quinta-feira, 24 de janeiro de 2013


As curiosas aventuras de um colega inesquecível.

 

Em minhas recordações existe um amigo de infância que tem lugar de destaque. Cultivava as amizades com sua bondade e boa fé. A todos ele chamava de compadre, razão pela qual ele passou a ser conhecido por esse apelido. Era forte, baixo, pele alva, sofria de uma ligeira miopia, cabeça grande com cabelos cheios e lisos. Expandia coragem, tinha o pavio meio curto e não levava desaforo pra casa. Dizia meu primo Zé Carvalho que tanto ele como suas travessuras pareciam com as do jovem artista de cinema chamado Mickey Rooney. Além de tudo foi personagem de casos curiosos que merecem ser lembrados. E aqui recordo alguns deles.

O grupo escolar de Simão Dias estava um reboliço naquele início de setembro dos anos cinquenta. Com maior intensidade do que em dias comuns, as professoras exigiam dos alunos maior dedicação à aprendizagem dos fatos históricos da pátria.


O Prédio do Grupo Escolar Fausto Cardoso
A turma do primeiro ano ficava no salão do meio, cujas janelas davam para a praça da matriz, de onde os alunos tinham a visão da igreja e do cata-vento que bombeava água de um poço.  Alguns meninos daquela sala se destacavam pelas travessuras que aprontavam no dia-a-dia. Um deles era o colega Compadre.  Tal e qual a gurizada da época, ele costumava falar alguns palavrões, dentre os quais sobressaía a expressão de uso comum entre os sergipanos:  cabrunco!” e “ô fio do cabrunco!” Quando se queria expressar espanto ou dimensionar um grande ou grave acontecido falava-se : -“Ô cabrunco! Também era a palavra de ordem para demonstrar qualquer aborrecimento e xingar uma pessoa: “Fulano de tal, aquele “fio do cabrunco...!”.

A professora da classe era Dona Olda, dedicada e prestimosa mestra, querida por todos os alunos. Seu método de ensino era infalível. Paciente com os pupilos, sempre tentava auxiliar nas dificuldades. Quando notava um vacilo, ela prontamente dava uma ajuda, iniciando a resposta e deixando sempre a última palavra ou sílaba para ser dita pelo aluno. Assim, se ela perguntava aos estudantes quem era o Presidente do Brasil e notava qualquer demora na resposta, então a ajuda era certa: “O Presidente do Brasil é Getúlio VAR...” e em uma só voz os estudantes gritavam a última sílaba: “GAS”.

Naquele dia a Prof. Olda estava iniciando a aula com uma revisão dos principais fatos de nossa História. E começou perguntando à classe: “Em que ano aconteceu o descobrimento do Brasil?” Houve um ligeiro silêncio dos mais aplicados, porque a classe ainda estava no sussurro inicial dos alunos retardados se arrumando nas carteiras. Ela então deu a ajuda: “O Brasil foi descoberto no ano de um mil e QUINHEN...  E ouviu-se a resposta uníssona completando a última sílaba :  TOS”.
Pedro Álvares Ca...

Enquanto isso, sentado na última fila de carteiras, no fundo da sala, alheio aos ensinamentos, nosso Compadre discutia animadamente com outro amigo. Percebendo a distração, a Prof. Olda dirigiu-se a ele, indagando: “Quem descobriu o Brasil?” Nada de resposta. Tão envolvido na troca de figurinhas, o colega não percebeu a pergunta, provocando na bondosa professora sua reação natural de ajuda, enfatizando: “Quem descobriu o Brasil foi Pedro Álvares CA...” Nada de resposta. Advertido pelo vizinho e meio atordoado, Compadre ouviu apenas a Professora indagar: “Foi CA...” e a resposta veio sem demora e impensada: “...BRUNCO, foi o CABRUNCO!” E a risada explodiu na classe.

Percebendo a mancada, ele apressou-se em pedir mil desculpas. Depois de ouvir uma cuidadosa reprimenda da querida professora, ele baixou a cabeça demonstrando arrependimento e, com a humildade que sempre o caracterizou, atendeu a recomendação de copiar dez vezes um texto sobre a inconveniência de dizer palavrões.
 

Em uma manhã, lá pelas nove horas, a classe foi perturbada pelo inusitado som de um motor. Curioso, o Compadre se aproximou da janela de onde se via a torre da igreja e o cata-vento. Olhou para cima e avistou um pequeno avião. Imediatamente ouviu-se seu estridente grito:
Um Teco-teco no campo de aviação

- Turma, um teco-teco vai pousar no campo! Vamos ver? Eu estou indo..

 Para evitar a debandada, a professora fechou a porta da sala e convocou todos a tomarem seus lugares. Nada continha a curiosidade da meninada e o Compadre liderou a turma. A janela foi a saída procurada. Foi o primeiro a pular, seguido pela maioria, todos se dirigindo ao campo de aviação que ficava lá pelas bandas do Bonfim de baixo. Ver de perto o aeroplano foi o ponto alto daquela manhã e serviu de comentário na cidade durante toda a semana. De volta ao Grupo Escolar, a professora impôs um castigo a todos: redigir um texto sobre o avião pousando na cidade. Dizem que o colega só redigiu cinco linhas. Redigi não era a praia dele...

 

Nas tardes de domingo, depois da matinê no cine Ipiranga, a meninada ia à praça da matriz, com roupa domingueira. Para impressionar, os garotos besuntavam os cabelos com brilhantina ou óleo “Glostora”, uma novidade da loja “Três Américas”, de Seu Cícero Guerra. Admirado com o brilho dos cabelos do meu primo Zé, o colega não se conteve e perguntou o que ele usara para o cabelo ficar certinho e brilhante daquela forma. Brincalhão e presepeiro, o Zé não perdeu a oportunidade e foi logo ensinando:
 
O óleo lustra móveis
- O famoso ‘Óleo de Peroba’, meu compadre. Depois que passei a usar esse óleo as meninas estão dando sopa. É um sucesso! Use e você vai se dar bem.

No domingo seguinte, lá estava o amigo risonho com o cabelo arrumado, brilhante e com o inconfundível cheiro do óleo usado para polir móveis. Somente depois é que ele percebeu a brincadeira e ficou picado da vida, arrebentando o conhecido linguajar para o desconfiado Zé: - Esse cara é um gozador do cabrunco!

 

São lembranças de um querido e saudoso amigo que foi companheiro de muitas brincadeiras de infância e que ao recordá-las nos alegra e ao mesmo tempo marejam nossos olhos com gotas de saudade...

Aracaju, 22/01/2013.

Beto Déda

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