segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

 

Simão Dias na poesia de Marcelo Déda.

 

Sempre estou a sonhar com meu saudoso sobrinho Marcelo Déda. Foi o que aconteceu na noite deste sábado. Então, como que impulsionado, logo pela manhã reli o seu livro Improvável Poética, despertando velhas lembranças de nossa boa terra.

Certamente por saber o quanto me alegra relembrar coisas de Simão Dias, ele me dedica um poema que fala do Cine Brasil, das brincadeiras da meninada da época e de trechos de algumas ruas da cidade. E registra como os guris tomavam como tema de seus divertimentos os personagens de filmes do velho oeste americano, no caso o General Custer, que chefiava o sétimo regimento da cavalaria americana, e foi derrotado pelos índios liderados por Touro Sentado e Cavalo Louco, na batalha de Little Bighorn.

Embora tenha escrito em janeiro de 2013, ele lembra a antiga Rua do Coité, atual Rua Getúlio Vargas, trecho que vai do prédio que era o Cine Brasil até a entrada da Rua dos Ribeiros. Ali, logo à direita, passa por uma ruela e por fim, chegava-se à Praça de São João, que na época era arborizada com frondosos tamarindeiros, oitizeiros e um grande pé de eucalipto real.


 

Mesmo que pareçam enfadonhas, as lembranças que ainda vagam em minha mente me encantam e, talvez, despertem a curiosidade de alguém; de modo especial aos que viveram na boa terra nos velhos tempos.

Então, rasteio minha memória em gratas lembranças do tempo que eu era um garoto curioso e jornaleiro, entregando o jornal “A Semana” pela velha Rua do Coité (esta rua era assim denominada porque dava acesso à cidade baiana que antigamente tinha aquele nome e hoje é Paripiranga.

Assim é que fiz um passeio mental por aquela antiga rua, no trecho mencionado no poema de Marcelo, parando calmamente em frente a cada prédio. Um passeio nostálgico que, para mim, faz reviver locais e gratas pessoas que tivemos a alegria de conhecer.

E começo pelo prédio do antigo Cine Brasil, que foi inaugurado em 1953, por Durval Conceição, o primeiro proprietário. Depois, foi vendido para Seu Antônio Borges. Como era comum naquela época, era um prédio de espetáculos, que funcionava como cinema, teatro e também era o local de eventos culturais e reuniões solenes de formaturas.  Foi ali que aconteceu a cerimônia de conclusão do meu curso primário, em 1956. Com muita alegria recebi o diploma das mãos da saudosa Professora Rita Guimarães, que foi nossa mestra do curso no Grupo Escolar Fausto Cardoso. A Prof.ª Rita era esposa de Abel Jacob, que foi prefeito do município e Deputado Estadual.

Em frente ao Cine Brasil tinha o prédio do Lactário, que prestava assistência médica às parturientes. Em seguida a casa que morava o Mestre Bonifácio e também era a sede da filarmônica Lira Santana (anos depois, a casa foi reformada e passou ser o Fórum da cidade). No prédio vizinho funcionou o Círculo Operário – local de reunião da antiga União Beneficente Operária de Simão Dias – e também onde se recepcionavam os times de futebol de outras cidades que participavam de jogos no gramado José Barreto.

No mesmo trecho, estava a sede do Serviço de Alto-falantes TUPY, que era o sucesso da época, com aparelhos de transmissão nos principais pontos da cidade, com programas transmitidos por Floriano Nascimento, Demerval Guerra e Almir Fontes. Foi um importante meio de comunicação de nossa terra.

E lembro-me bem, da casa Seu Fenelon Góes, onde a Prof.ª  Silvina Prata Góes lecionava banca escolar e que ali estudei  e muito aprendi. Lembro-me que, entre outros, eram meus colegas: Dênio, filho de Dr. Belmiro, Zequinha, filho de Seu Joãozinho da Padaria, e João Barbosa, filho de Seu Josino Barbosa.

