domingo, 3 de junho de 2018


Meu primeiro dia como bancário.


As lembranças que me acodem neste domingo se referem a fatos que ocorreram há 53 anos, quando eu era servidor do Estado de Sergipe e aluno da Faculdade de Ciências Econômicas.

No início de 1965 tomei conhecimento que o Banco do Nordeste do Brasil (BNB) estava programando concurso em todo nordeste para ampliar seu quadro de funcionários.

Aqui em Sergipe as inscrições eram feitas na agência do BNB na cidade de Gararu. Eu e muitos outros estudantes fizemos a inscrição naquela localidade. Mas, diante do grande número de participantes, o concurso foi transferido para Aracaju. Realizamos as provas aqui, no prédio do Colégio Atheneu Sergipense. 

Fui aprovado entre os primeiros e imediatamente convocado para tomar posse na agência de Simão Dias, minha terra natal. Pedi exoneração do cargo que exercia no Governo do Estado (na ocasião eu era Oficial de Gabinete do Governador Celso Carvalho) e fui me tornar um benebeano (assim eram chamados os funcionários do BNB). 

Minha posse ocorreu no dia 16 de junho de 1965, ocasião em que os saudosos amigos José Carlos Macedo Déda (meu querido primo) e José Augusto Montalvão, que ali trabalhavam, me pregaram uma peça, ou melhor, um alegre trote para me recepcionarem. 

Mandaram-me perfilar como um recruta e depois, cerimoniosamente, disseram que eu devia assinar outra "importante" folha de presença. Peguei a caneta e, sem perceber o que ali estava escrito, assinei com indisfarçável alegria. Eles também rubricaram como se estivessem atestando minha presença. Em seguida, pronunciaram algumas palavras, em tom de discurso.

Não obstante a emoção do momento, o palavreado me pareceu estranho. Ao perceberem o movimento de minhas sobrancelhas, expressando perplexidade, sorriram bastante e esclareceram a gozação: mostraram-me a tal folha de presença, na qual se destacava no frontispício que se tratava de uma “Folha Suplementar do Setor Avacalhado”.


Ainda hoje conservo em meus arquivos o original desta folha de presença. E quando a vejo não consigo disfarçar o riso e a saudade daqueles colegas.

                                                        ...


Beto (de gravata) entrega placa em
homenagem a Montalvão pela aposentadoria.



O interessante é que, muitos anos depois, em outubro de 1987, na Agência Metro-Aracaju, em nome dos colegas, prestei uma homenagem ao amigo José Augusto Montalvão, no dia de sua aposentadoria. Foi uma cerimônia bonita, e eu tive a oportunidade de dizer algumas palavras, inclusive lembrando o dia em que ele e meu primo Zé Carlos Déda participaram de minha posse no Banco.  Uma coincidência formidável. Fui recepcionado por Montalvão no meu primeiro dia de trabalho e, muitos anos depois, o homenageei na sua despedida.

...


Mas, antes de concluir, resta ainda uma lembrança do meu primeiro dia como bancário. Na mesa do café da manhã, meu saudoso pai indagou-me como daria continuidade aos meus estudos. Tentei tranquilizá-lo e prometi que continuaria o curso de Ciências Econômicas. Informei que já tinha conversado com os professores e eles reconheceram que as faltas eram justificáveis; não seria motivo de reprovação. Eu teria que estudar os assuntos abordados em aula e participar das provas.
Passei a frequentar a faculdade apenas nas noites das sextas-feiras, quando me inteirava da matéria lecionada, assistia às aulas daquelas noites e participava das provas no final do mês.

Como não contávamos com as marinetes para Aracaju no período da tarde, então eu viajava nas sextas-feiras no caminhão do Seu Val, que transportava carne do sol para esta capital. Se não surgissem passageiros especiais, o Sr. Val permitia que eu viajasse na boleia do caminhão. Mas o normal era meu lugar na carroceria, sentado em cima da carne salgada. Ainda passei cerca de um ano e meio fazendo esse percurso de aventuras.

 Mas, não obstante o vigor de minha juventude, aquelas viagens me cansaram.  E para completar, o cheiro de carne do sol começou a me causar um enjoo tão desgraçado que não tive outro jeito: resolvi dar um tempo nas viagens do caminhão do açougueiro e tranquei minha matrícula na faculdade. 

 A verdade é que outros interesses também influenciaram minha decisão; entre eles os perfumes de inesquecíveis conterrâneas no passeio da Praça da Matriz. Daí então minhas sextas-feiras se tornaram imensamente felizes. 
  
Antes de encerrar esta narrativa, fico aqui a matutar com meus botões que certamente o leitor perguntará, com absoluta razão:

- Pera aí, cara! E a promessa que fizeste ao teu pai?

Então eu respondo que levei um longo tempo para cumprir. Com o passar dos anos, esqueci o desejo que tinha de cursar Engenharia na Escola Politécnica da Bahia e Ciências Econômicas aqui em Aracaju. No entanto, jamais olvidei a promessa que fiz ao meu pai e, também, nunca esqueci sua preferência pelo curso de Direito.
  
O fato é que, muitos anos depois, eu continuei os estudos e me formei como bacharel na Faculdade de Direito da UNIT e passei a exercer a advocacia, tal como meu pai e mestre me aconselhara. Pena é que a minha alegria não contou com sua presença, porque  muito tempo antes ele já tinha passado para a vida eterna.

Por razões óbvias, no caso que agora relembro não cabe qualquer justificativa para o prolongado tempo de cumprimento. Para mim ficou mais uma lição importante: promessa é dívida e deve ser paga com oportuna brevidade...

Aracaju, 03 de junho de 2018.
Beto Déda