A modinha de Seu Gervásio nas noites de lua.
São muitas as lembranças acumuladas em minha mente e o espaço maior corresponde ao tempo que era criança em minha terra natal: Simão Dias.
Agora mesmo, estava admirando o esplendor da lua e isto foi o toque para despertar recordações das noites enluaradas na Rua dos Ribeiros, local da casa de meus pais, onde nasci e passei minha infância e juventude.
Naquela época a iluminação elétrica das ruas era precária, dependia de um motor movido a óleo diesel que falhava com frequência, deixando a cidade às escuras. Assim, as noites enluaradas eram comemoradas com alegria por todos que residiam naquela rua.
Nessas agradáveis noites se reunia um alvoroçado grupo de crianças: meus irmãos, nossos primos e a garotada da redondeza. Algazarra não faltava. Brincávamos de “manja”, de “se esconder”, de “cipozinho queimado”, do “grilo”, e também de caubói, imitando os astros dos filmes de faroeste que passavam nos cinemas Ipiranga e Brasil: Bill Eliott (Red Ryder), Charles Starret (Durango Kid) e Rock Lane.
Mas a lembrança que me desperta hoje é a cantiga de Seu Gervásio. Ele era um senhor de baixa estatura, rosto pálido e bochechas flácidas, sempre usava um paletó surrado, um velho chapéu e gostava de pitar cigarro de palha. Fazia biscates: cortava lenha e transportava água para as casas. Ele morava com suas irmãs, Arlinda e Amélia, em uma casa antiga, de beira-e-bica, que ficava próxima a de meus pais. A casa era de adobe e apresentava pequenos buracos na parede, que passava a claridade do luar e permitia que avistássemos o que se passava na sala da frente.
A Rua Júlio Manoel de Oliveira, antiga Rua dos Ribeiros, em Simão Dias(SE). |
A porta aberta também deixava a lua iluminar a sala. A luz de um candeeiro, em um quarto, divisava a réstia de D. Amélia conversando com sua irmã, que estava na sala em uma cadeira tipo preguiçosa. Próximo à porta de frente, em um banco, estava sentado Seu Gervásio, pitando um cigarro de palha e cantando sua canção predileta: “A festa de casamento”.
Ainda sei alguns trechos da letra daquela modinha, que meu cunhado Haroldo costuma cantar. Com intuito de ativar a memória dos que conviveram aquele período de nossa simpática rua, ouso ativar a memória e transcrever algumas partes:
A Festa de Casamento
Fui convidado para uma festa de casamento
Da filha de um tenente da guarda nacional…
...
Lá tinha dança e comida com fartura
muito bolo, cocada e frituras…
...
Lá tinha uma moça, bonita e faceira,
dançava e levantava poeira...
...
Percebendo nossos risos, Seu Gervásio interrompia seu engraçado cantar. Então resmungava, pegava seu velho chapéu, que sempre deixava sobre o banco, e se dirigia ao fogão de lenha para acender o cigarro de palha. Voltava até a soleira da porta. Firmava-se em uma perna só, amparando o ombro no portal, e pitava soltando fumaça, observando a correria da meninada. Depois, olhava para um lado e para o outro, bocejava e fechava a porta. Era sua hora de dormir...
...
Eram pessoas simples de outros tempos e que ainda hoje alegram as lembranças de nossa infância.
Aracaju, 16/01/2022
Beto Déda