domingo, 22 de outubro de 2017

A moça bonita vestida de cigana.

Uma das coisas que gosto é ouvir música. Em minha oficina de armengues, no Lago Dourado, me divirto fazendo artesanato e ouvindo cópias de canções antigas que me foram presenteadas por meu querido cunhado Haroldo (aqui pra nós, uma revelação chistosa: ele adora dizer que já está velho e exagerar na demonstração dos efeitos  do abatimento resultante da idade).

Pois bem. Recentemente, ouvindo velhas canções que foram marcantes em minha mocidade, uma delas despertou em minha memória um acontecimento inesquecível, envolvendo uma garota que fingia ser cigana e trajava a indumentária típica das que se dizem capaz de ver o futuro.

Nos anos cinquenta, a feira de Simão Dias tinha tudo que um jovem como eu admirava: frutas regionais, doces, refrescos, bois de barro, pássaros, rumbeiras, repentistas e camelôs que vendiam garrafadas e unguentos de óleo do peixe elétrico.

Também por lá se apresentavam, em pequenas barracas circundadas por lonas, fenômenos como o bezerro de duas cabeças e magias com jogos de espelhos em que uma mulher se transformava em besta-fera (diziam que era uma moça que bateu na mãe e se transformou no monstro do “Pracatu”, ou melhor, do Paracatu, que é um povoado do nosso município).

Mas vamos deixar de divagação e passemos ao ponto chave de nossa lembrança.

Em uma determinada noite de natal, apareceu no largo da feira uma apresentação mambembe em que um tocador de violão dedilhava a música “Zíngara” enquanto uma garota – bonita,  morena  e usando os trajes de cigana – dançava o flamenco.

Depois da apresentação, a mocinha se dirigia às pessoas para ler o futuro. Graciosa, com os olhos ligeiramente estrábicos, ela não deixava de me olhar. E eu, talvez hipnotizado, não perdia um lance de sua beleza. Então ela se aproximou e, usando o sotaque característico, iniciou sua conversa chamando-me de gajão. Não deixei ela concluir a mensagem. Encantado, recitei parte do poema "Zíngara", de Olegário Mariano:

     “Vem, ó cigana bonita
       Ver o meu destino
       Que mistérios têm.

       Tu com os olhos
       De quem ver no acaso
       O amor da gente
       Põe em minhas mãos
       O teu olhar ardente...

Ela atendeu sorridente. Fomos até um discreto beco e amparado no portal da loja de Seu Josino Barbosa, ao lado do prédio do antigo mercado, ela afagou minhas mãos e eu as dela. Tentou ler meu futuro e, para isto, deu tudo o que podia e lhe sobrava... 
No esforço para me agradar, sussurrou carinhosamente a previsão de meu futuro, dizendo que seria muito rico, preenchido por valores materiais significativos, muito valorizados por ela, sem contudo me impressionarem.

Mas – como era uma cigana de fantasia – seus presságios jamais se concretizaram: nunca fui comerciante, nem farmacêutico ou médico. E o pior, tenho uma dificuldade enorme em saber o nome de medicamentos, inclusive os seis que atualmente uso para controlar meu rebelde coração. 


Aquele devaneio não passou de uma noite de natal. Mas se tornou indelével em minha memória. O carinho daquele momento está gravado como a centelha de uma pérola que guardo no tesouro do meu acelerado coração.  E se torna redivivo quando ouço a canção “Zíngara”, da parceria de Olegário Mariano e Joubert Carvalho, interpretada por Gastão Formenti, um sucesso musical nos velhos tempos em Simão Dias.

São idílicas recordações que repasso para os amigos e aproveito o ensejo para postar o videoclipe que fiz com a artista baiana Rosa Luxemburgo, que em visita ao Lago Dourado se empolgou com nosso projeto e resolveu participar. 









Aracaju, 21/10/2017

BETO DÉDA