terça-feira, 22 de abril de 2025

 

O grande Serafim, um amigo dos velhos tempos.


De minha mocidade vivida na Praça de São João, em Simão Dias(SE), eu guardo lembranças de muitos amigos que compartilhavam brincadeiras e algazarras comuns da época. Entre eles, lembro-me bem do mais alto de todos, com longas e finas pernas, e que parecia ser o mais velho da turma. Era o Serafim ou Sarafim, magro, empinado, rosto comprido, nariz afilado, olhos vivos e sempre usava um boné surrado, cobrindo seu cabelo meio sarará.

Era um garoto quase rapaz, muito criativo, com uma incomum curiosidade por tudo que fosse novidade. Divertíamos ao colher e saborear as mangas e cajus colhidos nos sítios de Seu Jovino, Seu Hilário e Seu Pierre. Também tentávamos as mangueiras do Seu Otávio Moganga, mas eram dificultosas devido a uma cerca alta de pau-a-pique.

Nessas aventuras, a ajuda de Serafim era importante devido a sua altura e seus longos braços que seguravam e balançavam com vigor os galhos das mangueiras, derrubando as mangas de vez, quase maduras. No sítio de Seu Otávio, Sarafim usava uma vara para puxar os frutos caídos no chão, aproximando-os da cerca para pegá-los.

Nas manhãs quentes, durante a semana, a turma ia se refrescar no poço do riacho Caiçá, que ficava antes do Matadouro Municipal. Água límpida, transparente. que dava a ilusão de ser um poço raso, era um perigo para os que não sabiam nadar. Então, o Serafim era o primeiro a pular na água, de modo a saber a real profundidade do poço. Era a primazia que todos concordavam pela altura dele. Mas não deixava de haver protestos porque ele sapateava e turvava as águas cristalinas. Do mesmo modo ele testava o açude do bairro Areal, e também um poço chamado Mariquita, que ficava nas margens do açude federal, na antiga estrada que ligava Simão Dias a Lagarto.

O mais interessante do Serafim era sua graça em prosear fazendo rima. De tudo ele rimava. E gostava do folclore da terra, de ouvir os repentistas na Rua da Feira e aprimorar sua verve poética. Eu costumava ouvi-lo e quando perguntava alguma coisa ele sempre respondia com rima. Qualquer conversa despertava-lhe o senso repentista. Gravei em minha memória a resposta que ele me deu na primeira vez que lhe indaguei o nome correto. E sempre que o encontrava, repetia a pergunta que se tornou uma espécie de saudação: Serafim ou Sarafim? E ele respondia sem pensar: -“Que importa se Serafim ou Sarafim, Cuida de você que eu cuido de mim”; e Sorria, mostrando os dentes amarelos...

Curioso que era, procurava sempre algum afazer que lhe trouxesse alguns trocados. No inverno, cuidava de consertar guarda-chuva e sobrinhas. Quem tinha um sombreiro com armação quebrada procurava-o e o reparo era feito, com garantia. E fazia propaganda de sua arte, transportando um guarda-chuva nas costas pendurado na gola de sua camisa. Recordo-me, agora, de uma noite em que estava no Cine Brasil, quando o Sarafim entrou com o guarda-chuva pendurado na gola da camisa. Ao meu lado estava Luiz Santa Bárbara e uma moça sua parente, que visitava a cidade. E o Luiz esclarecia para a garota todos os detalhe do cinema e das pessoas que passavam entre as cadeiras. Quando avistou o Sarafim, acrescentou: “Está vendo aquele moço com um guarda-chuva nas costas? É um poeta repentista, um artesão e o cara mais alto da cidade!”. Ele ouviu o comentário e gesticulou seu modo característico de aprovar, tocando o beiço superior no nariz.

Serafim tudo sondava com paciência e isto despertava nosso interesse por tudo que ele fazia. Muitas vezes o surpreendíamos concentrado, apreciando pacientemente as árvores, os pássaros, os pequenos animais e os insetos. Certa vez notamos que ele estava observando uma pequena formiga que transportava uma folha de uma planta. Então, ele esclarecia para todos nós que aquela formiguinha tinha andado cerca de 10 metros (mais ou menos a medida da calçada do portão que ficava no quintal da casa de meus pais) carregando uma folha que era quase dez vezes maior que ela. E dizia:

Formiguinha danada de forte! Vejam a inteligência dela e a ajuda das outras para entrar no formigueiro com a folha”.

E concluía dizendo com seu jeito simplório, que traduzia inteligência: “Prestem atenção como as formigas nos dão uma lição maravilhosa de força de vontade, de união e de distribuição de tarefas!”.

Nas tardes de trovoada, a Praça de São João era infestada de tanajuras, e o Sarafim era quem nos estimulava a cantar, rimando: “Cai, cai tanajura, na panela de gordura, para agente saborear”.

"Cai, cai tanajura na panela de gordura", do folclore sergipano.

Capturávamos as tanajuras e enfiávamos um palito no parte trazeira, para ouvir o zumbido das asas imitando o som dos helicópteros. Depois, admirados, víamos o Sarafim juntar algumas folhas secas, fazer um foguinho e assar as gordas bundas das tanajuras para comê-las, deliciando-se. Embora para alguns isto fosse estranho, anos depois, assistindo a um filme documentário (Mondo Cane, de Gualtiero Jacopetti), soube que, em um restaurante dos mais chiques da cidade de Nova Iorque, o prato muito apreciado e mais caro era o de tanajuras torradas. Serafim não estava só em seu gosto por formigão...

Passados tantos anos, remoendo essas reminiscências, fico a pensar onde estará o velho amigo? Quem poderia responder essa pergunta era outro companheiro daquela época, o sempre lembrado Tonho de Manequinha, mas ele já está em outro plano, na paz celestial.

Para mim, esteja aqui ou alhures, o grande Serafim é imortal, sempre me lembrarei de seus feitos.

Aracaju, 22/04/202

Beto Déda