terça-feira, 15 de setembro de 2015


Lembranças do tempo do BNB e dos irmãos autistas de Lagarto.
 
Nos anos sessenta, a Agência do BNB em Simão Dias era uma das maiores em Crédito Rural do Nordeste. Seu zoneamento alcançava vários municípios de Sergipe e Bahia.
O número de clientes era tal que antes mesmo de iniciar o expediente a porta do Banco era tomada pela clientela, não obstante se ter uma rigorosa e programada agenda de atendimento.
A razão do grande número de interessados eram os baixos encargos dos financiamentos. O Banco financiava a atividade rural com juros 7% ao ano, e nem se falava em correção monetária. Tais financiamentos eram formalizados por contratos de mútuos, com um montão de cláusulas, alguns com pacto adjeto de hipoteca.  A única exceção era o empréstimo para aquisição de bovinos para engorda, realizado com base em uma Resolução nº 64, do Banco Central, e formalizado através de Nota Promissória, com juros de 12% ao ano. Somente após 1967, com o Decreto Lei 167, é que surgiram as Cédulas de Crédito Rural, nas quais se datilografavam as mesmas cláusulas dos contratos e não se admitiam rasuras.  
Máquina de calcular FACIT
Para atendimento de tantos clientes, a agência necessitava um número alto de funcionários. A razão disto é que naquela época todos os documentos e cálculos bancários eram realizados manualmente. Os registros dos cálculos de juros e movimentação dos empréstimos eram feitos em fichas com lápis grafite, conferidos, e depois datilografados e submetidos a nova conferência. De ver-se que tudo era realizado com auxílio apenas das máquinas de datilografia e das calculadoras Facit (máquinas com manivelas que, impulsionadas com o movimento dos dedos, realizavam operações de multiplicar e dividir).
 
Daí a razão pela qual nos concursos para bancários se exigia um razoável conhecimento de cálculos (porcentagem, juros e regra de três), redação, datilografia e contabilidade.
Nos dias de hoje os bancos contam com modernos computadores e dispensam parte da mão de obra. Com os caixas eletrônicos e a movimentação via internet, raramente temos contatos com o reduzido número de bancários.
 
Mas deixemos esta parte pra lá e vamos reavivar a memória com os causos que nos interessam.
 
Pessoal da Agência do BNB nos anos 60
Nos anos sessenta a Agência do BNB em Simão Dias contava com mais de trinta funcionários. O número de colegas era suficiente para realizarmos um campeonato interno de futebol de salão, patrocinado pelo BNB-Clube. O meu time era o Anápolis Futebol Clube (nome que eu sugeri), o grande campeão e que foi notícia no jornal “Comunicado ao Funcionalismo”, editado pela Assessoria de Relações Pública da direção geral do BNB em Fortaleza.
Anápolis Futebol Clube - Equipe campeã do Torneio BNB de Futebol de Salão
Em pé: Adelmo, Juraci e o cunhado de Dagoberto. Agachados: Dagoberto, Edson Caetano e Beto Déda(o artilheiro).

Naquele tempo, andavam pela cidade dois rapazes excepcionais de origem lagartense. Eram irmãos, ambos autistas. Não me recordo o nome deles, mas eram conhecidos como os andarilhos calculistas de Lagarto. Vagueavam por este Brasil afora, endurecendo o couro dos pés. Baixinhos, brancos, com cabelos desalinhados, usando chapéus de palha e calças com as pernas ligeiramente arregaçadas sem cobrir os pés descalços. Um tinha um olhar fixo e vago; o outro, com estrabismo, desviava os olhos para tudo em sua volta, demonstrando uma curiosidade incontrolável.  Um era calado; o outro conversava, era portador da síndrome do sábio ou savantismo (um distúrbio psíquico, com grande habilidade para cálculos matemáticos, instantâneos e com precisão).

Pois bem. Quando eles chegavam à Agência do BNB todos se reuniam para testar as habilidades do excepcional. Em um piscar de olhos, bastando saber a data do aniversário, ele dizia com exatidão o dia da semana em que a pessoa nascera. Com uma memória fantástica ele realizava os cálculos de multiplicar e dividir com uma rapidez impressionante, ganhando de longe para a Facit, que era operada pelo colega Mário Jorge, o mais rápido nos cálculos com referida máquina.

Posteriormente, a Agência recebeu a “moderníssima” máquina elétrica Divisumma GT24, que realizava rapidamente as operações de dividir e multiplicar. Aí, então, aguardamos com interesse o aparecimento dos simpáticos irmãos andarilhos, para se testar a rapidez e a precisão do moço calculista

Calculadora Divisumma GT24
 
 Quando surgiu a oportunidade, registramos em um papel os números com vários dígitos para a realização de operações de multiplicar e dividir. Ao tempo que digitávamos os números para a máquina, informávamos ao autista prodígio. Instantaneamente ele nos dava a resposta, que anotávamos em um papel, enquanto a Divisumma barulhenta agitava o mecanismo para, segundos depois, mostrar o resultado (com atraso, mas igualzinho ao já fornecido pelo excepcional). Ficávamos pasmos. Embora sofresse deficiências psíquicas, o rapaz de Lagarto era imbatível na rapidez e na precisão ao realizar cálculos matemáticos.

Daquela época a esta parte, nunca mais tive notícia dos andarilhos de Lagarto. Possivelmente, se vivo estiver, o autista sábio ainda realize os cálculos com precisão e maior rapidez que os modernos computadores.                                            

Por onde andarão os amigos irmãos autistas dos velhos tempos?





Aracaju, 15/09/2015

Beto Déda