segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Atropelado pela palavra francesa "mademoiselle".





Notícia de aniversários na página 2 do jornal "A Luta".


Revendo meus arquivos para remeter cópias de documentos para minhas conterrâneas Amanda Santos e Franciele Alves, deparei-me com uma edição antiga do jornal “A Luta”, dirigido por Emílio Rocha e editado em Simão Dias nas primeiras décadas do século passado. Na edição de 02 de março de 1919 do referido jornal, encontrei a notícia do aniversário de minha tia Esterzinha, irmã de minha mãe. Ao escrever a nota, o redator usou a palavra francesa “mademoiselle”, de uso frequente naquela época e que tinha o significado de moça delicada, respeitada e de boa educação. Dizia a nota que naquela data estava aniversariando a mademoiselle Esther Amélia de Oliveira, filha da sra. d. Amélia de Oliveira”.

O uso da palavra francesa mademoiselle me fez lembrar um fato interessante que ocorreu comigo quando estudava no internado do Colégio Jackson de Figueiredo, sob a direção dos saudosos professores Benedito e Judite Oliveira. 

Na grade de ensino do curso ginasial constavam, além do Português, as disciplinas de Latim, Inglês e Francês. Naquela época eu estava empolgado com minhas primeiras lições da língua francesa, ministradas pela simpática Profª Lucila Moraes. E não perdia oportunidade para usar frases curtas no idioma de Victor Hugo, aplicando termos simples como: “bom jour!”, “merci beaucoup”, “monsieur”, “mademoiselle” e outros.   

Minha sala de aulas no Ginásio Jackson nde Figueiredo. A seta iundica onde estou.
Pois bem. Em determinado dia, seguimos para estudar (fazer banca) em uma sala próxima à Diretoria. Lá chegando, o bedel que tomava conta da turma começou a fazer a chamada para controle de presença. Olhei ao lado e comentei com um colega que responderia a chamada usando a língua francesa. Dito e feito. Quando foi mencionado meu nome, respondi ao inspetor da classe, em alto e bom som:

- Je suis ici, MADEMOISELLE!

Então ecoou na sala uma estrondosa risada. O bedel, com o rosto rubro e a testa brilhosa, irritou-se, mandou a turma fazer silêncio e determinou que o acompanhasse até a Diretoria. Lá, diante da Profª Judite Oliveira,  ele não poupou adjetivos para condenar minha atitude.

Retruquei que a minha intenção era praticar as lições de francês da Prof. Lucila Moraes e que, por um engano, troquei a palavra ao me referir ao ilustre bedel. Argumentei que minha intenção era dizer senhor (monsieur) em vez de senhorita (mademoiselle). E com a cara mais deslavada do mundo, fazendo beicinho igual ao do Rolando Lero da Escolinha do Prof. Raimundo, tentei justificar o engano, dizendo que foi motivado pela emoção de pronunciar uma frase em francês. E, olhando para o indignado inspetor de alunos, ousei dizer:

- Pardon, monsieur! 

O bedel, ainda indignado, olhou-me de soslaio, torceu o beiço e deu um “tunco”.

A Professora Judite não se convenceu de minha justificativa, mas até hoje acredito que, no íntimo, ela riu do meu argumento. Tanto é assim que abrandou a pena, postergando o castigo maior, ao proferir o veredicto:


 - Engraçadinho, não é? Volta para sala! Vai... Na sua próxima indisciplina você vai sentir isto”. 

E se levantou, pegou a régua de puxar ferrolhos da porta e veio em minha direção, a indicar que na próxima vez a usaria para me punir. Eu não titubeei, apavorado com a ameaça, subi rapidamente os degraus da escada de madeira que dava à sala. Senti-me aliviado por não experimentar o ardor daquela régua ou a vergonha de ter apanhado. E minha apreensão tinha sentido: na semana anterior um colega experimentara as consequências da utilização disciplinar de tal instrumento de abrir ferrolhos. Ele fora castigado e ficou em suas costas a marca vermelha da régua (exceto uma pequena parte redonda, na cor normal da pele, correspondente ao buraco que se enfia na cabeça do ferrolho).

A verdade é que, em consequência daquele fiasco, desde aquela época deixei de me interessar pela língua francesa, que era simpaticamente ensinada pela querida Professora Lucila Moraes.

Aracaju, 21-11-2016


BETO DÉDA

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