Atropelado pela palavra francesa "mademoiselle".
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Notícia de aniversários na página 2 do jornal "A Luta". |
Revendo meus arquivos para
remeter cópias de documentos para minhas conterrâneas Amanda Santos e Franciele Alves, deparei-me
com uma edição antiga do jornal “A Luta”, dirigido por Emílio Rocha e editado em
Simão Dias nas primeiras décadas do século passado. Na edição de 02 de março de
1919 do referido jornal, encontrei a notícia do aniversário de minha tia
Esterzinha, irmã de minha mãe. Ao escrever a nota, o redator usou a palavra
francesa “mademoiselle”, de uso frequente naquela época e que
tinha o significado de moça delicada, respeitada e de boa educação. Dizia a
nota que naquela data estava aniversariando a “mademoiselle Esther
Amélia de Oliveira, filha da sra. d. Amélia de Oliveira”.


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Minha sala de aulas no Ginásio Jackson nde Figueiredo. A seta iundica onde estou. |
Pois bem. Em determinado dia, seguimos para estudar (fazer banca) em uma sala próxima à Diretoria. Lá
chegando, o bedel que tomava conta da turma começou a fazer a chamada para
controle de presença. Olhei ao lado e comentei com um colega que
responderia a chamada usando a língua francesa. Dito e feito. Quando foi mencionado
meu nome, respondi ao inspetor da classe, em alto e bom som:
- Je suis ici, MADEMOISELLE!
Então ecoou na sala uma
estrondosa risada. O bedel, com o rosto rubro e a testa brilhosa, irritou-se,
mandou a turma fazer silêncio e determinou que o acompanhasse até a Diretoria.
Lá, diante da Profª Judite Oliveira, ele não poupou adjetivos
para condenar minha atitude.
Retruquei que a minha intenção
era praticar as lições de francês da Prof. Lucila Moraes e que, por um engano, troquei a palavra ao me referir ao ilustre bedel. Argumentei que minha intenção
era dizer senhor (monsieur) em vez de senhorita (mademoiselle). E com a cara
mais deslavada do mundo, fazendo beicinho igual ao do Rolando Lero da
Escolinha do Prof. Raimundo, tentei justificar o engano, dizendo que foi motivado pela emoção de pronunciar uma frase em francês. E, olhando para o indignado inspetor de alunos, ousei dizer:
- Pardon, monsieur!
O bedel, ainda indignado, olhou-me
de soslaio, torceu o beiço e deu um “tunco”.
A Professora Judite não se
convenceu de minha justificativa, mas até hoje acredito que, no íntimo, ela riu
do meu argumento. Tanto é assim que abrandou a pena, postergando o castigo
maior, ao proferir o veredicto:
- Engraçadinho,
não é? Volta para sala! Vai... Na sua próxima indisciplina você vai sentir isto”.
E se levantou, pegou a régua de
puxar ferrolhos da porta e veio em minha direção, a indicar que na próxima vez a usaria
para me punir. Eu não titubeei, apavorado com a ameaça, subi rapidamente os
degraus da escada de madeira que dava à sala. Senti-me aliviado por não
experimentar o ardor daquela régua ou a vergonha de ter apanhado. E minha apreensão tinha
sentido: na semana anterior um colega experimentara as consequências da
utilização disciplinar de tal instrumento de abrir ferrolhos. Ele fora castigado
e ficou em suas costas a marca vermelha da régua (exceto uma pequena parte redonda,
na cor normal da pele, correspondente ao buraco que se enfia na cabeça do
ferrolho).
A verdade é que, em consequência
daquele fiasco, desde aquela época deixei de me interessar pela língua francesa, que era simpaticamente
ensinada pela querida Professora Lucila Moraes.
Aracaju, 21-11-2016
BETO DÉDA