sexta-feira, 23 de outubro de 2015


O dia que Gegê foi detido.

Nesta semana, passando pela Praça General Valadão, aqui em Aracaju, lembrei-me de um conterrâneo dos velhos tempos, que eu conhecia como Gegê. Ele era aprendiz da Fábrica de Calçados Sidon, em Simão Dias. Branquelo, alto, com os cabelos lisos, o rosto meio abaulado e quando falava esticava os beiços, mostrando os avantajados dentes, dentre eles um canino obturado com um naco de ouro.

O Gegê morava lá para as bandas da Rua de Mário de Elizeu, ao leste da cidade, seguindo a rua do prédio do Cine Ypiranga. Era justo naquelas redondezas que morava a donzela que apaixonara o jovem aprendiz de sapateiro.

Quando ele completou seus dezoito anos teve que servir ao Exército Brasileiro. Foi obrigado a deixar a cidade e veio para Aracaju, cheio de saudades da garota que morava próximo ao vapor de descaroçar algodão de Seu Pedro Valadares.

 Isto ocorreu no ano de 1961, e sei precisamente o ano porque foi a época em que eu comecei a estudar o curso científico no Colégio Atheneu, e  morava na Avenida Simeão Sobral, aqui em Aracaju, na casa de meu cunhado Haroldo, casado com minha querida irmã Maura.

Em um galpão anexo à sua residência, Haroldo instalou provisoriamente algumas máquinas e ali iniciou os trabalhos da nova indústria de calçados, cujo prédio ele e tio Paulo construíam na Rua Basílio Rocha.  Inicialmente vieram de Simão Dias os chefes de corte e costura para programarem a transferência, para Aracaju, da fábrica Sidon.

Foi ali que tomei conhecimento de que Gegê era recruta do Exército. Sempre que tinha folga de suas obrigações no 28º Batalhão de Caçadores ele aparecia no galpão para visitar os amigos e mostrar, orgulhoso, sua farda verde-oliva.

Acontece que o Gegê passou algumas semanas sem aparecer no galpão. Quando por lá apareceu foi indagado por Gilson de Benevides sobre a razão de seu desaparecimento. Então ele baixou a cabeça, fez o bicão e confessou que fora detido por um incompreensível sargento que o acusara de “falta de decoro”. E explicou todo o ocorrido, que repasso aqui.

Saudoso de sua namorada, ele escrevia toda semana, contando as novidades da vida na caserna e dos amigos aqui da Capital. Recebeu fotos da garota e resolveu retribuir. Foi até a Praça Valadão tirar um retrato em uma Foto Oiti, que ficava em frente ao prédio que na atualidade é uma Agência do Banco do Brasil. Ali foi fotografado envergando orgulhosamente sua farda. Pensou então em igualar a lembrança recebida da amada: enviar também uma foto excepcional.

Para isto, indagou ao proprietário do Lambe-Lambe se podia fotografá-lo usando apenas um calção. Diante da afirmativa do retratista, não vacilou. Sem qualquer cerimônia, ali mesmo na praça, diante de curiosos transeuntes, ele descalçou o coturno, despiu-se do uniforme, ficou apenas com um calção azul e se acocorou para tirar a foto.

Então surgiu a consequência inesperada. No momento em que ele se despia da farda, passava por ali o sargento, seu superior e treinador. Percebendo a hilária situação de seu subordinado, o militar aproximou-se do Gegê e indagou:

“-Recruta, você não aprendeu as lições de respeito ao uniforme e as normas de bons costumes? Vai responder por isto lá no quartel.”

As explicações do Gegê não foram convincentes: ele ficou vários dias detido por falta de decoro em praça pública e ofensa ao uniforme.

Mas ele não se arrependia e explicava, esticando os beiços e rindo, que mesmo pagando a pena não deixou de remeter os retratos pra sua amada.  

E orgulhoso mostrava a fotografia: ele fazendo pose, só de calção, acocorado com uma mão no queixo e o cotovelo apoiado na coxa. Ao fundo, um painel do Foto Oiti com pintura de uma praia.

Aracaju, 22/10/2015

Beto Déda