Por que eu voltei
a chorar... (Una
furtiva lagrima).
Estava neste momento ouvindo Pavarotti interpretar "Una furtiva lagrima", uma ária do último ato da ópera L'elisir d'amore do grande Donizetti, quando senti uma lágrima sombria umedecer meus olhos. E embora estejamos em dezembro e meu nascimento não tenha ocorrido no mês que se comemora o Natal, lembrei-me do que me contaram do dia em que apareci neste mundo. Diziam meus pais que
eu nasci às dez horas do dia 25 de maio de 1941, na Rua dos Ribeiros, em Simão
Dias. Este “grande” acontecimento foi registrado em Cartório, em certidão que teve
como testemunhas os Srs. Marcos Ferreira de Jesus e Inocêncio Nascimento.
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O couraçado Bismarck em chamas. |
Naquela época o mundo
estava envolvido em sangrenta guerra e, justo naqueles dias, desenrolava-se a
batalha naval iniciada no Estreito da Dinamarca, em que a esquadra inglesa atacou
e, dois dias depois, afundou o encouraçado Bismarck, que era o orgulho da
marinha alemã comandada por Hitler. Talvez o horror por que passava a
humanidade tenha retardado meu despertar para o mundo em sangrento conflito. O
certo é que, ao nascer, demorei a expressar o sinal de vida, que é o choro
normal das crianças quando aqui chegam.
Lembro-me agora, com
saudade, de minha querida mãe embalando-me em seu colo, consolando-me de um dos
meus choros inconsequentes. Eu já tinha noção da vida. Então, ela comentava que
não entendia aquela minha reação efusiva em lágrimas. Argumentava que aquele
procedimento não se ajustava ao que acontecera na manhã chuvosa daquele domingo
do mês de maio, quando eu vim a “este
vale de lágrimas”. E contava-me os detalhes. Eu nascera sem demonstrar sinal
de vida. A simples palmada na bunda não me fizera chorar. Aflito com aquela
situação, meu pai resolveu fazer ruído junto ao meu ouvido, batendo com um
garfo em um prato, para me despertar. Foi o santo remédio, dizia ela, lembrando
que eu abri os olhinhos pretos e comecei a chorar. Com esse precedente,
argumentava ela, esperava-se que eu fosse um garoto resistente ao choro. Assim,
não dava pra se entender porque eu sempre estava me esvaindo em prantos.
A verdade é que a minha
reação retardada no dia do nascimento foi compensada depois, porque passei a
chorar compulsivamente diante de qualquer dificuldade. De tal forma era meu
choramingar que sempre estava sendo repreendido por meus pais. E fui sendo
educado a controlar minhas emoções. Lembro-me, como se fosse hoje, o dia em que
vendo minha mãe tentando consolar meu choro, meu pai disse-lhe: “Deixa chorar,
é bom para os pulmões!”. E em seguida, fitando-me nos olhos orientou-me a
controlar minhas emoções. Dizia ele que tinha “a caixa de sentimentalismo
hermeticamente fechada para umas tantas coisas”, mas isto não significava que
não tinha sentimentos. E acrescentava que também tinha seus momentos de emoções
em que as lágrimas se rebelavam e desciam molhando seu rosto. Mas que se
controlava e não deixava transparecer. E recomendava-me: - Controle suas emoções, filho!
De tanto ouvir aquelas
observações passei realmente a controlar meu irritante choramingar. Assim é que
minhas glândulas lacrimais secaram por um longo período.
O choro contido só veio
a me atormentar tempos depois, no meu primeiro dia como estudante interno do
Colégio Jackson de Figueiredo, aqui em Aracaju.
Em nossa cidade, até o ano de 1957 não existia curso ginasial, então os
garotos que concluíam o primário teriam que continuar os estudos aqui em
Aracaju. Aprovado no curso de Admissão, um vestibularzinho
que era exigido naquela época para se ingressar no ginásio, iniciei meus
estudos como interno no Jackson de Figueiredo. No dia que cheguei, estavam
todos os novos alunos no pátio da escola com seus teréns. E lá estava eu sentado na grande mala, aguardando na fila
para receber o número de identificação (o meu número foi o 58) para as roupas, armários etc. Pois bem. Naquele primeiro dia, na fila ao meu
lado, estava um garoto baixo, meio gordo, de feição sombria, sorriso escasso,
aparentando idade menor da que realmente possuía – era o saudoso Almir Aguiar,
que muitos anos depois também foi meu colega no BNB. De repente ele começou a
chorar efusivamente. Olhei espantado com
a lamúria do colega e indaguei o porquê daquele choro. E ele, entre soluços,
disse: “Saudade de minha mãe, meu pai, de
meus”... Não deu para ouvir o resto, nem segurar a emoção, a lágrimas
desceram copiosamente e, mesmo me controlando ao máximo, também chorei. Não um
choro escandaloso, mas contido e muito sentido. Ainda hoje, quando me lembro
daquela cena e do falecido Almir, lágrimas furtivas aparecem.
Depois daquele dia,
poucas foram as ocasiões que chorei em público. Controlava minhas emoções como
me ensinara papai. Somente em algumas ocasiões, à noite, no silêncio e na minha
intimidade, eu soluçava, esforçando-me para controlar as lágrimas que molhavam
o travesseiro.
Hoje, com o passar dos
janeiros, não consigo manter tal controle e começo a ser surpreendido por
longas lágrimas diante de simples emoções, mesmo que seja ao ouvir uma saudosa
música de ritmo dolente (Una furtiva lagrima, por exemplo) ou um filme emocionante. E mais, tornei-me um solidário
chorão ao presenciar uma pessoa amiga em prantos.
Assim, razão não existe
para nos dias de hoje, diante de uma simples emoção, surpreenderem-se com meus
soluços. O fato é que, com o correr de mais de setenta janeiros, cansei de
controlar o choro. Dizem os entendidos que devemos evitar emoções, nunca
reprimi-las. Sufocar o choro não faz bem às castigadas cordas cardíacas.
Então, que as glândulas
lacrimais e o soluço externem meu sentimento diante das emoções inevitáveis que
a vida nos apresenta. E que sirvam de
alívio ao meu sofrido coração...
Aracaju, 04/12/2012
Beto Déda
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