quinta-feira, 31 de janeiro de 2013


 Outras histórias do saudoso colega compadre.

 
Minhas recordações da última semana foram do amigo de infância conhecido como Compadre. Ele também foi meu colega de trabalho no Banco do Nordeste do Brasil, o BNB, tanto na Agência de Simão Dias, como em Aracaju, onde aconteceram outros não menos curiosos fatos que aqui relato.


Anúncio no jornal  "A Semana" da Escola de
 Datilografia que o Compadre não frequentou.
Contrariando a característica de bancário, o Compadre não gostava de redigir e nem sabia datilografar. Mesmo assim era ele quem cuidava de todas as correspondências da Agência e dos malotes recebidos e expedidos para a  Direção Geral. Certa vez deparei-me com ele “catando milho” em uma máquina de datilografia, com o nariz quase raspando o teclado, devido a sua miopia. Indaguei a razão daquela dificuldade em tentar datilografar. Disse-me que estava atendendo, disciplinadamente, a uma determinação do gerente que, mesmo sabendo de sua falta de habilidade – pois não tinha frequentado a Escola de Datilografia do Prof. Geonilde –  determinara que ele datilografasse um texto. Naquele dia o compadre não cuidou dos malotes, seu único trabalho foi tentar cumprir a determinação do impertinente administrador. Só conseguiu no final do expediente da tarde. E o texto datilografado foi exibido como um troféu pelo implicante gerente.
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Na agência de nossa terra, Compadre nos impressionava com suas brincadeiras e demonstrações inusitadas. Nas tardes frias do inverno, durante o expediente interno, ele chegava para a turma e dizia:

- Agora é o momento certo para lavar minhas entranhas...

Então ele bebia quase um litro de água, fazia um movimento com a barriga, debruçava-se na janela e regurgitava todo o líquido que tinha solvido. E com seu olhar engraçado exclamava: - Obá!...
Depois, demonstrava sua força, parando as compridas hélices dos potentes ventiladores usando seus fortes e grossos dedos.

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O Compadre pugilista parecia
com o ator Mickey Rooney
(Copyright :© DR)
Dizia ele que fora lutador de boxe no Rio de Janeiro. Contava que inicialmente tinha sido um sparring e seu nariz fora quebrado para melhor desempenhar o esporte. Confirmava-se, assim, sua fama de menino bom de murro, fato que já narrei nesse blog, em 25.10.2012, quando ele nocauteou um adversário em uma briga em partida de futebol na Praça São João.

Pois bem. Em uma tarde, ao ouvir alguém duvidar de sua atuação como pugilista, ele resolveu fazer uma demonstração. Para isto, me fez um esquisito apelo:

- Compadre Beto, me ajude a demonstrar a verdade pra esse infiel. Você pode dar um murro em meu nariz? Vamos, compadre, mande o soco!

Diante da minha negativa, ele mesmo aplicou um forte murro no próprio nariz, que ficou bem vermelho. Ao perceber os risos que a cena causou, ele então esfregou o nariz para um lado e para o outro e esclareceu:

- Ficou um pouco vermelho por falta de exercício.  É coisa normal em qualquer pugilista...

E saiu gargalhando com seu jeito inimitável.
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Um dia Compadre chegou ofegante a minha mesa de trabalho. Sua dificuldade em respirar não fora ocasionada pela subida brusca da escada íngreme, de estreitos degraus, que dava acesso ao setor rural da agência do BNB em Simão Dias.  Sua perturbação tinha sido ocasionada por um acidente que tivera com um cão de propriedade do juiz de direito da cidade. Com os olhos arregalados ele contou-me o acontecido, mais ou menos assim:  

- Compadre Beto, eu vinha quase em frente ao Açougue quando o diabo do cachorro do Juiz me atacou. Quando ele veio latindo em minha direção, com a bocarra aberta para me morder, eu enfiei a mão na boca dele, agarrei sua língua e puxei com força. Quase saiu todo o esôfago do danado. Aí soltei e ele correu com o grunhindo de dor em direção à casa do dono. Não sei se sobrevive. Dizem que o Juiz vai usar a caneta contra mim, diante do que fiz ao seu feroz animal de estimação. Será verdade?

Felizmente, diante inusitado revide sofrido pelo inquieto animal, nada aconteceu ao grande Compadre.
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Já aposentado, ele morava em Aracaju. Em uma noite chegou seu filho em casa, assustado, contando que fora agredido por um malandro que lhe roubara o relógio.  O Compadre pegou o carro e saiu pelo bairro em procura do larápio.  Chegou a um barzinho e lá estava o manhoso. Tendo o filho confirmado a autor do crime, ele não titubeou: apontou o revólver para o meliante, o fez entrar no carro e o levou para delegacia. No caminho, após amansá-lo, olhando nos olhos do ladrão e o cutucando com o cano da arma, afirmou:

-Olha aqui, seu fio do cabrunco, se eu souber que você apareceu nesta região ou perturbou meu filho, eu vou atrás de você onde estiver e lhe pego de jeito, seu merda. O cuidado agora vai ser seu, vagabundo!

Entregou o bandido à polícia e nunca mais o malandro voltou importunar no seu bairro.

Assim era o meu saudoso e bom amigo Compadre: alegre, irreverente, bondoso, brincalhão, mas que nunca levou desaforo pra casa.

Aracaju, 30/01/2013

Beto Déda