A ameaça de empastelamento do jornal “A SEMANA”
Narrarei
para vocês um dos fatos inesquecíveis de minha vida, ocorrido quando eu contava
com 12 anos de idade.
Foi
precisamente numa manhã de domingo, dia 06 de setembro de 1953, quando eu e meu
pai estávamos na redação do jornal “A Semana”, situado na Rua Dr. Joviniano de
Carvalho, nº 37, em Simão Dias. Ele estava datilografando um artigo sobre o
deputado Francisco Porto, a ser publicado na edição do sábado seguinte, na
seção “Seara Sergipana”, na qual usava o pseudônimo de Carlos Eugênio
(inspirado no nome de meu irmão).
Como
era domingo, as portas da redação do jornal estavam fechadas e lá estávamos
somente eu e meu pai. Ouvimos bater e meu pai mandou verificar quem era. Voltei
assustado, exclamando: “É o Pedro Cuia e
outras pessoas... parece que estão feridos”. Papai também se assustou. Foi
atendê-los pessoalmente. Lá estavam cerca de dez pessoas. Sentaram-se em volta
de sua mesa de trabalho e passaram a contar a triste desventura, mostrando,
além das escoriações nos rostos, suas costas roxas das pancadas recebidas.
Curioso, ouvi atentamente o que narraram. O fato é que na noite anterior eles tinham
sido arbitrariamente presos pela polícia local, comandada pelo Sargento
Isidoro, e levados para as margens do rio Vaza-Barris, onde foram perversa e
covardemente surrados e lá deixados. A razão disto: por andarem à noite pela
cidade, sem documentos.
Papai anotava tudo, não só para seus cuidados como advogado, como também para a reportagem de “A Semana”, que seria publicada no sábado seguinte, com sua assinatura, “para evitar que a outros fosse atribuída a redação da notícia” e recebessem injustas represálias. Deixou tudo providenciado e, na segunda-feira, viajou a Aracaju, para continuar seu trabalho como deputado na Assembleia Legislativa.
Papai anotava tudo, não só para seus cuidados como advogado, como também para a reportagem de “A Semana”, que seria publicada no sábado seguinte, com sua assinatura, “para evitar que a outros fosse atribuída a redação da notícia” e recebessem injustas represálias. Deixou tudo providenciado e, na segunda-feira, viajou a Aracaju, para continuar seu trabalho como deputado na Assembleia Legislativa.
Na terça-feira, antes do meio-dia, estávamos
na oficina do jornal, quando minha irmã Helena, pálida e aflita, chegou exclamando “- A polícia vai invadir o jornal! Vamos
embora. Já fechei as portas da frente. Gente, vamos, depressa!”. Naquela época, quando papai viajava, era
Helena quem cuidava da tipografia e do escritório. Ela recebera a notícia de
que a polícia iria invadir e empastelar o jornal, para evitarem a publicação de
reportagem sobre a agressão sofrida pelos rapazes. Quando saímos, constatamos
muitas pessoas em frente ao Cartório de tio Sininho. Soubemos, então, que
quando o Sargento Isidoro e seu destacamento se dirigiam ao jornal, percebendo
que um dos rapazes agredidos prestava depoimento, invadiram o Cartório do 2º
Ofício, destruindo peças processuais e, pela segunda vez, espancaram uma de
suas vítimas. A violência praticada ali e a presença de muita gente na rua desviaram a intenção dos arbitrários
policiais. Desistiram de invadirem o jornal. Do cartório, voltaram a se
aquartelar.
Embora
naquela ocasião o delegado civil da cidade fosse o Sr. Otávio Andrade,
sabia-se, por fontes seguras, que ele não estava envolvido nos acontecimentos e
que, “desde alguns dias, o Sargento vinha desobedecendo aquela autoridade”. Aliás,
naquele mesmo dia, o Sr. Otávio foi ao Cartório prestar solidariedade ao tio
Sininho.
O
fato teve uma grande repercussão na cidade. Algumas pessoas sugeriram invadir o
quartel para desarmar e prender os policiais, ideia que felizmente não foi
adiante pelos riscos óbvios de uma tragédia de maiores dimensões...
Na
Assembleia Legislativa, meu pai fez um longo pronunciamento, denunciando as
irregularidades policiais praticadas em nossa cidade. Seu veemente discurso
recebeu apoio do plenário, com grande repercussão em todo estado. Também fora
enviado telegrama de deputados ao
Ministro da Justiça, informando os acontecimentos. O certo é que as
providências foram tomadas imediatamente: um delegado regional foi nomeado e o
destacamento anterior foi conduzido ao quartel-geral em Aracaju.
A cidade voltou à tranquilidade na
quinta-feira, dia 10 de setembro de 1953, quando tomou posse o novo delegado
regional, Capitão Petronilo Lima, que imediatamente iniciou o inquérito contra
os policiais arbitrários.
No
sábado, 12/09/53, o jornal “A Semana” trazia as seguintes manchetes, na
primeira e quarta páginas:

“INCRÍVEIS CENAS DE GESTAPO NAS BARRANCAS DA
VAZA-BARRIS – ESPANCAMENTO DE INOFENSIVOS OPERÁRIOS – A CIDADE REVOLTADA – UM MENOR ACAMADO. PNEU! PNEU!
Por Carvalho Déda
Um
jornal do povo não pode silenciar fatos quando a cidade, de ponta a ponta, se
manifesta revoltada contra as cenas brutais da noite de sábado, cuja
responsabilidade recai positivamente no destacamento local, senão no seu
comandante, Sargento José Isidoro. Doze rapazes foram agarrados e levados numa
camioneta para as barrancas do Vaza-barris, na altura da Fazenda Riachão, onde
sofreram incríveis sevícias. Quase todos operários...(Ao lado, cópia da primeira página do jornal "A Semana").
(...)
POLICIAIS ARMADOS INVADEM O CARTÓRIO DO 2ª
OFÍCIO E RASGAM UM PROCESSO – UMA DAS VÍTIMAS ESPANCADA DENTRO DO RECINTO DO
CARTÓRIO – COMO REPERCUTIRAM OS FATOS NA CAPITAL DO ESTADO – VEEMENTE PROTESTO
DO DEPUTADO CARVALHO DÉDA NA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA - APOIO E SOLIDARIEDADE DA
ASSEMBLEIA AO POVO SIMÃNDIENSE – O TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM SESSÃO PLENA REUNIU-SE
SECRETAMENTE PARA ASSENTAR MEDIDAS EM DEFESA DO JUDICIÁRIO ULTRAJADO – “A
SEMANA” ESTEVE AMEAÇADA DE EMPASTELAMENTO -
A PRESENÇA DO CAPITÃO PETRONILO FAZ RESTABELECER A TRANQUILIDADE.
(Ao lado, cópia da 4ª página d'A SEMANA,edição de 12 de setembro de 1953)
Naquele
dia o jornal era esperado com grande ansiedade. A edição histórica esgotou logo
cedo e fiquei satisfeito porque meu serviço de jornaleiro foi rápido. E logo
depois estava eu comendo um gostoso prato de mungunzá no bar de “Seu” João
Cândido, ouvindo os comentários do pessoal sobre os desvarios dos policiais...
Aracaju, 15 de outubro de 2012
Beto Déda