O uniforme de bancário e o incrível problema do uso de meias.
Em recente conversa com meu colega aposentado José
Amâncio Neto, fui estimulado a escrever sobre as lembranças do tempo que
trabalhei no Banco do Nordeste. Os causos são muitos, no entanto, ele e os
amigos José Raimundo Araújo e Juarez Morais Chaves têm melhores condições para
descrevê-los. Conheço-os bem e sei que lhes sobejam talento e conhecimento de
nosso idioma e que eles já escrevem interessantes histórias dos velhos tempos.
Mesmo assim, aqui estão alguns fatos que transmito
também para conhecimento de meus queridos netos, especialmente do pequenino
Miguel, que não gosta de usar meias.
Comecei a trabalhar no BNB em 1965. Antes disso eu
trabalhara como redator da Secretaria de Imprensa do Estado de Sergipe e como
Oficial de Gabinete do Governador Celso Carvalho. Exonerado de meus trabalhos
junto ao Governo do Estado, tomei posse na agência do BNB em Simão Dias, em
18.05.1965. Naquela época o gerente era o Luciano Cardoso, que além de bancário
era um grande desportista. Estimulou o futebol de nossa terra e foi o principal
articulador da construção de um campo de futebol que foi batizado com seu nome.
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Minha nomeação como funcionário do BNB. |
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A gozação da folha de presença |
No dia da minha posse fui acolhido pelos saudosos
colegas José Carlos Macedo Déda e José Augusto Montalvão que me pregaram uma
peça, uma espécie de trote para o bancário calouro: fizeram-me assinar em uma
folha suplementar de presença do “Setor Avacalhado”. Ainda hoje guardo
como lembrança a dita folha de presença assinada por mim e que também recebeu
as assinaturas dos inesquecíveis colegas (Foto ao lado).
Naquele tempo, o banco era exigente na forma de
vestir de seus funcionários: era obrigatório usar sapatos com meias, calça
social, com cinturão, camisas de mangas três/quarto e gravata. Nos primeiros
dias de trabalho, cedinho, lá estava eu sentado à mesa de minha casa, tomando
café, quando meu pai, olhando-me cuidadosamente, indagou por que eu estava sem
a gravata. Respondi que não estava esquecido e que faria uso dela no Banco,
assim que ali chegasse. Meu pai balançou a cabeça, discordando de minha resposta,
dizendo que se eu resolvera ser bancário teria de atender todas as formalidades
exigidas pelo banco e me orgulhar disso. Assim, deveria sair de casa usando o
traje de trabalho, de modo a evitar um possível esquecimento. Daquele dia em
diante, até a minha aposentadoria, segui o conselho do meu pai.
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Funcionários da Agência do BNB em Simão Dias nos anos sessenta |
O caso de uso de meias
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Colegas do Setor Rural do BNB nos anos setenta (eu com um grande bigode estou sentado à direita) |
Pois bem. Como era de se esperar, confirmado que um
funcionário do meu setor estava sem usar meias, o gerente me chamou e
determinou que eu exigisse o uso do uniforme completo, de modo a evitar o
“corte de seu ponto”, ou seja, considerá-lo como faltoso ao serviço. Como já
sabia do problema de saúde do colega, expliquei que se tratava de um benebeano
excelente e produtivo, que estava com problema nos pés e que sua ausência
traria prejuízos ao atendimento da clientela (era grande a quantidade de
agricultores na agência naquele momento). E percebendo de que nada valeram
minhas explicações, só me restou encarar o problema aplicando minha fórmula de
resolver absurdos: neguei-me a acatar a decisão dizendo claramente:
"-Nem que a vaca tussa eu farei isso!”.
As faíscas daquela discussão escaparam da gerência e muitos ouviram o bafafá... A verdade é que depois desse entrevero deixou-se de inspecionar os pés dos funcionários daquela agência. E dei de ombros ao saber que o implicante iria comunicar à Direção Geral a falta de meias do colega e a minha decisão.
"-Nem que a vaca tussa eu farei isso!”.
As faíscas daquela discussão escaparam da gerência e muitos ouviram o bafafá... A verdade é que depois desse entrevero deixou-se de inspecionar os pés dos funcionários daquela agência. E dei de ombros ao saber que o implicante iria comunicar à Direção Geral a falta de meias do colega e a minha decisão.
Passados alguns dias, estava eu substituindo o dito
gerente quando tomei conhecimento de uma correspondência da Sede em resposta à
informação dele sobre o assunto. Era um memorando escrito pelo próprio Chefe de
Departamento de Pessoal (DEPES), cuja fonte da máquina de datilografia tinha a
forma de manuscrito, que era sua marca registrada, conhecida em todo o banco
naquela época. O memorando, curto e conclusivo, trazia apenas uma indagação
esclarecedora, redigida mais ou menos nos seguintes termos:
“Será que essa gerência não tem assuntos mais importantes para tratar do
que o uso de meias por seus funcionários?”.
Com o devido respeito à indagação do DEPES, mostrei
o memorando aos demais colegas da Agência, inclusive, quando de seu retorno, ao
titular responsável por aquela resposta. A reação dele? Nem queira saber. A
minha, era de pura gozação...
Depois
daquele incidente, nunca mais soube de exigência de uso de cinto ou de meia no
ambiente de trabalho. Somente lá pelos anos oitenta é que o banco liberou o uso
da gravata, que passou a ser exigida apenas para os administradores nas
capitais, em ambientes com ar condicionado. Para mim, independentemente da
exigência, seguindo a orientação de meu pai, continuei usando paletó e gravata
até o dia de minha aposentadoria...
Beto Déda