quarta-feira, 5 de dezembro de 2012


Por que eu voltei a  chorar... (Una  furtiva lagrima).
 
 

 

Estava neste momento ouvindo Pavarotti interpretar "Una furtiva lagrima", uma ária do último ato da ópera L'elisir d'amore do grande Donizetti, quando senti uma lágrima sombria umedecer meus olhos. E embora estejamos em dezembro e meu nascimento não tenha ocorrido no mês que se comemora o Natal, lembrei-me do que me contaram do dia em que apareci neste mundo. Diziam meus pais que eu nasci às dez horas do dia 25 de maio de 1941, na Rua dos Ribeiros, em Simão Dias. Este “grande” acontecimento foi registrado em Cartório, em certidão que teve como testemunhas os Srs. Marcos Ferreira de Jesus e Inocêncio Nascimento.


O couraçado Bismarck em chamas.
Naquela época o mundo estava envolvido em sangrenta guerra e, justo naqueles dias, desenrolava-se a batalha naval iniciada no Estreito da Dinamarca, em que a esquadra inglesa atacou e, dois dias depois, afundou o encouraçado Bismarck, que era o orgulho da marinha alemã comandada por Hitler. Talvez o horror por que passava a humanidade tenha retardado meu despertar para o mundo em sangrento conflito. O certo é que, ao nascer, demorei a expressar o sinal de vida, que é o choro normal das crianças quando aqui chegam.

Lembro-me agora, com saudade, de minha querida mãe embalando-me em seu colo, consolando-me de um dos meus choros inconsequentes. Eu já tinha noção da vida. Então, ela comentava que não entendia aquela minha reação efusiva em lágrimas. Argumentava que aquele procedimento não se ajustava ao que acontecera na manhã chuvosa daquele domingo do mês de maio, quando eu vim a “este vale de lágrimas”. E contava-me os detalhes. Eu nascera sem demonstrar sinal de vida. A simples palmada na bunda não me fizera chorar. Aflito com aquela situação, meu pai resolveu fazer ruído junto ao meu ouvido, batendo com um garfo em um prato, para me despertar. Foi o santo remédio, dizia ela, lembrando que eu abri os olhinhos pretos e comecei a chorar. Com esse precedente, argumentava ela, esperava-se que eu fosse um garoto resistente ao choro. Assim, não dava pra se entender porque eu sempre estava me esvaindo em prantos.

A verdade é que a minha reação retardada no dia do nascimento foi compensada depois, porque passei a chorar compulsivamente diante de qualquer dificuldade. De tal forma era meu choramingar que sempre estava sendo repreendido por meus pais. E fui sendo educado a controlar minhas emoções. Lembro-me, como se fosse hoje, o dia em que vendo minha mãe tentando consolar meu choro, meu pai disse-lhe: “Deixa chorar, é bom para os pulmões!”. E em seguida, fitando-me nos olhos orientou-me a controlar minhas emoções. Dizia ele que tinha “a caixa de sentimentalismo hermeticamente fechada para umas tantas coisas”, mas isto não significava que não tinha sentimentos. E acrescentava que também tinha seus momentos de emoções em que as lágrimas se rebelavam e desciam molhando seu rosto. Mas que se controlava e não deixava transparecer. E recomendava-me: - Controle suas emoções, filho!

De tanto ouvir aquelas observações passei realmente a controlar meu irritante choramingar. Assim é que minhas glândulas lacrimais secaram por um longo período. 

O choro contido só veio a me atormentar tempos depois, no meu primeiro dia como estudante interno do Colégio Jackson de Figueiredo, aqui em Aracaju.  Em nossa cidade, até o ano de 1957 não existia curso ginasial, então os garotos que concluíam o primário teriam que continuar os estudos aqui em Aracaju. Aprovado no curso de Admissão, um vestibularzinho que era exigido naquela época para se ingressar no ginásio, iniciei meus estudos como interno no Jackson de Figueiredo. No dia que cheguei, estavam todos os novos alunos no pátio da escola com seus teréns. E lá estava eu sentado na grande mala, aguardando na fila para receber o número de identificação (o meu número foi o 58) para as roupas, armários  etc.  Pois bem. Naquele primeiro dia, na fila ao meu lado, estava um garoto baixo, meio gordo, de feição sombria, sorriso escasso, aparentando idade menor da que realmente possuía – era o saudoso Almir Aguiar, que muitos anos depois também foi meu colega no BNB. De repente ele começou a chorar efusivamente.  Olhei espantado com a lamúria do colega e indaguei o porquê daquele choro. E ele, entre soluços, disse: “Saudade de minha mãe, meu pai, de meus”... Não deu para ouvir o resto, nem segurar a emoção, a lágrimas desceram copiosamente e, mesmo me controlando ao máximo, também chorei. Não um choro escandaloso, mas contido e muito sentido. Ainda hoje, quando me lembro daquela cena e do falecido Almir, lágrimas furtivas aparecem.

Depois daquele dia, poucas foram as ocasiões que chorei em público. Controlava minhas emoções como me ensinara papai. Somente em algumas ocasiões, à noite, no silêncio e na minha intimidade, eu soluçava, esforçando-me para controlar as lágrimas que molhavam o travesseiro.

Hoje, com o passar dos janeiros, não consigo manter tal controle e começo a ser surpreendido por longas lágrimas diante de simples emoções, mesmo que seja ao ouvir uma saudosa música de ritmo dolente (Una furtiva lagrima, por exemplo) ou um filme emocionante. E mais, tornei-me um solidário chorão ao presenciar uma pessoa amiga em prantos.

Assim, razão não existe para nos dias de hoje, diante de uma simples emoção, surpreenderem-se com meus soluços. O fato é que, com o correr de mais de setenta janeiros, cansei de controlar o choro. Dizem os entendidos que devemos evitar emoções, nunca reprimi-las. Sufocar o choro não faz bem às castigadas cordas cardíacas.

Então, que as glândulas lacrimais e o soluço externem meu sentimento diante das emoções inevitáveis que a vida nos apresenta.  E que sirvam de alívio ao meu sofrido coração...

Aracaju, 04/12/2012

Beto Déda