As recordações afloram e revejo com saudade as famílias que ali residiam, e relaciono as que agora me aparecem nas minhas lembranças daquela época:

O Dr. Belmiro Silveira Góes, ilustre simãodiense que foi Juiz de Direito da Comarca e depois desembargador do Tribunal de Justiça de Sergipe. Merecidamente, o fórum do Tribunal Regional Eleitoral da cidade, em sua homenagem, tem o seu nome.

Prof.ª Matilde Dortas, foi diretora do Grupo Escolar Fausto Cardoso na época que conclui o curso primário.

Benedito Macedo Freitas, pessoa muito estimada na cidade, quer como servidor do Posto de Saúde ou como desportista e defensor da Filarmônica Lira Santana.

Dona Tude, costureira, mãe de Marlene e Manoel, pessoa alegre e inesquecível, que nas noites de lua cheia, reunia o pessoal amigo e tocava maravilhosamente seu banjo. Parece até que estou ouvindo sua inconfundível gargalhada que se propagava por toda a rua.

E sigo com as lembranças, como se estivesse entregando jornal.

Pedro Gomes, que tinha um automóvel de aluguel; Antônio Borges,  dono cinema; Domingos Santos, empresário e genro de Seu Janjão; as irmãs Altas, que eram costureiras; Gênis Gomes, chefe do posto de Fomento Agrícola;  Juca Baeta, que tinha uma fábrica de calçados com o nome da filha Elenalda;  Antônio Gomes, funcionário do fisco estadual; Cícero Guerra, comerciante dono da Loja Três Américas; tio Paulo Déda,  dos calçados Sidon, de quem tenho gratas, saudosas e hilárias histórias penosas; Antônio Mascarenhas, do Cartório, Messias Fonseca, aposentado dos Correios; as irmãs Rosália e Néia, que apresentavam bonitos presépios no mês de dezembro  e faziam excelente licor de jenipapo; as irmãs de Marcos Ferreira. E finalizando o trecho, as casas cujos oitões davam acesso à Rua do Ribeiro: João Cândido, que fazia um bom mungunzá, arroz doce e mingau de puba, concorrendo no mesmo comércio de Dona Bigio;  João Coruja, o funileiro; João Broco, com sua bodega que me vendia as antigas lousas e lápis de pedra para escritas; e  Seu Lourival, parente de Seu Pierre e que tinha sítio de cocos na Barra dos Coqueiros.

E seguindo o roteiro da poesia, saímos da Rua do Coité e entramos na pequena travessa em que ficava o oitão do bangalô em frente à casa de Seu Pierre, que no quintal tinha um pé de acácias que botava cachos de flores anunciando a época das festas de fim de ano.

E por fim, a graciosa Praça de São João, com muitos tamarindeiros, oitizeiros e um grande eucalipto, que ficava quase em frente às residências de Zefinha de Zeca de Quincas e de dona Maria de Pedro Costa, que fazia deliciosos bolos.

São lembranças despertadas pelo sonho que tive sábado e a leitura da poesia de Marcelo, que conviveu comigo em Simão Dias em outros tempos (ele nasceu em 1960), mas sabia do meu gosto pelos fatos antigos que repetidas vezes narrava para ele.

No último poema do livro, com o título Tersites, acredito que Marcelo fez uma despedida de nossa terra, de nosso Sergipe, quando diz:

“Deixei os meus sertões

e vim.

Deixei-os? Não!

Carrego-os em mim:

a sua infinita aridez

seus desvarios de luz

sua espinhosa essência

sua deferência sutil

sua obediência astuta

suas feras ocultas

suas pedras impunes

que ferem as patas dos cavalos

e mordem a carne dos homens.”

...

 Tempo bom de lembrar.  Por isso, mais uma vez, resta-me fazer uma prece de agradecimento ao querido e inesquecível sobrinho.

Aracaju, 07/02/2021

Beto Déda