Simão
Dias na poesia de Marcelo Déda.
Sempre estou a sonhar
com meu saudoso sobrinho Marcelo Déda. Foi o que aconteceu na noite deste
sábado. Então, como que impulsionado, logo pela manhã reli o seu livro Improvável
Poética, despertando velhas lembranças de nossa boa terra.
Embora tenha escrito em janeiro de 2013, ele lembra a antiga Rua do Coité, atual Rua Getúlio Vargas, trecho que vai do prédio que era o Cine Brasil até a entrada da Rua dos Ribeiros. Ali, logo à direita, passa por uma ruela e por fim, chegava-se à Praça de São João, que na época era arborizada com frondosos tamarindeiros, oitizeiros e um grande pé de eucalipto real.
Mesmo que pareçam
enfadonhas, as lembranças que ainda vagam em minha mente me encantam e, talvez,
despertem a curiosidade de alguém; de modo especial aos que viveram na boa
terra nos velhos tempos.
Então, rasteio minha
memória em gratas lembranças do tempo que eu era um garoto curioso e jornaleiro,
entregando o jornal “A Semana” pela velha Rua do Coité (esta rua era assim
denominada porque dava acesso à cidade baiana que antigamente tinha aquele nome
e hoje é Paripiranga.
Assim é que fiz um
passeio mental por aquela antiga rua, no trecho mencionado no poema de Marcelo,
parando calmamente em frente a cada prédio. Um passeio nostálgico que, para
mim, faz reviver locais e gratas pessoas que tivemos a alegria de conhecer.
Em frente ao Cine
Brasil tinha o prédio do Lactário, que prestava assistência médica às
parturientes. Em seguida a casa que morava o Mestre Bonifácio e também era a
sede da filarmônica Lira Santana (anos depois, a casa foi reformada e passou
ser o Fórum da cidade). No prédio vizinho funcionou o Círculo Operário – local
de reunião da antiga União Beneficente Operária de Simão Dias – e também onde
se recepcionavam os times de futebol de outras cidades que participavam de
jogos no gramado José Barreto.
No mesmo trecho, estava
a sede do Serviço de Alto-falantes TUPY, que era o sucesso da época, com
aparelhos de transmissão nos principais pontos da cidade, com programas
transmitidos por Floriano Nascimento, Demerval Guerra e Almir Fontes. Foi um
importante meio de comunicação de nossa terra.
E lembro-me bem, da
casa Seu Fenelon Góes, onde a Prof.ª
Silvina Prata Góes lecionava banca escolar e que ali estudei e muito aprendi. Lembro-me que, entre outros,
eram meus colegas: Dênio, filho de Dr. Belmiro, Zequinha, filho de Seu
Joãozinho da Padaria, e João Barbosa, filho de Seu Josino Barbosa.
As recordações afloram
e revejo com saudade as famílias que ali residiam, e relaciono as que agora me aparecem
nas minhas lembranças daquela época:
O Dr. Belmiro Silveira
Góes, ilustre simãodiense que foi Juiz de Direito da Comarca e depois
desembargador do Tribunal de Justiça de Sergipe. Merecidamente, o fórum do
Tribunal Regional Eleitoral da cidade, em sua homenagem, tem o seu nome.
Prof.ª Matilde Dortas,
foi diretora do Grupo Escolar Fausto Cardoso na época que conclui o curso
primário.
Benedito Macedo Freitas,
pessoa muito estimada na cidade, quer como servidor do Posto de Saúde ou como desportista
e defensor da Filarmônica Lira Santana.
Dona Tude, costureira,
mãe de Marlene e Manoel, pessoa alegre e inesquecível, que nas noites de lua
cheia, reunia o pessoal amigo e tocava maravilhosamente seu banjo. Parece até
que estou ouvindo sua inconfundível gargalhada que se propagava por toda a rua.
E sigo com as
lembranças, como se estivesse entregando jornal.
Pedro Gomes, que tinha
um automóvel de aluguel; Antônio Borges,
dono cinema; Domingos Santos, empresário e genro de Seu Janjão; as irmãs
Altas, que eram costureiras; Gênis Gomes, chefe do posto de Fomento Agrícola; Juca Baeta, que tinha uma fábrica de calçados
com o nome da filha Elenalda; Antônio
Gomes, funcionário do fisco estadual; Cícero Guerra, comerciante dono da Loja
Três Américas; tio Paulo Déda, dos
calçados Sidon, de quem tenho gratas, saudosas e hilárias histórias penosas; Antônio
Mascarenhas, do Cartório, Messias Fonseca, aposentado dos Correios; as irmãs Rosália
e Néia, que apresentavam bonitos presépios no mês de dezembro e faziam excelente licor de jenipapo; as irmãs
de Marcos Ferreira. E finalizando o trecho, as casas cujos oitões davam acesso
à Rua do Ribeiro: João Cândido, que fazia um bom mungunzá, arroz doce e mingau
de puba, concorrendo no mesmo comércio de Dona Bigio; João Coruja, o funileiro; João Broco, com sua
bodega que me vendia as antigas lousas e lápis de pedra para escritas; e Seu Lourival, parente de Seu Pierre e que
tinha sítio de cocos na Barra dos Coqueiros.
E seguindo o roteiro da
poesia, saímos da Rua do Coité e entramos na pequena travessa em que ficava o oitão
do bangalô em frente à casa de Seu Pierre, que no quintal tinha um pé de acácias
que botava cachos de flores anunciando a época das festas de fim de ano.
E por fim, a graciosa
Praça de São João, com muitos tamarindeiros, oitizeiros e um grande eucalipto,
que ficava quase em frente às residências de Zefinha de Zeca de Quincas e de
dona Maria de Pedro Costa, que fazia deliciosos bolos.
São lembranças
despertadas pelo sonho que tive sábado e a leitura da poesia de Marcelo, que
conviveu comigo em Simão Dias em outros tempos (ele nasceu em 1960), mas sabia
do meu gosto pelos fatos antigos que repetidas vezes narrava para ele.
No último poema do
livro, com o título Tersites, acredito que Marcelo fez uma despedida de nossa
terra, de nosso Sergipe, quando diz:
“Deixei
os meus sertões
e
vim.
Deixei-os?
Não!
Carrego-os
em mim:
a
sua infinita aridez
seus
desvarios de luz
sua
espinhosa essência
sua
deferência sutil
sua
obediência astuta
suas
feras ocultas
suas
pedras impunes
que
ferem as patas dos cavalos
e
mordem a carne dos homens.”
...
Tempo bom de lembrar. Por isso, mais uma vez, resta-me fazer uma
prece de agradecimento ao querido e inesquecível sobrinho.
Aracaju, 07/02/2021
Beto Déda