domingo, 10 de janeiro de 2016

O califom, a bolsa e o bolso
No primeiro domingo deste ano levei meus netos para curtir a iluminação do Parque da Sementeira, ornamentado em comemoração ao Natal.
Foi lá que avistei aquela senhora corpulenta, de fisionomia simpática e respeitável, com cabelos curtos, tingidos com um azulado bonito.  Aparentemente ela estava com os netos. Como a maioria das pessoas ali no parque, ela também tirava fotos das crianças,  usando um celular. Fotografou à vontade e depois, para minha surpresa, puxou o decote da blusa e colocou a máquina dentro de seu califom. Amparou o celular no calor de suas volumosas mamárias.
Lembrei-me então que em minha terra era costume das matronas usarem o califom como bolso. Embora atualmente o termo “califom” seja pouco usado, nos velhos tempos era assim que se chamava a peça íntima que as mulheres usavam para sustentar os peitos. Hoje é mais conhecido como sutiã. Outro dia ousei falar o velho termo e fui repreendido. Os mais novos pensavam que era um palavrão.
Mas ao pensar no uso do califom da simpática coroa, despertou-me três lembranças inesquecíveis de bolsas e bolso (Em Simão Dias era comum usava-se também o termo algibeira para designar bolso).

A primeira delas é uma recordação antiga: a bolsinha de níqueis do Padre Madeira. Era o tempo em que os padres usavam batina preta, com discretos  bolsos. Quando avistávamos o Padre Madeira, corríamos ao seu encontro e, estendo a mão, pedíamos a sua bênção.

O bondoso pároco nos abençoava, metia a mão no bolso e tirava uma bolsinha de couro marrom, que usava como porta-níqueis, e nos presenteava com tostões. E a alegria tomava conta de nossa mente. 
A segunda lembrança foi a bolsa que o Broco da Usina usava a tiracolo. Broco era o zelador da Usina Elétrica, que ficava na Praça de São João, em prédio vizinho à Cadeia Pública. A Usina fornecia energia para a cidade e era administrada por Seu Zuzu, um conhecido técnico em mecânica.
O Broco parecia com a figura de Dom Quixote desenhado por Gustave Doré (ilustrador da obra de Miguel de Cervantes: Dom Quixote de la Mancha). Era surdo, magro, barba rala com cavanhaque, usava um pequeno e surrado chapéu de couro e uma bolsa de pele de bode a tiracolo, onde carregava miudezas, fumo, cachimbo e um canivete. Caçoávamos do enigmático zelador, mas, ao vê-lo pegar a bolsa, corríamos pensando que ele estava sacando o canivete para nos atacar.  Medo sem sentido, coisa de criança. O Broco não fazia mal a ninguém. Usava o canivete para picar o fumo do cachimbo. Ademais era surdo, não ouvia a pirraça da meninada.
A terceira lembrança é a do bolso do paletó de meu pai.
 Certo dia minha querida irmã Maura ganhou uma bonita fita larga (antigamente as meninas usavam nos cabelos bonitos laços de fita coloridas). Para guardá-la, Maura procurou um lugar que as demais irmãs não ousassem malinar. Foi então até o guarda-roupa do quarto de casal e guardou a fita no bolso de um dos paletós de papai. Acontece que no dia seguinte meu pai usou justamente o paletó que serviu de cofre para Maura.
À tarde, na sala de visitas de nossa casa, meu pai estava conversando animadamente com seu amigo, o Desembargador Gervásio Prata, quando, de repente, começou a espirrar. Incontinenti meteu a mão no bolso do paletó para pegar o lenço. Quando puxou, veio a surpresa: ao invés do lenço estava a fita larga berrante.  Aí então os dois deram boas risadas. Depois, na hora do jantar,  meu pai não perdeu a oportunidade de chamar Maura para justificar a hilariante situação.
Daquele dia em diante, a meninada da família não mais ousou guardar quinquilharias em bolso de paletó.
Aracaju, 10/01/2016

Beto Déda