terça-feira, 4 de junho de 2024

 

Um prêmio de consolação.

 

Muitas vezes um fato arquivado em nossa memória é despertado por um sonho seguido de uma simples palavra dita por alguém, como se ocorresse uma sincronicidade de pensamentos. 

Um dia desta semana, sonhei que estava feliz porque tinha sido ganhador de um prêmio. Pela manhã, estava em um Supermercado e encontrei-me com um antigo colega, que lembrou do tempo que ganhamos uma medalha por ter participado do time de futebol de salão do Colégio Atheneu. Embora não fosse titular, participei de algumas partidas como primeiro reserva.

Entre o meu sonho e a lembrança do amigo, aconteceu a “sincronicidade”, ou seja, um fenômeno descoberto pelo psicólogo suíço Carl Jung, ao estudar a relação significativa não causal entre dois fatos. Para aquele psicólogo “a sincronicidade revela a conexão significativa entre o mundo subjetivo e o objetivo”.

E para complementar essa conexão, quando chequei em casa e fui guardar um documento na gaveta da escrivaninha, vi um chaveiro e, mais uma vez, a memória foi despertada para um prêmio que recebi no final dos anos cinquenta. Repasso, com detalhes, como aconteceu esse prêmio.

Era tempo de férias, acordei-me cedo e calcei meu tênis tipo basqueteira – daqueles que tinham o cano longo e, ao lado do tornozelo, um pequeno protetor de borracha, com o nome do fabricante – e fui à redação do jornal A Semana. Era uma manhã ensolarada e, lembro-me como se fosse ontem, me alegrei quando vi a beleza dos raios do astro rei descendo inclinados ao   longo da Rua do Coité, em Simão Dias.  

Assim que cheguei na redação do jornal, passei a ler um almanaque ou a  revista “Seleções - Reading Digest” -  não estou seguro quanto à fonte - foi quando notei um anúncio de um órgão associado à Embaixada Italiana, que informava um concurso literário de redação. Fiquei interessado e resolvi concorrer.

Associei imediatamente a Itália à rua que nasci (antiga Rua dos Ribeiros), onde viveu nos velhos tempos um italiano que tentou mudar a denominação daquele logradouro. Embora o fato não tenha ocorrido no meu tempo, tomei conhecimento ao ouvir relatos de meu pai.

Antiga Rua dos Ribeiros que um italiano tentou mudar a denominação(Foto do acervo de Beto Déda)


Cuidei então de fazer o texto, descrevendo o estrangeiro e sua passagem por minha terra natal.

Como não tinha conhecido aquele gringo, usei a imaginação para descrevê-lo, me inspirando em um ator italiano, que não me lembro o nome, mas sua fisionomia estava presente nos seriados que passavam no Cine Ypiranga.  Usei a criatividade para dizer de suas atividades na cidade e o modo como tentou alterar o nome da rua que morava. Contava-me meu pai que o italiano fazia questão de demonstrar seu patriotismo, tanto é que, ao construir sua casa, colocou em frente uma placa com letras garrafais: “Rua da Itália”. Ao sair de Simão Dias, vendeu sua casa e fez questão de constar na escritura a localização: “situada na Rua da Itália nesta cidade”. Apesar de seu intento, o nome não pegou e a rua continuou a ser conhecida como Rua dos Ribeiros, que na atualidade tem  a denominação de Júlio Manoel de Oliveira.

Enviei a redação pelo correio. Tempos depois, não sei se passados um ou dois meses, Messias Carvalho, que era funcionário dos Correios, entregou-me uma caixinha de encomenda com um chaveiro e um bilhete que me enviara o patrocinador do concurso, no qual agradecia minha participação e concedia-me, a título de consolação, um pequeno prêmio: um chaveiro com a gravura do Coliseu Romano.

Na época eu tinha 19 anos e vibrei com o consolo recebido. Ainda bem que me deram atenção!

Pelo visto, um sonho, um ligeiro diálogo com um antigo colega e o abrir de uma gaveta fizeram-me recordar de um prêmio, um notável psicólogo suíço, um desconhecido italiano e do meu conterrâneo Messias Carvalho que foi sacristão e trabalhava nos Correios e Telégrafos.

Isso é o que os entendidos denominam de sincronicidade ou conexão significativa.

Aracaju, 03/06/2024

Beto Déda