Minhas recordações da
última semana foram do amigo de infância conhecido como Compadre. Ele também foi meu colega de trabalho no Banco do
Nordeste do Brasil, o BNB, tanto na Agência de Simão Dias, como em Aracaju,
onde aconteceram outros não menos curiosos fatos que aqui relato.
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Anúncio no jornal "A Semana" da Escola de Datilografia que o Compadre não frequentou. |
Contrariando a
característica de bancário, o Compadre
não gostava de redigir e nem sabia datilografar. Mesmo assim era ele quem
cuidava de todas as correspondências da Agência e dos malotes recebidos e
expedidos para a Direção Geral. Certa vez deparei-me com ele “catando milho” em uma máquina de
datilografia, com o nariz quase raspando o teclado, devido a sua miopia.
Indaguei a razão daquela dificuldade em tentar datilografar. Disse-me que
estava atendendo, disciplinadamente, a uma determinação do gerente que, mesmo
sabendo de sua falta de habilidade – pois não tinha frequentado a Escola de
Datilografia do Prof. Geonilde – determinara que ele datilografasse um texto.
Naquele dia o compadre não cuidou dos malotes, seu único trabalho foi tentar
cumprir a determinação do impertinente administrador. Só conseguiu no final do
expediente da tarde. E o texto datilografado foi exibido como um troféu pelo
implicante gerente.
...
Na agência de nossa
terra, Compadre nos impressionava com
suas brincadeiras e demonstrações inusitadas. Nas tardes frias do inverno, durante
o expediente interno, ele chegava para a turma e dizia:
- Agora é o momento certo para lavar minhas entranhas...
Então ele bebia quase
um litro de água, fazia um movimento com a barriga, debruçava-se na janela e regurgitava
todo o líquido que tinha solvido. E com seu olhar engraçado exclamava: - Obá!...
Depois, demonstrava sua
força, parando as compridas hélices dos potentes ventiladores usando seus
fortes e grossos dedos.
...
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O Compadre pugilista parecia com o ator Mickey Rooney (Copyright :© DR) |
Dizia ele que fora
lutador de boxe no Rio de Janeiro. Contava que inicialmente tinha sido um sparring e seu nariz fora quebrado para
melhor desempenhar o esporte. Confirmava-se, assim, sua fama de menino bom de
murro, fato que já narrei nesse blog, em 25.10.2012, quando ele nocauteou um
adversário em uma briga em partida de futebol na Praça São João.
Pois bem. Em uma tarde,
ao ouvir alguém duvidar de sua atuação como pugilista, ele resolveu fazer uma demonstração.
Para isto, me fez um esquisito apelo:
- Compadre Beto, me ajude a demonstrar a verdade pra esse infiel. Você
pode dar um murro em meu nariz? Vamos, compadre, mande o soco!
Diante da minha
negativa, ele mesmo aplicou um forte murro no próprio nariz, que ficou bem
vermelho. Ao perceber os risos que a cena causou, ele então esfregou o nariz
para um lado e para o outro e esclareceu:
- Ficou um pouco vermelho por falta de exercício. É coisa
normal em qualquer pugilista...
E saiu gargalhando com
seu jeito inimitável.
...
Um dia Compadre chegou ofegante a minha mesa de
trabalho. Sua dificuldade em respirar não fora ocasionada pela subida brusca da
escada íngreme, de estreitos degraus, que dava acesso ao setor rural da agência
do BNB em Simão Dias. Sua perturbação
tinha sido ocasionada por um acidente que tivera com um cão de propriedade do
juiz de direito da cidade. Com os olhos arregalados ele contou-me o acontecido,
mais ou menos assim:
-
Compadre Beto, eu vinha
quase em frente ao Açougue quando o diabo do cachorro do Juiz me atacou. Quando
ele veio latindo em minha direção, com a bocarra aberta para me morder, eu
enfiei a mão na boca dele, agarrei sua língua e puxei com força. Quase saiu
todo o esôfago do danado. Aí soltei e ele correu com o grunhindo de dor em
direção à casa do dono. Não sei se sobrevive. Dizem que o Juiz vai usar a
caneta contra mim, diante do que fiz ao seu feroz animal de estimação. Será
verdade?
Felizmente, diante
inusitado revide sofrido pelo inquieto animal, nada aconteceu ao grande Compadre.
...
Já aposentado, ele
morava em Aracaju. Em uma noite chegou seu filho em casa, assustado, contando
que fora agredido por um malandro que lhe roubara o relógio. O Compadre pegou o carro e saiu pelo bairro
em procura do larápio. Chegou a um
barzinho e lá estava o manhoso. Tendo o filho confirmado a autor do crime, ele
não titubeou: apontou o revólver para o meliante, o fez entrar no carro e o
levou para delegacia. No caminho, após amansá-lo, olhando nos olhos do ladrão e
o cutucando com o cano da arma, afirmou:
-Olha aqui, seu fio do cabrunco, se eu souber que você apareceu nesta
região ou perturbou meu filho, eu vou atrás de você onde estiver e lhe pego de
jeito, seu merda. O cuidado agora vai
ser seu, vagabundo!
Entregou o bandido à
polícia e nunca mais o malandro voltou importunar no seu bairro.
Assim era o meu saudoso
e bom amigo Compadre: alegre,
irreverente, bondoso, brincalhão, mas que nunca levou desaforo pra casa.
Aracaju, 30/01/2013
Beto Déda