terça-feira, 9 de abril de 2024

 

Maria de Oliveira Déda (D. Sinhazinha Déda).

 

 

O dia 09 de abril é uma data importante para a família Oliveira Déda. Foi em 09 de abril de 1903 que nasceu – no engenho Vazaringui, em Riachuelo (SE) – a minha querida e saudosa mãe Maria Accioly de Oliveira, conhecida como Sinhazinha Oliveira, filha de Francisco José de Oliveira e Adele Accioly Oliveira.

Na segunda década do século passado, quando vovó Adele ficou viúva, levou a família para morar em Simão Dias. A viagem foi em carros-de-bois, e a família era constituída pelos filhos: Tarcísio José de Oliveira, Zeca Oliveira, Ester Amélia de Oliveira, Amereciana Oliveira e, a sobrinha/filha de criação, Eunice Barbosa de Oliveira.

Na sua juventude em Simão Dias, ela se destacou por seu interesse em participar de trabalhos comunitários e em ajudar ao próximo. Junto com outras jovens da cidade acompanhava o movimento feminista que começava a se propagar pelo país. Tinha um formidável conhecimento e gosto pela leitura. Uma das imagens que tenho é quando ela se sentava na varanda de nossa casa para leitura de algum livro. Certa vez ouvi ela comentando com minha irmã Nancy sobre o livro “Vidas Perdidas”, do grande simãodiense Carvalho Neto. Como resultado dessa recordação, já adulto, eu tive a oportunidade de ler o referido livro na biblioteca Epifânio Dória, aqui em Aracaju.

Sua atuação nos eventos públicos foi notícia em publicações do jornal A Luta, que era editado por Emílio Rocha. Veja abaixo nota de participação de D. Sinhazinha em evento comunitário divulgado pelo referido jornal, em 14.09.1923:



Recortes do jornal “A Luta”, editado em Simão Dias, com foto e menção a Sinhazinha Oliveira

 

Anos depois, casou-se com o jornalista José de Carvalho Déda, passando a adotar o nome de MARIA DE OLIVEIRA DÉDA (era conhecida como D. Sinhazinha Déda). Desse consórcio nasceram 8 filhos: Zilda Déda Chagas (mãe do governador Marcelo Déda Chagas), Nanci Déda Oliveira, Artur Oscar de Oliveira Deda, Maura Oliveira Déda, Helena Déda Aquino, Carlos Eugênio de Oliveira Déda, Carlos Alberto de Oliveira Déda e Maria Eugênia Déda Lima. 


Maria Oliveira Déda e seu esposo José de Carvalho Déda -1934 (foto acervo Beto Déda)

 

Em 1932, com o Decreto 21.076, do então presidente Getúlio Vargas, as mulheres brasileiras conquistaram o direito de votar. Assim é que, em 07 de abril de 1933, no afã de participar como eleitora, ela tirou seu título eleitoral:

Título de Eleitor de D. Sinhazinha Déda (acervo Beto Déda).

 

 

Sinhazinha Déda -1950 – (Foto acervo Beto Déda)

 

Ela tinha sido professora e sabia nos ensinar, especialmente no que diz respeito à redação e interpretação de textos. Em 1965, quando eu fiz o concurso para ingressar no Banco do Nordeste, comentei com ela sobre o tema da redação e ela me abraçou, afirmando que eu tinha interpretado bem o assunto e aguardasse com otimismo o resultado. Não deu outra: comemoramos alegres a minha aprovação entre os dez primeiros lugares.

Em nossa memória ficaram gravados, mesmo com o passar dos anos, os ensinamentos recebidos da querida Mãe Sinhazinha, como era chamada pelos netos. Em presença dos filhos e netos, ela faleceu em Aracaju, em 30/07/1988, e seu sepultamento ocorreu no Cemitério São João Batista, em Simão Dias.

Sua santa bondade, e seus ensinamentos perduram eternamente. Já escrevi sobre isto e vale aqui repetir para todos seus descendentes, na data que homenageamos o seu nascimento.

 Lembro-me agora, com saudade, de minha querida mãe embalando-me em seu colo, consolando-me de um dos meus choros inconsequentes. Eu já tinha noção da vida. Então, ela comentava que não entendia aquela minha reação efusiva em lágrimas. Argumentava que aquele procedimento não se ajustava ao que acontecera na manhã chuvosa daquele domingo do mês de maio, quando eu vim a “este vale de lágrimas”. E contava-me os detalhes. Eu nascera sem demonstrar sinal de vida. A simples palmada na bunda não me fizera chorar. Aflito com aquela situação, meu pai resolveu fazer ruído junto ao meu ouvido, batendo com um garfo em um prato, para me despertar. Foi o santo remédio, dizia ela, lembrando que eu abri os olhinhos pretos e comecei a chorar. Com esse precedente, argumentava ela, esperava-se que eu fosse um garoto resistente ao choro. Assim, não dava pra se entender porque eu sempre estava me esvaindo em prantos.

