domingo, 10 de março de 2013


O  fenômeno da seca, ontem e hoje.

 

Uma ligeira apreciação do que se passa atualmente em nosso Nordeste merece uma reflexão.  Repete-se aqui o fenômeno climático da seca, agravado pela ação do homem que agride o meio ambiente, devorando com ganância nossas matas. E essa ação ocorre em todo nosso planeta, onde o  efeito estufa gera o aquecimento global com consequências desastrosas para o meio ambiente. Enquanto aqui é o calor e seca, em outras regiões são as chuvas estragando tudo, ou as nevadas e o frio causando morte e destruição.


O Lago Dourado antes da seca
O Lago na atual seca. Uma imagem não vista
há mais de 30 anos
Os efeitos da seca também estão presentes na zona litorânea, atingindo Aracaju e modificando sua paisagem. O Lago Dourado, que é o encanto  dos meus netos, também sofre os castigos da falta de chuvas e apresenta uma triste paisagem, que não se via há mais de 30 anos. Para se ter uma ideia, observe as duas fotos significativas que demonstram o alcance da estiagem em nosso litoral.
 
 Recentemente, comentando uma postagem que aqui editei, o amigo José Amâncio apresentou uma dúvida que paira sobre todos nós que passamos dos sessenta janeiros. Dizia ele que não tinha certeza se o tempo de nossa infância era ou não melhor que o da atualidade, diante do progresso e das facilidades que ocorreram nesse passar de mais de seis décadas. E agora, enfrentando o fenômeno climático que se repete em nossa região, faço uma ligeira reflexão, comparando a situação de hoje com a que acontecia outrora em nossa terra natal.

Pois bem. Do passado, quando eu era criança em Simão Dias, guardo duas lembranças pontuais de tempos de seca.

Uma delas, de recordação alegre e descontraída, acontecia quando recolhíamos água no poço da Usina Elétrica, que ficava na Praça de São João, em prédio vizinho à Cadeia Pública. A Usina fornecia energia para a cidade e era administrada por Seu Zuzu, um conhecido técnico em mecânica da cidade. O poço ficava sob os cuidados do zelador chamado Broco, que a criançada não deixava de caçoar, mesmo temendo sua estranha figura. Ele era meio surdo, magro, barba rala com cavanhaque, usava um pequeno e surrado chapéu de couro e uma bolsa também de couro que carregava fumo e um cachimbo. Junto com outros amigos moradores daquela praça e vizinhança fazíamos filas em frente ao chafariz, em uma algazarra alegre e cheia de chistes ao lado das latas e caldeirões, que depois de cheias transportávamos para encher os porrões de casa. A usina funcionava das 19 às 22 horas e o poço fornecia água aproximadamente nesse horário. Enquanto aguardávamos a vez de pegar água, brincávamos em volta do prédio que abrigava o motor gerador de energia. Certa vez, um garoto ingênuo achou e pegou uma camisa-de-vênus, pensando que era uma bola de assoprar. No local se avistavam muitas. Diziam que eram largadas ali por Seu Zuzu, depois de usá-las na fornicação com uma mulher chamada Tundê. Fizeram uma gozação danada com o garoto, dizendo que ele tinha assoprado a tal borracha...
 A verdade é que para a criançada a busca de água era uma novidade e motivo de brincadeiras.

Outro fato que não me sai da memória mostra outra realidade daquela época. Recordo-me a tristeza dos pobres lavradores, desvalidos, flagelados, sentados nas calçadas, esperando a demorada e pouca ajuda da população e dos órgãos públicos para conceder-lhe as migalhas do alimento necessário à sobrevivência.  Era um quadro horroroso, de miséria e de abandono em que o sertanejo cabisbaixo, sofrido, passivamente suportava a tormenta da fome, na esperança de que uma mão benfazeja amenizasse seu sofrimento. Essa escancarada visão de miséria amargurava o meu íntimo de criança e até hoje, ao lembrar, me comove. Creio que aquele lastimável quadro despertava dó até mesmo ao mais empedernido coração.  

E justo nesta comparação, vejo que nos dias de hoje surge uma paulatina melhora na situação do sacrificado nordestino. Atualmente não se registra a fila de flagelados sentados nas calçadas esperando uma incerta ajuda.   Os programas governamentais destes últimos anos, bem definidos e normatizados, de modo especial aqueles voltados para zerar a miséria no país, têm trazido resultados importantes, repercutindo favoravelmente na situação dos que sofrem o flagelo da seca.

Sem qualquer propósito em defender conceitos do meu pensar ideológico, ou mesmo modificar o pensamento daqueles que têm ideologia diferente, não posso acreditar que os que viram o quadro dantesco dos flagelados do passado sejam contrários aos programas que procuram amenizar os sofrimentos das classes menos favorecidas.
...

Esses eram dois pontos controvertidos de minha visão de garoto. Um, traduzia a alegria exuberante da flor da idade, brincando na busca de água escassa.   A outra, a melancolia de notar o sofrimento e a angústia daqueles que não tinham alimentos para matar a fome que os definhavam.

E o tempo passa e a seca se repete...

Aracaju, 09/03/2013

Beto Déda