O
HOMEM DA LEI E O INESPERADO CONVITE.
Em cidades do interior
é comum acontecerem casos surpreendentes e alguns deles se tornarem famosos e inesquecíveis
pela pitada de humor acrescentada na interpretação popular.
Foi justamente pensando
nesses casos que minha memória se fixou em um fato curioso que foi sobejamente comentado em minha terra.

– Esse cara retornou de São Paulo.
Pois bem. Em nossa
terra existiam pontos comuns de jogatina, conhecidos como cafuas. Naquela época
tais casas de jogos (camufladas) se tornaram comuns em todas as cidades, embora
se divulgasse que aquela contravenção penal era “combatida” (entre aspas mesmo)
pela polícia. Um desses pontos era conhecido como “Cafua do Moreno”, situado na
Rua da Canafístula. Quem comandava a jogatina era o Moreno, um senhor magro, alto, de costeletas finas e rala
barba, conhecido por sua postura de incentivador do jogo de azar. Frequentava
essa cafua, além dos profissionais, o pessoal que gostava de arriscar o dinheirinho ganho com sacrifício
e muito suor, inclusive alguns que retornavam da capital paulista.
Acontece que, naquele
período, o aplicador da lei em nossa cidade resolveu tomar as rédeas da ação
policial. Ai então, ele fazia e acontecia, afastando-se das lides forenses, deixando de prolatar sentenças, sem dar ouvidos aos “tales que vereis” dos normativos de conduta da magistratura. Em um sábado, dia de feira na cidade, arvorou-se em delegado
de polícia, convocou os soldados para resguardar suas investidas e seguiu à
frente do pelotão, realizando inesperadas batidas em combate ao jogo de azar.
Assim é que, de surpresa, ele
adentrou na cafua da Rua da Canafístula. Foi recebido alegremente pelo
Moreno que, pensando se tratar de novo jogador, convidou-o a participar da jogatina:
–
Chega mano, que a maloca do carteado está em alta, são muitos os contendores e
a vantagem nos “vinte-e-um” é convidativa. Sente-se aqui e participe pra ganhar...
A autoridade não vacilou. Ordenou que os
meganhas entrassem para comprovarem a contravenção penal. Foi um bafafá.
Passado o susto, depois
de lavrado o flagrante, chegou o advogado do carteador que, sem demora, fez-lhe uma observação e indagou:
–
Como é que você, um homem escolado, com tão vasta experiência no ramo, não reconheceu o
representante maior da lei em nossa cidade?
Levantando o pescoço
fino e cofiando a rala barba, o Moreno respondeu risonho, entre baforadas tiradas
de um amassado charuto:
- O
peste apareceu com aquele terno azul-marinho, gravata e chapeuzinho de aba
estreita, com peninha de pavão, e óculos escuros... Pareceu-me um retirante jogador,
desses que voltam de São Paulo.
Riram à vontade, com
absoluta razão: aquele era o traje quase imutável usado pela autoridade que
representava o poder judiciário em nossa terra.
Aracaju, 05/09/2016.
BETO DÉDA