UM CANCIONEIRO ARGENTINO EM SIMÃO
DIAS.
Nesta semana estiveram me visitando as amigas Amanda e
Vanessa que vão fazer o mestrado em história na Universidade Federal de
Sergipe. Conversamos sobre diversos temas ligados à história recente de Simão
Dias e Paripiranga, onde elas residem.
Folheei minhas coleções de jornais para esclarecer
alguns assuntos e deparei-me com fatos que, depois que elas saíram, fizeram-me
recordar do final de 1968, quando eu trabalhava no Banco do Nordeste, em minha terra natal.
Naquela época, além de bancário eu era editor e diretor do jornal “A Semana”,
fundado pelo meu saudoso pai, José de Carvalho Déda.
Lembro-me, como se fosse hoje, que em uma tarde do final daquele ano,
chegando à redação do jornal, o Luiz Santa Bárbara (que era o chefe das
oficinas e repórter esportivo) disse-me que estava ali um artista argentino que
queria falar comigo.
Então um senhor idoso apresentou-se como Antônio José, dizendo-se
artista profissional vindo de Buenos Aires. Era um cancioneiro que pretendia
se apresentar ao povo simãodiense em espetáculo a ser realizado no Cine Brasil.
Esclareceu-me que seriam apresentadas canções românticas entrelaçadas com o bom
humor de seu personagem brincalhão, denominado Chupetinha de Azucar.
Feita a
apresentação, indagou-me se seria publicada uma nota sobre seu espetáculo e,
para ilustrar o jornal, ofereceu emprestado um clichê com foto de seu show em
uma sala do Lions Clube do Brasil.
Publiquei a notícia do Cancioneiro Argentino, ilustrada
com a foto, anunciando a apresentação para o dia 30/12/1968, uma segunda-feira.
Lembro-me que perguntei ao idoso artista por que
escolhera segunda-feira, dia 30 de dezembro, para seu show. Ele respondeu que
não foi possível outra data, porquanto o proprietário do cinema não abria mão
dos dias de sexta-feira, sábado e domingo, porque eram noites sempre comprometidos com programas lucrativos de
exibição de filmes. Restou-lhe, então, a
segunda-feira.
Sem saber, ou talvez sabendo, o seresteiro menosprezou a
tradição de nossa gente, que se
resguardava em evitar compromissos para a segunda-feira, ainda mais na antevéspera
de ano novo, quando se poupava energias
para a grande festa no largo da rua da feira, virando a noite, em
comemoração ao início de 1969.
No domingo pela manhã, surpreendi o artista pregando
pequenos anúncios nas palmeiras imperiais da praça. Usava pregos adquiridos na
barraca de Geonides, filho de Anita Pichincha. Os cartazes anunciavam o
espetáculo para a segunda-feira.
Naquela época o Banco do Nordeste ficava na Rua do
Coité, na esquina com a Rua Dr. Joviniano de Carvalho, em frente ao Bar de
Valério, e na esquina ao lado ficava o prédio do Cine Brasil, de propriedade do
Seu Antônio Resende.
Na noite daquela segunda-feira, todos os bancários,
especialmente os que trabalhavam no
setor de crédito rural, fazíamos serão, para fechar o balanço anual da
agência, de modo a remetê-lo para a direção geral do banco, em Fortaleza, no
dia 31 de dezembro.
Naquele tempo não
existia computador e o trabalho era manual, com máquinas “facit”, utilizadas
para calcular os encargos bancários sobre
os milhares de financiamentos concedidos pela agência. Todos os benebeanos eram envolvidos nos
trabalhos e não se permitia ausências, nem o gozo de férias no mês de dezembro.
Pois bem. Naquela noite, no andar superior do prédio do
banco, escutávamos a voz do cancioneiro argentino sem, contudo, avaliarmos sua
performance, isto porque não ouvíamos qualquer
manifestação da plateia.
Já tarde da noite, quando deixávamos os trabalhos,
soubemos que o show tinha sido um fiásco. Fracasso de público. Apenas meia dúzia
de gatos pingados. Com a bilheteria fraca, o resultado não dera para pagar o
arrendamento do cinema. Ao perceber o insucesso, o proprietário da casa de
espetáculos não vacilou em aplicar o provérbio popular: - Farinha pouca,
meu pirão primeiro! E se apropriou da minguada renda.
Soubemos também que o cancioneiro ficara aflito diante
da impossibilidade de pagar as despesas com sua estadia no Hotel dos Viajantes.
Saímos do banco e fomos a um bar no Bonfim de Baixo,
tomar cerveja e saborear um bom tira-gosto. Lá estávamos: eu, Zé Carlos Déda, Gilberto
Duarte, Zé Aloísio, Zé Maria, Heribaldo, Edson Freire, Adelmo Fontes e João de Mané Zabé; este
último prestava serviços esparsos aos bancários.
Depois da primeira cerveja aberta, enviamos João de
Mané Zabé à procura do cancioneiro para convidá-lo a cantar, tomar uma cerveja e, ao final, receber da turma uma
pequena renda, de modo o cobrir parte da despesa com o hotel.
Pouco depois, o João retornava com a notícia de
que o velho argentino não fora
encontrado. E o porteiro do hotel informara que o artista, disfarçado em
Chupetinha de Azucar, escafedera, sem
deixar vestígios de seu destino.
O portenho pendurou
no prego a conta das despesas de quatro dias, registradas em notas que passaram a figurar
entre os alfarrábios de despesas não pagas ao hotel.
No outro dia, o insucesso do cancioneiro e seu
desaparecimento foram assuntos em primeira pauta da cidade.
Surgiram, então, várias versões sobre o acontecido. Nenhuma
confirmada.
Diziam os
fofoqueiros que, na hora do frigir dos
ovos, o hotel procurou se defender e o violão do
cancioneiro ficou empenhado, garantindo o futuro resgate do débito...
Alguns informavam que o cancioneiro fora visto lá pelas
bandas de Monte Santo, na Bahia, cantando músicas sacras em espanhol. Outros
afirmavam que ele, incorporando o personagem Chupetinha de Azucar, se
apresentava aos viajantes no navio Tupã no trajeto Propriá-Penedo, pelo Rio São
Francisco.
E à noite, na praça da matriz, nos diários encontros em
frente à Igreja Matriz, um trio de amigos inseparáveis (Fila, Dedé e Chico Bina) discutira por vários reuniões o destino do cancioneiro.
Chegaram a duvidosa conclusão da possibilidade do portenho ter largado o personagem hilário de Azucar e que estaria se apresentando com outro nome no eixo Recife/Fortaleza. Especulação sem fundamento,
rechaçada por pessoas de franco
conhecimento.
Mas a verdade é que até hoje não foi sabido o destino
do cancioneiro e o do seu violão. Mesmo consultando
conterrâneos que viveram aqueles dias, constatei que ainda não foi desfeita a
controvérsia sobre o que realmente aconteceu.
O que ficou patente, em minha terra, é que a segunda-feira não é um dia propício para show. Especialmente se for na antevéspera do Ano Novo.
O que ficou patente, em minha terra, é que a segunda-feira não é um dia propício para show. Especialmente se for na antevéspera do Ano Novo.
Certamente o Chupetinha de Azucar nunca esqueceu essa assertiva.
ARACAJU, 28/02/2018
BETO DÉDA