quarta-feira, 2 de setembro de 2020

 

RECORDAÇÕES DE MEU SAUDOSO PAI.

 

Nas primeiras horas da madrugada desta quarta-feira, dia 02 de setembro, surgiram lembranças de um dia inesquecível em minha vida. Não gosto de lembranças tristes, mas não posso esquecer os últimos dias de vida do meu saudoso pai, José de Carvalho Déda. Foi justamente há 52 anos, no alvorecer do dia 02 de setembro de 1968, que ele foi vítima de um enfarte fulminante e passou desta para outras paragens.

 

Lembro-me a amargura que me causou aquele desenlace. Eu tinha um convívio muito apegado ao meu pai. Desde garoto, com 12 anos de idade, com ele trabalhei no jornal “A Semana”.  Ele foi meu grande mestre e herói, orientando-me com exemplos formidáveis de sua vida de lutas.

 

Naquela triste semana, com o coração em prantos, cuidei da edição do jornal, com ampla reportagem sobre seu súbito falecimento. Não esqueço que, ao entrar na sala de redação, lá encontrei sobre sua mesa de trabalho o editorial e a xilogravura que ele preparara no domingo pela manhã, e que publiquei na edição que noticiou sua inesperada morte.

 

Passados tantos anos daqueles momentos tristes, continuo a lembrar e sonhar sempre  com ele, que continua vivo em minhas lembranças. É o meu herói imortal.

 

Recentemente, no final do mês de agosto, lembrei-me dele ao assistir na Televisão uma reportagem sobre Hiroshima, cidade japonesa que foi arrasada em 1945 por uma bomba atômica lançada pelos Estados Unidos.

 

A lembrança me ocorreu porque meu pai escreveu, em 1956, um artigo sobre aquele impiedoso bombardeio, com o título “Promessa de Caboclo”, publicado no jornal “Correio de Aracaju”, em 30/05/1956.

 

Para os que gostam de uma boa leitura, reproduzo abaixo aquele artigo, no qual meu pai descreve o problema da bomba atômica, comenta, com ironia, a artimanha dos americanos ao se aproveitarem do minério brasileiro e, a propósito, narra de modo chistoso uma historieta de nosso folclore. Vale a pena ler:

 

“A PROMESSA DO CABOCLO

 Escrito por CARVALHO DÉDA, em 30/05/1956

Há cerca de onze anos, numa manhã formosa de céu límpido, três aviões americanos sobrevoavam à grande altura, a cidade japonesa de Hiroshima.

Coisa trivial naqueles tempos de guerra. Aos olhos dos habitantes da cidade sobrevoada, parecia que aquela pequena esquadrilha realizava apenas um voo de reconhecimento. Mas não foi assim. Em dado momento, um estrondo infernal abalou toda a região, e um clarão intenso, ofuscante, trágico e diabólico iluminou a cidade de ponta a ponta. E num abrir e fechar de olhos Hiroshima ficou reduzida a uma cidade arrasada em cujo solo 250 mil corpos humanos jaziam completamente carbonizados.

O mundo tremeu apavorado. Naquela hora tremenda a era atômica atingia sua plenitude.

Não havia ainda se sumido o último eco da terrível explosão e as cúpulas das nações já se empenhavam no descobrimento do segredo atômico. Souberam que a "peste" era fabricada com monazita e sais de tório. Quem possuía um pouquinho daqueles fabulosos metais atômicos, tomava suas imediatas cautelas, guardando-as à sete chaves. Somente o Brasil, displicente, ingênuo e folgazão, continuava dormindo a sono solto e de pés espalhados nas coloridas praias de Guarapari, em cima das imensas reservas de matéria atômica!

Aquelas areias coloridas serviam para enfeitar as nossas praias e, quando muito para a fabricação dos incandescentes véus das petromax e para fazer pedras de isqueiro. Os americanos quiseram comprar nossas areias. Matutamos: — Pra quê?!... E chegamos a uma conclusão ingênua: — Bons sujeitos, estes americanos! Não tendo mais que fazer com tanto dinheiro, querem nos proteger comprando simples areias!   Pois, areia neles!...

Sucede que os bons sujeitos quiseram negócio seguro, e exigiram o preto no branco. — Seguro morreu de velho.

Firmou-se o acordo e o Brasil passou a vender suas reservas de monazita a preço de dez reis de mel coado. Mas eram favas contadas e o Brasil continuava sendo o país da fartura...

Tudo corria bem, até que um dia alguém botou a boca no mundo. Aquele acordo não podia prevalecer por mais tempo. O cumprimento da promessa de venda importava na saída, para começo de conversa, de 24 toneladas de monazita, quase de mão beijada! Matéria prima para a fabricação de bombas atômicas. 24 mil toneladas! E a bomba de Hiroshima pesava apenas 230 gramas!

E foi um bê-rê-rê dos diabos. Porcos na roça do Governo. Abriram-se os debates no Congresso e na imprensa. De um lado os que não se conformavam com o cumprimento da promessa. Ora bolas! Promessa só de Cristo!...

De outro lado os que se batem pelo cumprimento da palavra empenhada. — O boi pela ponta e o homem pela palavra... Promessa é dívida!...

E chegamos diante de um dilema: não pagar a promessa e fazer a palavra do Brasil desacreditada como palavra do cigano, ou mantê-la a todo custo, doa a quem doer.

