O
dia dos avós, a festa de Santana e tia Nice Enfermeira.
Neste
ano não foi possível comparecer à festa de Nossa Senhora Santana, padroeira de minha terra, que ocorreu no dia 26 de julho. Mas
justifico minha falta. Naquele mesmo dia, tínhamos um compromisso inadiável com
meu querido neto Miguel: comparecer ao colégio em que ele estuda, onde
prestariam homenagens a todos os avós dos alunos.
O colégio fez uma interessante cerimônia, porém, o melhor mesmo aconteceu na sala de aula, quando interagimos alegremente com a classe e recebemos aquele abraço afetuoso do amado neto.
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O dia dos avós no colégio de meu neto. |
O
encontro dos avós aconteceu pela manhã daquele dia, o que certamente daria
tempo para uma viagem até Simão Dias, mas surgiu o problema dos percalços de
minha idade: não me agrada, e não me convém, dirigir veículo fora de Aracaju.
Então resolvi cancelar a viagem e ficar em casa. Mesmo assim, não me descurei
de ficar atento aos acontecimentos de minha terra natal. Acompanhei a festa por
uma emissora local que transmitia imagem e som, via internet, pelo YouTube.
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A festa de Santana em Simão Dias (foto do vídeo em que aparece a Praça da Matriz e a antiga Rua do Coité. |
Ao
acompanhar o roteiro da procissão religiosa dos conterrâneos pelas ruas de
Simão Dias, minha memória espontânea despertou, fazendo-me reviver momentos de
emoção ali vividos em outros tempos. A legenda dos vídeos indicava a
denominação atual de cada logradouro que passava, enquanto minhas lembranças
retroagiam, lembrando o nome antigo e popular de cada rua e, observando a
fachada de cada casa, recordava-me das famílias que ali residiam.
Quando
notei a imagem da procissão passando pela antiga Rua do Coité, e vendo a frente
da casa que morou minha saudosa tia Nice, (conhecida
como Nice Enfermeira) a emoção me atingiu e as lágrimas não
foram sufocadas.
Recentemente
essa lembrança foi despertada por minha prima Armandina Déda, que me pediu para
escrever um texto com dados biográficos sobre minha querida tia Nice. Atendi
com presteza, escrevi o texto, que agora relembro e aqui repito alguns dados para os meus parentes e amigos.
O nome completo de minha tia era Eunice
Barbosa de Oliveira. Ela nasceu na cidade de Riachuelo (SE). Ainda
jovem ficou órfã e passou a conviver com a família de minha avó materna (Adele
Accioly Oliveira) que era tia dela. Assim ela era prima\irmã de minha mãe
(Sinhazinha Déda), e nossa querida tia.
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Tia Nice no centro (foto do lançamento do livro sobre história de Simão Dias. |
Muito religiosa, pretendia ser freira e foi para um
convento em Salvador (BA). Lá, como noviça, aprendeu muito e dedicava atenção
especial às atividades de enfermagem, que praticou em hospitais daquela cidade.
Depois de alguns anos, compreendeu que não suportaria a vida no convento e
desistiu de ser freira.
Voltou para Sergipe e foi morar em Simão Dias na
companhia dos familiares que, em anos anteriores, ali fixaram residência
advindos de Riachuelo.
Diante de seus conhecimentos de enfermagem, passou
a trabalhar no Posto Estadual de Saúde, como funcionária pública do Estado. Não
era uma simples funcionária. Portando sua pastinha com estojo de emergência,
ela andava de casa em casa prestando socorro aos mais necessitados. Naquela
época, as seringas e agulhas não eram descartáveis; toda vez que ela ia aplicar
uma injeção, tinha que esterilizar a seringa de vidro e a agulha, em água
fervendo, e fazia isto usando o estojinho de metal, que era aquecido com álcool
queimando na tampinha do estojo.
Era carinhosamente conhecida na cidade como “Nice
Enfermeira”.
Após começar sua carreira como funcionária pública,
ela alugou uma casa perto do antigo clube social ADS (Associação Desportista
Simãodiense), que posteriormente passou a se chamar Cayçara Clube.
Anos depois mudou-se para a antiga Rua do Coité, em
uma casa vizinha à de Dr. Manoel Aguiar.
Naquela época, por recomendação de minha mãe, eu
e meus irmãos Artur Oscar e Carlos Eugênio, nos revezávamos para dormir na
casa da tia Nice. Lá eu cresci e morei enquanto era solteiro. Durante alguns anos meu sobrinho Marcelo Déda também morou conosco, quando os pais dele se mudaram para Aracaju e permitiram que
ele ficasse em Simão Dias, para terminar o curso primário no Grupo Escolar
Fausto Cardoso. Tia Nice nos tratava com um cuidado especial e adorava Marcelo,
que a retribuía com carinho e muita atenção, chamando-a afetuosamente de tia
Didi.
Ela deixou o hábito religioso, mas não perdeu a fé.
Era muito católica e fazia parte do grupo de “Filhas de Maria” da paróquia da
cidade e nos orientou nos ensinamentos da Igreja Católica. Em companhia dela,
eu e Marcelo participávamos de todos os atos realizados na Matriz de Senhora
Santana: catecismos, missas, novenas e nas noites de oração ao Santíssimo
Sacramento. Para Marcelo sua influência foi maior, ele se tornou “Coroinha” e
durante sua vida foi um cristão de muita fé.
Em 1982, tia Nice ficou preocupada quando soube que
Marcelo estava iniciando na política. E sorriu quando soube que ele tivera
apenas 296 votos na eleição daquele ano para Deputado Estadual pelo PT. Ela faleceu
antes de Marcelo despontar como admirável político.
Tia
Nice dedicava-se com muita atenção e boa vontade ao seu trabalho como
enfermeira, atendendo com presteza a todos que a procuravam, independentemente
da hora. E não disfarçava a emoção e solidariedade que tinha com cada pessoa que
atendia. Lembro-me que certa vez, logo depois das 6:00 horas da manhã, quando
ela preparava nosso café, chegou uma senhora aflita, chorando, pedindo socorro
para um filhinho desvanecido que trazia nos braços, vítima de crupe. Minha tia,
ao notar que a criança não mostrava sinais de vida, olhou comovida para a
sofrida mãe, balançou a cabeça como se dissesse que nada podia fazer e começou
a chorar e a rezar. Nunca esqueci aquela triste cena em que ela, a mãe do
menino – e eu também – chorávamos e rezávamos emocionados.
O trabalho dela sempre foi reconhecido pelos
simãodienses e foi homenageada pela Prefeitura da cidade ao colocar o seu nome
no posto de saúde municipal, localizado na Rua Dr. Manoel Salustino Neto: “Clínica
de Saúde EUNICE BARBOSA DE OLIVEIRA”.
Da mesma forma foi homenageada pela Secretaria de
Saúde do Estado, ao denominar o posto de Saúde do Bairro Coqueiral, em Aracaju,
com seu nome: “Unidade de Saúde EUNICE BARBOSA DE OLIVEIRA”.
Para mim, neste ano, ao comemorarmos o dia dos avós
e a festa em louvor a Nossa Senhora Santana, também foi um dia de prestar minha
homenagem à querida tia Nice Enfermeira que, não tenho dúvida, será
sempre lembrada como personalidade importante na área de saúde de minha terra.
Aracaju,
05/08/2024
Beto
Déda