 

A verdade é que a minha reação retardada no dia do nascimento foi compensada depois, porque passei a chorar compulsivamente diante de qualquer dificuldade. De tal forma era meu choramingar que sempre estava sendo repreendido por meus pais. E fui sendo educado a controlar minhas emoções. Lembro-me, como se fosse hoje, o dia em que vendo minha mãe tentando consolar meu choro, meu pai disse-lhe: “Deixa chorar, é bom para os pulmões!”. Ela fitou-me com ternura e disse baixinho: “Larga esse choro filho, ou chorarei com você...” Senti profundamente o sentido de suas benditas palavras e, com as costas da mão, limpei as lágrimas. Só voltei a chorar copiosamente muito tempo depois, quando meu pai e ela partiram para outra dimensão da vida...

No livro de sua autoria ( História de Vários Tempos), meu saudoso irmão Artur Oscar de Oliveira Déda menciona lições recebidas de nossa mãe. Vejamos:

                          “ Aracaju em três tempos (páginas 29/30)”

“Eu gostava muito de ouvir as lembranças de minha mãe. Do seu tempo de menina em Riachuelo, no engenho Vazaringui pertencente a meus avós. Comprazo-me ainda hoje com essas recordações. Gostava principalmente da narrativa de viagens fluviais a Aracaju, numa lancha bem fechada, singrando o rio velozmente deixando escumas brancas por trás. A representação mental que eu fazia do objeto descrito absolutamente não correspondia à realidade conhecida muito tempo depois. E o rio que eu conhecia era o Caiçá, uma corrente de águas baixas, em certos pontos não mais que um filete escorregando suavemente sobre seixos pequeninos. A imaginação do ouvinte tornava a história emocionante. E ainda mais fascinante era a descrição do mar. Para facilitar o entendimento da criança curiosa, a narradora inteligente valia-se de uma metáfora: “Um Tanque-Novo sem fim!!!”.

                    ...

                 “A quem pertence os frutos pendentes (páginas                                  227/229):

                   

“Agora... lembrança me traz saudade de uma pessoa que tanto me influiu na formação da minha consciência, pelo espírito sereno e alma bondosa. Mãe mestra. Eu devia ter oito anos. Talvez um pouco mais, talvez um pouco menos. Sei que não era muito diferente dos outros de minha infância. Lembro-me, contudo, que revelei precocidade numa definição. Não propriamente perlo acerto da decisão tomada, mas pela capacidade de decidir. Manifestei-me resoluto diante do mesmo problema que, tantos anos depois, o professor não contribuiu para solucionar: o fruto da árvore vizinha, pendente pelo ramo que avançou para além do muro divisório dos nossos quintais, dele eu era legítimo dono. Não tinha dúvida e apetite não me faltava.

A árvore era uma romãzeira viçosa e o seu fruto delicioso. Para mim, na verdade, apetitoso mais pela aparência do que pelo sabor dos bagos refrescantes. (...)

Para exercício do meu pretenso direito de fruição, opunha-se o sério problema da altura. Tive que praticar estripulia. Numa engenharia improvisada, arquitetei uma geringonça formada por uma cadeira velha e sarrafos justapostos. Mesmo sem estabilidade, alcancei a meta, segurando o fruto. Mas a construção balançou; balançou forte. Desequilibrei-me. Entretanto, consegui girar para o lado mais favorável, aliviando a queda. Nada sofri. O que demonstra, pelo menos em parte, a razão do provérbio: “Ao menino e ao borracho, põe-lhes Deus a mão por baixo.” A barulheira do desabamento chamou a atenção de minha mãe, que prontamente acudiu, flagrando-me na “posse direta” da romã da vizinha, pessoa de seu afeto. Para ela, o problema não era nada jurídico, pois que ético, exclusivamente. Levou-me à presença da amiga. D. Conceição sorriu mansamente, recebeu a fruta e me devolveu logo. Magoado e choroso, olhei pra minha mãe, que consentiu. Hoje fico pensando como uma pessoa tão compassiva pudesse me dar tão dura lição! Quando voltamos, ela passava o dorso da mão sobre os olhos e, antes de entrar no quarto para recompor-se, liberou-me dos afazeres daquele dia.

O certo é que a lição de moral do passado viria a valer muitas vezes mais que a conferência jurídica do futuro.”

 

.......................................................................

 

Estas são lembranças que enriquecem o passar de pessoas inesquecíveis em nossa caminhada. Nos encantamos e revigoramos com estas lembranças. E, aqui para nós, não importo de dizer que os olhos marejam de saudade e alegria, um choro forte mesmo, com mistura do meu tempo de criança e de idoso, com soluço e riso, por comemorar a data que simboliza o dia do nascimento de minha mãezinha Sinhazinha Déda.

Aracaju, 09 de abril de 2024

Beto Déda