 

xxx

 

Aí estão duas histórias. A triste, da Hiroshima arrasada com 250 gramas de droga, e a velha história do brasileiro que só fecha a porta depois de roubado. Mas, como história puxa história e conversa puxa conversa, vou contar uma historieta do nosso folclore:

Conta-se que um caboclo, precisando de chuva para o seu roçado, fez uma promessa ao santo da sua devoção. Daria ao santo o preço da venda da sua vaca de leite, se chovesse no seu roçado. Feita a promessa com todos os efes e erres da fé nordestina, a chuva caiu mesmo no roçado.

Agora, o que preocupava o caboclo era o pagamento da pesada promessa. Fora realmente insensato, prometendo tanto. Sua vaca, vendida pelo barato da época, valia 500 mil reis! Mas, promessa é dívida...

O caboclo matutou, coçou a barbicha, cuspia entre os dentes, pigarreou e resolveu pagar a promessa. Anunciou a venda da vaca. Espalhou aos quatro ventos que venderia a vaca pelo preço irrisório de 2 mil reis. Mas havia uma condição: quem comprasse a vaca era obrigado a comprar também um galo velho. Vaca e galo. E tabelou os preços: vaca, 2 mil réis, o galo 500 mil réis...

Como o exagerado preço do galo ficou equilibrado pelo baixo preço da vaca, a venda se realizou sem dificuldades, em conjunto, vaca e galo ao mesmo comprador.

Embolsado do preço da venda em conjunto, o caboclo correu aos pés do santo e depositou os 2 mil réis da vaca no mealheiro sagrado. Estava paga a promessa sem maiores sacrifícios para o caboclo. O santo resignou-se, por isso que, segundo a tradição popular, continuou chovendo na roça do esperto caboclo.

Não vai nesta historieta nenhuma insinuação velhaca ou capciosa, mas entendo que, se entregassem o rumoroso caso da dívida a um caboclo do sertão sergipano, ele resolveria a questão, condicionando a venda do tório à dos abacaxis que possuímos. Quem comprasse o nosso tório seria obrigado a comprar os abacaxis; abacaxis de todo o gênero. O tório ao preço de vaca, mas os abacaxis ao preço de galo.

Façam isto e deixem o resto por conta do caboclo.

 (Correio de Aracaju – nº 5.049 – 30-05-1956)

 

 Aracaju, 02/09/2020

BETO DÉDA

Fac-símile do artigo no jornal "Correio de Aracaju",de 30.05.1956 :



 


domingo, 30 de agosto de 2020

 

Humor  nos jornais e nas redes sociais.

 

Nesta semana andei relendo antigos jornais de minha terra. No jornal “A IDEIA”, que era editado em 1883, se tem notícia que em Simão Dias, naquele ano, já existia um ativo teatro. Soube disso ao ler a seção humorística, publicada na edição nº 6, de 06.05.1883, daquele jornal. Repasso aquela notícia para os que gostam de história e de humor:

“ Certo roceiro, sem conhecer dos costumes da cidade, teve que assistir a representação de certo drama.

Em um dos intervalos sai e procura uma das esquinas do teatro e ali se põe a mijar. Um cambista então se lhe aproxima e com um bilhete na mão oferece-lhe uma cadeira. Mas ele não vendo a cadeira de que lhe falavam, responde desconfiado:

- Senhor, obrigado, eu mijo de pé mesmo, é mais bom.”.



Naquele ano o teatro funcionava em uma casa na Rua do Comércio Velho, hoje conhecida como Rua Cônego Andrade. 

Nas minhas pesquisas sobre os jornais simãodienses, notei que em quase todos eles havia uma seção humorística. Quando não tinha uma parte específica para anedotas, o humor era bem utilizado em algumas notícias do cotidiano da cidade. No jornal “A Semana”, por exemplo, o humor esteve sempre em suas páginas, quer através de uma seção de anedotas ou nas xilogravuras de Carvalho Déda, na seção “Piada da Semana”.

Atualmente, muitas notícias políticas, divulgadas pelos jornais, alimentam os humoristas e também se transformam em um elenco formidável de piadas nas redes sociais.

Recentemente, a notícia de que o Presidente, ao visitar Aracaju, colocou um anão nos braços, pensando se tratar de uma criança, foi motivo de um montão de piadas por este país afora.

Este fato me fez lembrar o humor do meu querido primo Zé, que era mestre em contar piadas de um imaginário estudante chamado Joãozinho, personagem pitoresco que gostava de linguagem chula. Há muito tempo meu primo me contou uma piada que repasso para os amigos.

O Joãozinho estava em sala de aula e a professora fazia perguntas aos alunos, usando como mote as letras do alfabeto. Sabendo que Joãozinho era escandaloso, reservou para ele uma letra que dificultasse o uso de palavra de sentido obsceno. Então fez a seguinte pergunta:

- Joãozinho diga uma palavra começada com a letra “A”.

O desbocado Joãozinho pensou, pensou. Demorou um pouco. Sentiu dificuldade em encontrar, em seu vasto vocabulário chulo, uma palavra iniciada com a letra “A”. Mas não perdeu a oportunidade. Então,  decidiu inovar e responder com uma explicação safada:

- Professora: já sei!  A palavra é ANÃO, mas com uma p... deste tamanho. E abria os braços para mostrar a potência do anão.

Se esta piada fosse contada hoje, certamente meu primo comentaria:

- Como diria o moleque Joãozinho, esse negócio de pôr anão nos braços não é uma boa...

 Aracaju, 30/08/2020

BETO DÉDA