quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013


 


A criatividade de ontem e de hoje.
 

Encanta-me apreciar as habilidades de meus netos no uso do tablet (uma espécie de computador portátil). O uso de tais instrumentos facilita a atividade motora das mãos das crianças e, dizem, estimulam a criatividade.

 
A lousa ou pedra de escrever dos anos 40/50.
 

O que percebo é uma grande diferença do que acontecia nos velhos tempos, lá pelo início dos anos 50. O meu “tablet” era uma pequena lousa de pedra em que, usando um lápis também de pedra, praticava caligrafia e desenhos, além de me divertir brincando de forca. A minha pedra de escrever sempre estava rachada, parecendo casco de tartaruga, o que dificultava a escrita. Mas minha professora, Ana Santa Rosa, dizia que devíamos usar a criatividade e nos estimulava a praticar a separação de sílabas, de modo a nos livrar das fissuras da lousa. Usávamos o lápis de pedra e depois de feita a escrita e conferida pela professora, tudo era apagado usando uma pequena planta transparente e rica em água, chamada popularmente de “tripa de macaco”. Assim que chegávamos à escola de Prof. Ana,  íamos até o quintal e colhíamos um molho da pequena planta limpadora. Algumas meninas usavam como apagador um vidrinho com água, diziam que era mais higiênico. Mas não faltavam aqueles que, escondidos da professora,  usavam o cuspe para a “limpeza”, o que era nojento pra caramba...

Com o progresso, surgiram as penas de escrever, acompanhadas de tinteiros. Inicialmente eram usadas por alunos mais adiantados.  E as carteiras das salas de aula tinham um local próprio para se colocar os tinteiros. Raras eram as mãos e fardas que não traziam as marcas de tintas.



A verdade é que os poucos recursos de ontem era um estímulo à criatividade. E todas as crianças procuravam inovar em brincadeiras. De um simples cabo de vassoura, fazíamos um cavalo de pau e galopávamos empolgados como estivéssemos em um fogoso mangalarga. Um arco de pneu com um pequeno arame condutor se transformava em um formidável brinquedo, rolando pelas ruas. Uma tábua, tendo rolimãs como rodas, se transformava em uma veloz Ferrari. E na oficina de papai, com uma serra, transformávamos um pedaço de madeira em um revólver para brincar de caubói, com o famoso grito de “mãos-ao-alto”.

Para angariar alguns trocados, meu irmão Carlos fazia belíssimas gaiolas de madeira e arame, com contas e outros balangandãs. Eu aproveitava os restos de madeira, fazia miniaturas de gaiolas, usando toda a criatividade para enfeitar ao máximo e, depois, vendia aos colegas do Grupo Escolar Fausto Cardoso. Os trocados serviam para comprar os queimados (balas de mel) vendidos por D. Rosália.


 
O Cartão de Cupido

Nas oficinas do jornal “A semana”, para reforçar a mesada, usava o pequeno prelo e imprimia “Cartões de Cupido” para vender aos colegas nas tardes de domingo. Os cartões eram usados pelos garotos inibidos – e eu era um deles – para abordar as meninas no passeio da Praça da Matriz. Era só entregar o cartão à garota escolhida e pedir que dobrasse o ângulo certo e devolvesse. Como bom comerciante, pensando nas próximas vendas, sempre aconselhava aos compradores sobre o óbvio: o cartão só podia ser usado uma vez, assim deveriam comprar uma boa quantidade. Vendia muito e tinha fregueses certos.
 

A criatividade era usada sem parcimônia e às vezes com um pouco de “astúcia” infantil. Narro, aqui, uma delas.
 
Cartaz do seriado A Deusa de Joba,
 com Clyde Beatty e Elaine Shepard
 Nos sábados, em nossa terra, o pensamento da garotada era ir ao Cine Ipiranga, que na época exibia o seriado A Deusa de Joba, com Clyde Betty e Elaine Shepard. Certa vez, um de nossos amigos, que morava na Praça de São João, dizia, tristonho, para mim e meu irmão Carlos, que ia perder o grande episódio do seriado porque não tinha dinheiro para pagar o ingresso. O pouco que sua mãe dispunha era para comprar feijão. Diante dessa dificuldade, unimos os pensamentos em criar uma solução mágica para o problema: conseguir o feijão, sem gastar um tostão.  Acertamos os detalhes e fomos à feira. O colega perguntava ao comerciante quanto custava um quilo de feijão e os três, ao mesmo tempo, enchiam as mãos de amostras dos grãos que não voltavam ao saco, mas sim à mochila do pretenso comprador. Depois de passarmos por diversas barracas, fazendo a indagação do preço e pegando as amostras, tínhamos a quantidade de feijão necessária. Tudo conseguido sob o olhar desinteressado dos feirantes, sem gastar os trocados que foram utilizados no ingresso do amigo ao cinema.
Dias depois soubemos que a mãe do colega reclamou da compra. A bronca era o feijão irregular, uma mistura danada, parecendo “feijão de cego”. E o pau cantou...
O fato é que o garoto e sua mãe comeram feijão misturado. Ele levou umas chineladas, mas não perdeu o episódio das aventuras de Baru e sua irmã, em a Deusa de Joba.
 
Era assim nos velhos tempos. As dificuldades estimulavam a criatividade e nos levavam a um mundo de sonhos e fantasias. Acredito que hoje, mesmo com o desenvolvimento tecnológico, surgem novos estímulos. Os garotos não perderam a criatividade e com talento não deixam de criar fantásticos mundos na procura de diversões e de soluções para seus problemas modernos.
 
É o que vejo, com meu olhar de avô coruja, observando o que fazem meus queridos netos.
 


Aracaju, 21/02/2013

Beto Déda