sexta-feira, 22 de abril de 2016


O AMIGO GILBERTO E AS LEMBRANÇAS DE MINHA TERRA.
Há alguns dias tive a satisfação de conversar com o meu amigo Gilberto Duarte através do telefone. Gilberto é um bom mineiro que conheço desde os velhos tempos do Banco do Nordeste, quando trabalhávamos em Simão Dias. Ele é uma pessoa calma e de lhaneza no trato. Sempre tranquilo e com abordagens serenas e inteligentes.
 
Tínhamos muita coisa em comum, especialmente o hábito da boa leitura. Líamos muito e gostávamos de discutir literatura, algumas vezes saboreando uma taça de vinho “San Raphael”, que comprávamos na Padaria do Gumercindo.
Certo domingo à tarde, na Pensão de Dona Miné, tomamos um porre de vinho e passei a discursar sobre algum acontecimento local, gerando ligeiros protestos de alguns hóspedes. Um dos reclamantes era um Sargento que exercia o cargo de Delegado Regional da cidade e que dizia ser amigo de nossa turma. Naquela tarde, ele ouvia um rádio que transmitia futebol. Fez a reclamação de longe, tentando modificar a voz para que não o identificássemos. Mas foi percebido e na mesma semana o Gilberto deu o troco.
O Sargento costumava ouvir músicas sertanejas bem cedinho e o fazia com o som do rádio nas alturas. Então, o Gilberto gritou, fazendo entender que não sabia de onde vinha o som: “Dona Miné, fala para esse mouco desligar o rádio, isso não é hora!”    O Sargento ouviu, desligou o rádio e, depois, caladinho, sem tocar no assunto do meu discurso e do som do rádio, apareceu para tomar café na mesa que o Gilberto estava. E participou desconfiado das conversas matinais...
Em algumas ocasiões, quando eu ia fazer alguma cobertura para o jornal “A Semana”, o Gilberto me acompanhava e também escrevia notícias, inclusive policiais, colhendo informações do Sargento-Delegado. Escrevia muito bem.
Na conversa que tivemos recentemente, o Gilberto viu o vídeo que fiz sobre a feira de Simão Dias e lembrou-se também de um fato muito engraçado que o tio Sininho me narrara. Repasso pra vocês tal qual o fizera para o Gilberto nos velhos tempos.
Sempre à noite, depois do jantar eu ia até a casa do meu tio para conversar amenidades e aprender seus ensinamentos. Após o café, ele fica na cabeceira da mesa pitando seu cachimbo e, calmamente, comentava os acontecimentos da cidade. O meu tio não escapava ao dom humorístico e chistoso que sempre esteve presente entre os membros de nossa família. Não é demais dizer que eu ficava vidrado em seus comentários e ria das suas intervenções sobre minhas gafes e erros. Não me esqueço de muitas delas.
Em uma noite de sábado ele pediu-me que eu lesse em voz alta um artigo do jornal. O artigo versava sobre a feira. Fiz pose e comecei a ler a notícia, mas logo passei a gaguejar e titubeando li a frase “OS ‘FERREIROS’ protestaram contra...” Então ele me interrompeu e pediu que eu repetisse a frase. Reafirmei e ele ensinou:
-Que ferreiros que nada, garoto! Não notou que a palavra tem apenas um erre. Parece até que seu pensamento está voltado apenas para a foice e a enxada que Manequinha e Altamiro venderam recentemente pra seu pai. Preste atenção e lembre-se: ‘FEREIRO’ vem de feira, com apenas um ‘R’; enquanto ‘FERREIRO’ vem de ferro, com erre dobrado. Preste atenção e aprenda!
E tirava o cachimbo da boca e dava uma boa gargalhada que eu alegremente compartilhava... E aprendia!
Foto Beto Déda da antiga feira de Simão Dias.
 Naquela mesma noite ele contou-me um fato muito engraçado. Dizia ele que estava todo concho na Avenida Coronel Loiola fazendo a feira do dia de sábado. Em frente à barraca de Seu Félix, ele começou a sentir um forte desconforto provocado por excesso de gases na barriga. Discretamente, olhou para um lado e para outro e, no meio da algazarra comum, liberou os gases que o incomodavam. Dizia ele que foi um "pum" desses meio silenciosos que o popular chama de “puxa facão”: um simples “fisssuuup”. Aliviado do incômodo, ainda olhando de lado, ele ouviu o protesto do Seu Félix:
- Êta molecada sem educação, soltam esses puns fedorentos na presença de um homem com seu Sininho. Tenham respeito! Fora molecada! E batia com força no saco de feijão, tapando as narinas e enxotando os meninos.
Velhos tempos, alegres dias...
Aracaju, 21/04/2016
BETO DÉDA