segunda-feira, 5 de agosto de 2024

O dia dos avós, a festa de Santana e tia Nice Enfermeira.

 

Neste ano não foi possível comparecer à festa de Nossa Senhora Santana, padroeira de minha terra, que ocorreu no dia 26 de julho. Mas justifico minha falta. Naquele mesmo dia, tínhamos um compromisso inadiável com meu querido neto Miguel: comparecer ao colégio em que ele estuda, onde prestariam homenagens a todos os avós dos alunos.

O colégio fez uma interessante cerimônia, porém, o melhor mesmo aconteceu na sala de aula, quando interagimos alegremente com a classe e recebemos aquele abraço afetuoso do amado neto.


O dia dos avós no colégio de meu neto.

                                  

O encontro dos avós aconteceu pela manhã daquele dia, o que certamente daria tempo para uma viagem até Simão Dias, mas surgiu o problema dos percalços de minha idade: não me agrada, e não me convém, dirigir veículo fora de Aracaju. Então resolvi cancelar a viagem e ficar em casa. Mesmo assim, não me descurei de ficar atento aos acontecimentos de minha terra natal. Acompanhei a festa por uma emissora local que transmitia imagem e som, via internet, pelo YouTube.

A festa de Santana em  Simão Dias (foto do vídeo em que aparece a Praça da Matriz e a antiga Rua do Coité.


Ao acompanhar o roteiro da procissão religiosa dos conterrâneos pelas ruas de Simão Dias, minha memória espontânea despertou, fazendo-me reviver momentos de emoção ali vividos em outros tempos. A legenda dos vídeos indicava a denominação atual de cada logradouro que passava, enquanto minhas lembranças retroagiam, lembrando o nome antigo e popular de cada rua e, observando a fachada de cada casa, recordava-me das famílias que ali residiam. 

Quando notei a imagem da procissão passando pela antiga Rua do Coité, e vendo a frente da casa que morou minha saudosa tia Nice, (conhecida como Nice Enfermeira) a emoção me atingiu e as lágrimas não foram sufocadas.  

Recentemente essa lembrança foi despertada por minha prima Armandina Déda, que me pediu para escrever um texto com dados biográficos sobre minha querida tia Nice. Atendi com presteza, escrevi o texto, que agora relembro e aqui repito alguns dados  para os meus parentes e amigos. 

O nome completo de minha tia era Eunice Barbosa de Oliveira. Ela nasceu na cidade de Riachuelo (SE). Ainda jovem ficou órfã e passou a conviver com a família de minha avó materna (Adele Accioly Oliveira) que era tia dela.  Assim ela era prima\irmã de minha mãe (Sinhazinha Déda), e nossa querida tia.

Tia Nice no centro (foto do lançamento do livro sobre história de Simão Dias.


Muito religiosa, pretendia ser freira e foi para um convento em Salvador (BA). Lá, como noviça, aprendeu muito e dedicava atenção especial às atividades de enfermagem, que praticou em hospitais daquela cidade. Depois de alguns anos, compreendeu que não suportaria a vida no convento e desistiu de ser freira.

Voltou para Sergipe e foi morar em Simão Dias na companhia dos familiares que, em anos anteriores, ali fixaram residência advindos de Riachuelo.

Diante de seus conhecimentos de enfermagem, passou a trabalhar no Posto Estadual de Saúde, como funcionária pública do Estado. Não era uma simples funcionária. Portando sua pastinha com estojo de emergência, ela andava de casa em casa prestando socorro aos mais necessitados. Naquela época, as seringas e agulhas não eram descartáveis; toda vez que ela ia aplicar uma injeção, tinha que esterilizar a seringa de vidro e a agulha, em água fervendo, e fazia isto usando o estojinho de metal, que era aquecido com álcool queimando na tampinha do estojo.

Era carinhosamente conhecida na cidade como “Nice Enfermeira”.

Após começar sua carreira como funcionária pública, ela alugou uma casa perto do antigo clube social ADS (Associação Desportista Simãodiense), que posteriormente passou a se chamar Cayçara Clube.

Anos depois mudou-se para a antiga Rua do Coité, em uma casa vizinha à de Dr. Manoel Aguiar. 

Naquela época, por recomendação de minha mãe, eu e meus irmãos Artur Oscar e Carlos Eugênio, nos revezávamos para dormir na casa da tia Nice. Lá eu cresci e morei enquanto era solteiro. Durante alguns anos meu sobrinho Marcelo Déda também morou conosco, quando os pais dele se mudaram para Aracaju  e permitiram que ele ficasse em Simão Dias, para terminar o curso primário no Grupo Escolar Fausto Cardoso. Tia Nice nos tratava com um cuidado especial e adorava Marcelo, que a retribuía com carinho e muita atenção, chamando-a afetuosamente de tia Didi.

Ela deixou o hábito religioso, mas não perdeu a fé. Era muito católica e fazia parte do grupo de “Filhas de Maria” da paróquia da cidade e nos orientou nos ensinamentos da Igreja Católica. Em companhia dela, eu e Marcelo participávamos de todos os atos realizados na Matriz de Senhora Santana: catecismos, missas, novenas e nas noites de oração ao Santíssimo Sacramento. Para Marcelo sua influência foi maior, ele se tornou “Coroinha” e durante sua vida foi um cristão de muita fé.

Em 1982, tia Nice ficou preocupada quando soube que Marcelo estava iniciando na política. E sorriu quando soube que ele tivera apenas 296 votos na eleição daquele ano para Deputado Estadual pelo PT. Ela faleceu antes de Marcelo despontar como admirável político.

Tia Nice dedicava-se com muita atenção e boa vontade ao seu trabalho como enfermeira, atendendo com presteza a todos que a procuravam, independentemente da hora. E não disfarçava a emoção e solidariedade que tinha com cada pessoa que atendia. Lembro-me que certa vez, logo depois das 6:00 horas da manhã, quando ela preparava nosso café, chegou uma senhora aflita, chorando, pedindo socorro para um filhinho desvanecido que trazia nos braços, vítima de crupe. Minha tia, ao notar que a criança não mostrava sinais de vida, olhou comovida para a sofrida mãe, balançou a cabeça como se dissesse que nada podia fazer e começou a chorar e a rezar. Nunca esqueci aquela triste cena em que ela, a mãe do menino – e eu também – chorávamos e rezávamos emocionados.

O trabalho dela sempre foi reconhecido pelos simãodienses e foi homenageada pela Prefeitura da cidade ao colocar o seu nome no posto de saúde municipal, localizado na Rua Dr. Manoel Salustino Neto: “Clínica de Saúde EUNICE BARBOSA DE OLIVEIRA”.

Da mesma forma foi homenageada pela Secretaria de Saúde do Estado, ao denominar o posto de Saúde do Bairro Coqueiral, em Aracaju, com seu nome: “Unidade de Saúde EUNICE BARBOSA DE OLIVEIRA”.


Para mim, neste ano, ao comemorarmos o dia dos avós e a festa em louvor a Nossa Senhora Santana, também foi um dia de prestar minha homenagem à querida tia Nice Enfermeira que, não tenho dúvida, será sempre lembrada como personalidade importante na área de saúde de minha terra.

 Aracaju, 05/08/2024

Beto Déda




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