segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

 

O Careca e a peruca, o Baixinho cantor, e o ancião de três pernas...

 

Nesta semana minhas recordações se voltaram mais uma vez para tipos populares que viveram em Simão Dias e faziam parte das anedotas da juventude de então.

 E três personagens se destacam: o artesão de peruca, o lavrador que cantava nas missas e o ancião superdotado.

 O Careca

 O primeiro deles, o Careca, nasceu no município de Paripiranga e quando atingiu a maioridade foi para o Sul em busca de trabalho. Lá aprendeu a arte, se tornou um artesão de mão cheia, reformando móveis e estofados. Era de porte médio, forte, de cabeça redonda e careca (a perda de cabelos, diziam, era consequência do excesso de testosterona). Na capital paulista, se interessou em cobrir sua cabeça lisa com uma peruca cara e bem trabalhada. Justificava sua preferência afirmando que a peruca o embelezava e o protegia do frio.

O  Careca e a peruca (rabiscos de Beto Déda)


Com o passar dos tempos, o Careca sentiu saudades do Nordeste. Voltou. Veio montar seu negócio em Simão Dias. Ele era um artesão impecável e não lhe faltava serviço. Fabricava e restaurava com perfeição colchões de mola, sofás e poltronas. No seu trabalho diuturno não usava a peruca, para evitar o transtorno da poeira e do suor. Passou a usá-la em ocasiões especiais: casamentos, batizados e missas. E não o incomodava a curiosidade e o chiste do pessoal ao avistá-lo com seu topete novo. – Bolas! Dizia ele com um leve sorriso e, sem falha, aos domingos a peruca voltava a aparecer.

 O fato é que, naquela época, quando um jovem começava a perder o cabelo, a turma não vacilava e mandava comprar uma peruca igual a que o Careca usava na missa aos domingos.

Na atualidade, os que têm um campo de pouso de mosquitos na cabeça estão fazendo implante capilar. E os topetes postiços passaram reinar nas cabeças dos descabelados.


O Baixinho cantor

Naqueles idos, além da curiosa presença do homem da peruca, também era constante nas missas e novenas celebradas na Igreja Matriz a presença de um agricultor baixinho, de voz forte que entoava os hinos sacros, embolando o sonoro canto das religiosas Filhas de Maria. A inconfundível e forte voz do Baixinho era conhecida por todos que frequentavam as cerimonias religiosas, mas causava certo transtorno, motivo de marotos comentários.

O canto dos maravilhosos hinos sagrados era ouvido à distância, propagado pelo serviço de alto-falante que ficava na torre da Igreja e, ao fundo, se ouvia o tom de voz do Baixinho.

 Entre os jovens daquele tempo, os que desafinavam no canto eram sósias do Baixinho cantor e nas brigas entre meninos e meninas – em que os contendores apresentavam diferença de tamanho – os atiçadores aconselhavam o mais baixo a pegar uma cadeira e mandar peia, como fazia o cantor da igreja...

 

O Gê três pernas  

Também naquele tempo, um senhor idoso era muito conhecido pelos jovens de Simão Dias pelo seu tamanho e modo de caminhar. Diziam que era um superdotado, tinha o órgão genital exagerado, tipo Kid Bengala. Daí o denominarem de Gê três pernas. Ele era um velho alto, magro, cabelos ruivos, com as costas ligeiramente pendidas para frente e um caminhado característico, como se estive arrastando algo entre as pernas.

 Se não me engano o senhor Gê trabalhava em um dos ginásios da cidade e os estudantes costumavam acompanhar seus engraçados passos e o saudavam com um sonoro: “ –Olá, senhor três pernas!”  Ao que ele retrucava, meio irritado, apontando com o indicador suas partes baixas: “–É da natureza! Quer ver?”.  Ninguém queria ver e a turma se embolava de rir. Então o idoso prosseguia  sua caminhada, balançando a terceira perna com capricho...

 

Estas são lembranças de gente simples de minha terra, que vez por outra repassam em minha memória.

 

Aracaju, 22/01/2024

Beto Déda