segunda-feira, 5 de setembro de 2016

         O HOMEM DA LEI E O INESPERADO CONVITE.

Em cidades do interior é comum acontecerem casos surpreendentes e alguns deles se tornarem famosos e inesquecíveis pela pitada de humor acrescentada na interpretação popular.

Foi justamente pensando nesses casos que minha memória se fixou em um fato curioso que foi sobejamente comentado  em minha terra.

Nos velhos tempos era fácil reconhecer os conterrâneos do interior que trabalhavam em São Paulo e voltavam ao torrão natal para uma visita aos familiares ou mesmo cuidarem de negócios por aqui. A identificação era facilitada pelos trajes comuns dos que regressavam. Geralmente apareciam na feira usando um terno escuro, camisa branca, gravata multicolorida, e um chapéu de abas reduzidas, adornado com uma peninha de pavão. Era só olhar para o moço e dizer, sem medo de errar:

Esse cara retornou de São Paulo.

Pois bem. Em nossa terra existiam pontos comuns de jogatina, conhecidos como cafuas. Naquela época tais casas de jogos (camufladas) se tornaram comuns em todas as cidades, embora se divulgasse que aquela contravenção penal era “combatida” (entre aspas mesmo) pela polícia. Um desses pontos era conhecido como “Cafua do Moreno”, situado na Rua da Canafístula. Quem comandava a jogatina era o Moreno, um senhor magro, alto, de costeletas finas e rala barba, conhecido por sua postura de incentivador do jogo de azar. Frequentava essa cafua, além dos profissionais,  o pessoal que gostava de arriscar o dinheirinho ganho com sacrifício e muito suor, inclusive alguns que retornavam da capital paulista.

Acontece que, naquele período, o aplicador da lei em nossa cidade resolveu tomar as rédeas da ação policial. Ai então, ele fazia e acontecia, afastando-se das lides forenses, deixando de prolatar sentenças, sem dar ouvidos aos tales que vereis” dos normativos de conduta da magistratura. Em um sábado, dia de feira na cidade, arvorou-se em delegado de polícia, convocou os soldados para resguardar suas investidas e seguiu à frente do pelotão, realizando inesperadas batidas em combate ao jogo de azar.

Assim é que, de surpresa,  ele adentrou na cafua da Rua da Canafístula. Foi recebido alegremente pelo Moreno que, pensando se tratar de  novo jogador, convidou-o a participar da jogatina:

– Chega mano, que a maloca do carteado está em alta, são muitos os contendores e a vantagem nos “vinte-e-um” é convidativa.  Sente-se aqui e participe  pra ganhar...

A autoridade não vacilou. Ordenou que os meganhas entrassem para comprovarem a contravenção penal. Foi um bafafá.

Passado o susto, depois de lavrado o flagrante, chegou o advogado do carteador que, sem demora, fez-lhe uma observação e indagou:

– Como é que você, um homem escolado, com tão vasta experiência no ramo, não reconheceu o representante maior da lei em nossa cidade?

Levantando o pescoço fino e cofiando a rala barba, o Moreno respondeu risonho, entre baforadas tiradas de um amassado charuto:

 - O peste apareceu com aquele terno azul-marinho, gravata e chapeuzinho de aba estreita, com peninha de pavão, e óculos escuros... Pareceu-me um retirante jogador, desses que voltam de São Paulo.

Riram à vontade, com absoluta razão: aquele era o traje quase imutável usado pela autoridade que representava o poder judiciário em nossa terra.

Aracaju, 05/09/2016.


BETO DÉDA