quarta-feira, 18 de julho de 2018


Tourada no Matadouro de Simão Dias.
(Dedicado ao amigo Antônio de Manequinha)

Na tarde deste domingo, de minha oficina no Lago Dourado, admirei a beleza do resplandecer do sol ao ver serenar uma chuva fina que encharcou as folhas das plantações. Lembrei-me de meu pai e de uma tourada que aconteceu no matadouro municipal de minha terra.

Não sei precisar o ano desta minha lembrança. O que tenho certeza é que eu era muito novo, com idade de 8 e 10 anos, e que o fato aconteceu em uma tarde de  domingo,  depois de uma ligeira chuva, como os raios de sol refletindo nos pingos retidos nas folhas dos tamarindeiros da Praça de São João.

Parece até que estou a ouvir a voz de meu pai chamando-me para ir ver uma tourada no Matadouro da cidade. Fiquei deslumbrado com o convite e saímos pelo portão de fundos da casa em direção a Rua do Curral.

Nossa casa ficava na Rua dos Ribeiros. Era comprida, com quintal na parte dos fundos que fazia limite com a Praça de São João. Ali meu pai tinha construído um depósito e um portão de madeira – que era fechado com uma tramela e reforçado com um caibro atravessado  no meio, seguro por alças de ferro – que permitia o acesso à praça.

A Praça de São João ou Parque de São João era o meu ponto de brincadeiras com os meninos que moravam nas proximidades. Por lá passava todo gado para  abate  no matadouro municipal, que ficava perto, no final da Rua do Curral, em cuja entrada avistava-se o oitão da casa de Seu Zé Neves. 
A entrada da Rua do Curral e (à direita) a casa que era do Seu Zé Neves (Foto recente de Google Maps)

Naquele domingo o matadouro mostrava-se limpo, gradearam a areia úmida do curral e, em redor da entrada, pequenos comerciantes improvisaram barracas para venda de guloseimas. Em uma delas vendiam torresmos, pipocas e rapaduras.  Lembro-me bem que meu pai passou-me um pacote de pipocas e um tijolo de rapadura. Delícias para os guris simãodienses.

Final da Rua dol Curral - Local do antigo Matadouro (Foto recente do Google Maps)
O curral principal fora improvisado para tourada. O pessoal – magarefes, comerciantes de gado e alguns moradores da redondeza – ficava apoiado em cima das travessas de madeira. Eu também subi nas travessas e fiquei junto ao meu pai, que me dava segurança e reforçava meu equilíbrio. 


Em uma parte do curral, lembro-me bem, tinha um pano colorido, no formato de bandeira, colocado ali pelo homem com trajes surrados de toureiro. Até hoje não sei se aquela flâmula representava o México, a Espanha ou um país sul-americano.

Começou a exibição com a entrada de quatro bois grandes e enfezados. Deixaram apenas o que parecia mais bravo e os outros foram retirados da arena improvisada.

Durante o espetáculo ecoavam gritos e aplausos. Mas a surpresa é que o pessoal aplaudia o enfezado touro. A torcida era contra o  toureiro. 

Debalde foram os gritos pró touro. O moço – que falava com sotaque – tinha o corpo ágil e sabia se desviar dos chifres afiados. Com seu pano vermelho fez o touro babar de cansaço e, aí então, levantava os braços, empinava o peito, tirava o gorro sujo de lama e pedia aplauso. E foi atendido e reconhecido como bom toureador pelo pequeno público sentado nas travessas de madeira do curral.

O touro não foi sangrado. Estava enfezado e, se abatido, a carne ficaria escura. Então deixaram para abater junto com o gado destinado ao preparo da carne de sol, que Seu Val (gerente de salgamento no matadouro) transportava em seu caminhão, às sextas-feiras, para vender nos mercados de Aracaju. 

Durante vários dias a empolgante tourada foi motivo de histórias pela meninada da Praça de São João.

E brincávamos, imitando o toureiro e exclamando "Olé, tourôôôôô!”.

Ainda hoje, quando ouço o Passo Doble e a marchinha de carnaval sobre toureiro, lembro-me da tourada que aconteceu no matadouro de Simão Dias.

E lembrar coisas alegres não faz mal a ninguém...


Aracaju, 18/07/2018.

BETO DÉDA