir isso era uma tortura...

Tal qual o cercado de minha roça, este também foi um dos fatos inesquecíveis de minha vida.

São lembranças da infância que não se apagam em minha memória. Com exceção do final, gosto muito de relembrar da minha primeira roça e dos carneiros que ganhei de Tutu.

Um beijão para minha querida neta que já sabe decifrar os  garranchos do vovô.

Aracaju, agosto de 2012.

Vovô Beto


Iniciando o blog



Ultimamente tenho ficado em casa, repousando durante parte do dia, por conselho médico. E aproveito o tempo disponível para contar aos meus netos passagens de minha infância e juventude que repetidamente já tinha narrado aos meus filhos. Inicialmente passei a escrever bilhetes para minha querida neta Marina, que começa a decifrar as "mal traçadas linhas" do vovô coruja. Depois comecei a postar os escritos no facebook e agora, para facilitar a leitura, resolvi criar este blog, seguindo uma sugestão do colega/amigo José Amâncio Neto, que é experiente blogueiro. Aqui descreverei fatos chistosos vividos por mim, envolvendo familiares e amigos dos velhos tempos. São fatos que realmente ocorreram, que ficaram retidos em minha memória e relembrá-los sempre me dão prazer.
 
Assim, este blog é destinado aos meus queridos netos e a todos que comigo queiram relembrar os velhos e saudosos tempos...
 
Aracaju, 04 de outubro de 2012.
 
Carlos Alberto de Oliveira Déda (Beto Déda)