O
fenômeno da seca, ontem e hoje.
Uma ligeira apreciação
do que se passa atualmente em nosso Nordeste merece uma reflexão. Repete-se aqui o fenômeno climático da seca,
agravado pela ação do homem que agride o meio ambiente, devorando com ganância
nossas matas. E essa ação ocorre em todo nosso planeta, onde o efeito estufa gera o aquecimento global com
consequências desastrosas para o meio ambiente. Enquanto aqui é o calor e seca,
em outras regiões são as chuvas estragando tudo, ou as nevadas e o frio
causando morte e destruição.
![]() |
O Lago Dourado antes da seca |
![]() |
O Lago na atual seca. Uma imagem não vista há mais de 30 anos |
Os efeitos da seca
também estão presentes na zona litorânea, atingindo Aracaju e modificando sua
paisagem. O Lago Dourado, que é o encanto dos meus netos, também sofre os castigos da
falta de chuvas e apresenta uma triste paisagem, que não se via há mais de 30
anos. Para se ter uma ideia, observe as duas fotos significativas que demonstram
o alcance da estiagem em nosso litoral.
Pois bem. Do passado, quando eu
era criança em Simão Dias, guardo duas lembranças pontuais de tempos de seca.
Uma delas, de
recordação alegre e descontraída, acontecia quando recolhíamos água no poço da Usina Elétrica, que ficava na Praça de
São João, em prédio vizinho à Cadeia
Pública. A Usina fornecia energia
para a cidade e era administrada por Seu Zuzu, um conhecido técnico em mecânica da cidade. O poço ficava sob os cuidados
do zelador chamado Broco, que a
criançada não deixava de caçoar, mesmo temendo sua estranha figura. Ele era
meio surdo, magro, barba rala com cavanhaque, usava um pequeno e surrado chapéu
de couro e uma bolsa também de couro que carregava fumo e um cachimbo. Junto
com outros amigos moradores daquela praça e vizinhança fazíamos filas em
frente ao chafariz, em uma algazarra alegre e cheia de chistes ao lado das
latas e caldeirões, que depois de cheias transportávamos para encher os porrões
de casa. A usina funcionava das 19 às 22 horas e o poço fornecia água
aproximadamente nesse horário. Enquanto aguardávamos a vez de pegar água,
brincávamos em volta do prédio que abrigava o motor gerador de energia. Certa
vez, um garoto ingênuo achou e pegou uma camisa-de-vênus,
pensando que era uma bola de assoprar. No local se avistavam muitas. Diziam que eram largadas ali por
Seu Zuzu, depois de usá-las na
fornicação com uma mulher chamada Tundê.
Fizeram uma gozação danada com o garoto, dizendo que ele tinha assoprado a tal
borracha...
A verdade é que para a criançada a busca de água era uma novidade e motivo de brincadeiras.
Outro fato que não me
sai da memória mostra outra realidade daquela época. Recordo-me a tristeza dos pobres lavradores, desvalidos, flagelados,
sentados nas calçadas, esperando a demorada e pouca ajuda da população e dos
órgãos públicos para conceder-lhe as migalhas do alimento necessário à
sobrevivência. Era um quadro horroroso,
de miséria e de abandono em que o sertanejo cabisbaixo, sofrido, passivamente
suportava a tormenta da fome, na esperança de que uma mão benfazeja amenizasse
seu sofrimento. Essa escancarada visão de miséria amargurava o meu íntimo
de criança e até hoje, ao lembrar, me comove. Creio que aquele lastimável quadro
despertava dó até mesmo ao mais empedernido coração.
E justo nesta comparação,
vejo que nos dias de hoje surge uma paulatina melhora na situação do
sacrificado nordestino. Atualmente não se registra a fila de flagelados sentados
nas calçadas esperando uma incerta ajuda.
Os programas governamentais destes últimos anos, bem definidos e
normatizados, de modo especial aqueles voltados para zerar a miséria no país,
têm trazido resultados importantes, repercutindo favoravelmente na situação dos
que sofrem o flagelo da seca.
Sem qualquer propósito
em defender conceitos do meu pensar ideológico, ou mesmo modificar o pensamento
daqueles que têm ideologia diferente, não posso acreditar que os que viram o
quadro dantesco dos flagelados do passado sejam contrários aos programas que procuram
amenizar os sofrimentos das classes menos favorecidas.
...
Esses eram dois pontos
controvertidos de minha visão de garoto. Um, traduzia a alegria exuberante da
flor da idade, brincando na busca de água escassa. A outra, a melancolia de notar o sofrimento
e a angústia daqueles que não tinham alimentos para matar a fome que os
definhavam.
E o tempo passa e a
seca se repete...
Aracaju,
09/03/2013
Beto
Déda