O dia que Gegê foi detido.
Nesta semana, passando pela Praça General Valadão,
aqui em Aracaju, lembrei-me de um conterrâneo dos velhos tempos, que eu
conhecia como Gegê. Ele era aprendiz da Fábrica de Calçados Sidon, em Simão
Dias. Branquelo, alto, com os cabelos lisos, o rosto meio abaulado e quando
falava esticava os beiços, mostrando os avantajados dentes, dentre eles um
canino obturado com um naco de ouro.
O Gegê morava lá para as bandas da Rua de Mário de Elizeu,
ao leste da cidade, seguindo a rua do prédio do Cine Ypiranga. Era justo
naquelas redondezas que morava a donzela que apaixonara o jovem aprendiz de sapateiro.
Quando ele completou seus dezoito anos teve que servir
ao Exército Brasileiro. Foi obrigado a deixar a cidade e veio para Aracaju, cheio
de saudades da garota que morava próximo ao vapor de descaroçar algodão de Seu
Pedro Valadares.
Isto ocorreu no
ano de 1961, e sei precisamente o ano porque foi a época em que eu comecei a
estudar o curso científico no Colégio Atheneu, e morava na Avenida Simeão Sobral, aqui em Aracaju, na casa de meu cunhado Haroldo, casado com minha querida irmã Maura.
Em um galpão anexo à sua residência, Haroldo instalou
provisoriamente algumas máquinas e ali iniciou os trabalhos da nova indústria de
calçados, cujo prédio ele e tio Paulo construíam na Rua Basílio Rocha. Inicialmente vieram de Simão Dias os chefes
de corte e costura para programarem a transferência, para Aracaju, da fábrica
Sidon.
Foi ali que tomei conhecimento de que Gegê era recruta
do Exército. Sempre que tinha folga de suas obrigações no 28º Batalhão de
Caçadores ele aparecia no galpão para visitar os amigos e mostrar, orgulhoso,
sua farda verde-oliva.
Acontece que o Gegê passou algumas semanas sem
aparecer no galpão. Quando por lá apareceu foi indagado por Gilson de Benevides
sobre a razão de seu desaparecimento. Então ele baixou a cabeça, fez o bicão e
confessou que fora detido por um incompreensível sargento que o acusara de
“falta de decoro”. E explicou todo o ocorrido, que repasso aqui.

Para isto, indagou ao proprietário do Lambe-Lambe se
podia fotografá-lo usando apenas um calção. Diante da afirmativa do retratista,
não vacilou. Sem qualquer cerimônia, ali mesmo na praça, diante de curiosos
transeuntes, ele descalçou o coturno, despiu-se do uniforme, ficou apenas com
um calção azul e se acocorou para tirar a foto.
Então surgiu a consequência inesperada. No momento em
que ele se despia da farda, passava por ali o sargento, seu superior e
treinador. Percebendo a hilária situação de seu subordinado, o militar aproximou-se
do Gegê e indagou:
“-Recruta, você não aprendeu as lições de respeito ao
uniforme e as normas de bons costumes? Vai responder por isto lá no quartel.”
As explicações do Gegê não foram convincentes: ele
ficou vários dias detido por falta de decoro em praça pública e ofensa ao
uniforme.
Mas ele não se arrependia e explicava, esticando os
beiços e rindo, que mesmo pagando a pena não deixou de remeter os retratos pra sua amada.
E orgulhoso mostrava a fotografia: ele fazendo pose,
só de calção, acocorado com uma mão no queixo e o cotovelo apoiado na coxa. Ao
fundo, um painel do Foto Oiti com pintura de uma praia.
Aracaju, 22/10/2015
Beto Déda
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