As curiosas aventuras de um colega inesquecível.
Em minhas recordações
existe um amigo de infância que tem lugar de destaque. Cultivava as amizades com
sua bondade e boa fé. A todos ele chamava de compadre, razão pela qual ele passou a ser conhecido por esse
apelido. Era forte, baixo, pele alva,
sofria de uma ligeira miopia, cabeça grande com cabelos cheios e lisos.
Expandia coragem, tinha o pavio meio curto e não levava desaforo pra casa. Dizia
meu primo Zé Carvalho que tanto ele como suas travessuras pareciam com as do
jovem artista de cinema chamado Mickey Rooney. Além de tudo foi personagem de
casos curiosos que merecem ser lembrados. E aqui recordo alguns deles.
O grupo escolar de
Simão Dias estava um reboliço naquele início de setembro dos anos cinquenta.
Com maior intensidade do que em dias comuns, as professoras exigiam dos alunos
maior dedicação à aprendizagem dos fatos históricos da pátria.
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O Prédio do Grupo Escolar Fausto Cardoso |
A turma do primeiro ano
ficava no salão do meio, cujas janelas davam para a praça da matriz, de onde os
alunos tinham a visão da igreja e do cata-vento que bombeava água de um poço. Alguns meninos daquela sala se destacavam
pelas travessuras que aprontavam no dia-a-dia. Um deles era o colega Compadre. Tal e qual a gurizada da época, ele costumava falar
alguns palavrões, dentre os quais sobressaía a expressão de uso comum entre os
sergipanos: “cabrunco!” e “ô fio do
cabrunco!” Quando se queria expressar espanto ou dimensionar um grande ou
grave acontecido falava-se : -“Ô
cabrunco! Também era a palavra de ordem para demonstrar qualquer
aborrecimento e xingar uma pessoa: “Fulano
de tal, aquele “fio do cabrunco...!”.
A professora da classe
era Dona Olda, dedicada e prestimosa mestra, querida por todos os alunos. Seu
método de ensino era infalível. Paciente com os pupilos, sempre tentava
auxiliar nas dificuldades. Quando notava um vacilo, ela prontamente dava uma
ajuda, iniciando a resposta e deixando sempre a última palavra ou sílaba para
ser dita pelo aluno. Assim, se ela perguntava aos estudantes quem era o Presidente
do Brasil e notava qualquer demora na resposta, então a ajuda era certa: “O Presidente do Brasil é Getúlio VAR...”
e em uma só voz os estudantes gritavam a última sílaba: “GAS”.
Naquele dia a Prof.
Olda estava iniciando a aula com uma revisão dos principais fatos de nossa
História. E começou perguntando à classe: “Em
que ano aconteceu o descobrimento do Brasil?” Houve um ligeiro silêncio dos
mais aplicados, porque a classe ainda estava no sussurro inicial dos alunos
retardados se arrumando nas carteiras. Ela então deu a ajuda: “O Brasil foi descoberto no ano de um mil e QUINHEN...” E ouviu-se a resposta uníssona completando a
última sílaba : “TOS”.
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Pedro Álvares Ca... |
Enquanto isso, sentado na
última fila de carteiras, no fundo da sala, alheio aos ensinamentos, nosso Compadre discutia animadamente com outro
amigo. Percebendo a distração, a Prof. Olda dirigiu-se a ele, indagando: “Quem descobriu o Brasil?” Nada de
resposta. Tão envolvido na troca de figurinhas, o colega não percebeu a
pergunta, provocando na bondosa professora sua reação natural de ajuda,
enfatizando: “Quem descobriu o Brasil foi
Pedro Álvares CA...” Nada
de resposta. Advertido pelo vizinho e meio atordoado, Compadre ouviu apenas a Professora indagar: “Foi CA...” e a resposta
veio sem demora e impensada: “...BRUNCO,
foi o CABRUNCO!” E a risada explodiu na classe.
Percebendo a mancada,
ele apressou-se em pedir mil desculpas. Depois de ouvir uma cuidadosa
reprimenda da querida professora, ele baixou a cabeça demonstrando
arrependimento e, com a humildade que sempre o caracterizou, atendeu a
recomendação de copiar dez vezes um texto sobre a inconveniência de dizer
palavrões.
Em uma manhã, lá pelas nove
horas, a classe foi perturbada pelo inusitado som de um motor. Curioso, o Compadre se aproximou da janela de onde
se via a torre da igreja e o cata-vento. Olhou para cima e avistou um pequeno
avião. Imediatamente ouviu-se seu estridente grito:
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Um Teco-teco no campo de aviação |
- Turma, um teco-teco vai pousar no campo! Vamos ver? Eu estou indo..
Para evitar a
debandada, a professora fechou a porta da sala e convocou todos a tomarem seus
lugares. Nada continha a curiosidade da meninada e o Compadre liderou a turma. A janela foi a saída procurada. Foi o
primeiro a pular, seguido pela maioria, todos se dirigindo ao campo de aviação
que ficava lá pelas bandas do Bonfim de baixo. Ver de perto o aeroplano foi o
ponto alto daquela manhã e serviu de comentário na cidade durante toda a semana.
De volta ao Grupo Escolar, a professora impôs um castigo a todos: redigir um
texto sobre o avião pousando na cidade. Dizem que o colega só redigiu cinco
linhas. Redigi não era a praia dele...
Nas tardes de domingo,
depois da matinê no cine Ipiranga, a meninada ia à praça da matriz, com roupa
domingueira. Para impressionar, os garotos besuntavam os cabelos com
brilhantina ou óleo “Glostora”, uma
novidade da loja “Três Américas”, de
Seu Cícero Guerra. Admirado com o brilho dos cabelos do meu primo Zé, o colega
não se conteve e perguntou o que ele usara para o cabelo ficar certinho e
brilhante daquela forma. Brincalhão e presepeiro, o Zé não perdeu a
oportunidade e foi logo ensinando:
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O óleo lustra móveis |
No domingo seguinte, lá
estava o amigo risonho com o cabelo arrumado, brilhante e com o inconfundível
cheiro do óleo usado para polir móveis. Somente depois é que ele percebeu a
brincadeira e ficou picado da vida, arrebentando
o conhecido linguajar para o desconfiado Zé:
- Esse cara é um gozador do cabrunco!
São lembranças de um
querido e saudoso amigo que foi companheiro de muitas brincadeiras de infância
e que ao recordá-las nos alegra e ao mesmo tempo marejam nossos olhos com gotas
de saudade...
Aracaju,
22/01/2013.
Beto
Déda