quinta-feira, 26 de novembro de 2015

A Escandalosa e seu jeito de tudo resolver

Conheci uma garota em minha terra que era uma graça. Fugia aos padrões das demais meninas. Era conhecida como Escandalosa e tinha livre pensamento. Sem papas na língua, sem amarras; sabia expandir os limites de seus sonhos e desejos.
Indaguei certa vez se não se preocupava com o que os outros pensavam do que ela dizia e fazia. Respondeu-me, balançando a cabeça de lado, como se fizesse desdém: “Ora bolas! Os outros que se f... Faço o que bem entendo...
Quando queria satisfazer um desejo, não vacilava. Fazia. Se pensava em alegrar alguém, dando alguma coisa, não esperava o pedido. Oferecia, sem constrangimento, com um simples: “Quer? Tome...” E a oferta incluía até aquilo que não se fala junto aos castos...
Certa vez, eu e meu primo Zé Carlos, estávamos aqui em Aracaju, em pleno carnaval na Rua João Pessoa e ficamos surpresos ao avistar a irreverente garota de Simão Dias.  Lá estava ela, de melindrosa, pulando e marcando o frevo, com uma sombrinha em uma mão e um lança-perfume de plástico na outra.
No ritmo do arranjo que tocava os frevos pernambucanos do mestre Capiba, enquanto dava os passos mostrando as coxas com salpicos de confete, Escandalosa aproximou-se e indagou maliciosa: “Querem? Tomem... E rebolou a popança em nossa frente, bem juntinho, fustigando-nos. Ficamos boquiabertos com tal desfaçada oferta.
Escandalosa era persuasiva e não media esforços em suas conquistas. Em nossa terra se afeiçoou de um moço e tentou conquistá-lo. Usou todas as simpatias previstas para o dia de Santo Antônio, o padroeiro dos namorados. Não deu certo. Resolveu, então, usar uma mandiga forte: fez uma reza poderosa, pegou um retrato 3x4 do afeiçoado e colou nas costas de um sapo-cururu.  A reza talvez tenha surtido algum efeito; o sapo, não. O batráquio com o retrato do inditoso nas costas aproveitou o buraco do esgoto e fugiu da casa, descendo a Rua do Pastinho, sendo acossado pela meninada. E a mandiga gorou...
Na verdade o seu insucesso era consequência do pouco atrativo devido a ação voraz dos janeiros, que lhe subtraíram a capacidade de atrair. Mas ela não se dava por vencida.

Lembro-me agora e, embora não possa confirmar o fato, repasso para os amigos a força persuasiva de Escandalosa, conforme me fora contado pelo conterrâneo Serafim. Devo esclarecer que nos velhos tempos, o Serafim participava das brincadeiras na Praça de São João, onde ele costumava comer tanajuras torradas, igual ao que os ricaços fazem nos melhores restaurantes de Nova Iorque. Para mim, Serafim sempre será o maior repentista que conheci. Suas conversas eram versejadas. Quando eu mencionava seu nome, ele repetia com rima:
“Serafim, Serafim! Cuide de você que eu cuido de mim. E se quiser saber das coisas eu conto do começo ao fim...”


Pois bem. Dizia-me o Serafim que a Escandalosa ao se tornar coroa, sem contar com as vantagens que a mocidade lhe concedera, apaixonou-se por um mancebo, que morava lá pelas bandas do Bonfim, em direção ao campo de aviação. O moço não lhe dava bolas.

Escandalosa não se desanimou. Foi à luta. Em determinada tarde, ela embelezou-se com capricho e partiu para a conquista. Pacientemente, foi esperar o afeiçoado, lá na estrada perto do posto fiscal. Quando avistou o benquisto, exclamou aos berros:

 “Socorro! Este moço quer me agarrar a pulso. Me acudam...”

Surpreso com tal disparate, o sujeito se defendeu, dizendo que era impossível tal agressão. E justificou:

Senhora, mesmo que estivesse interessado, não é possível, não vê que estou com as mãos ocupadas, com um chuço, um bode, uma perua e um tacho...”

E a Escandalosa, para encerrar a conversa, deu um jeito, dizendo maliciosa e, como sempre, insinuante:

“Você querendo, bem pode:
Finca o chuço e amarra o bode;
Emborca o tacho...
Bota a perua debaixo!...”

Aí não teve jeito, o moço fincou o chuço...

Aracaju, 26/11/2015

Beto Déda