Fazendo cinema com Wellington e teatro com Manuel de Dona Tude.
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Rua Antônio Alexandrino, Simão Dias (Foto Beto Déda) |
A casa de tia
Vina Déda ficava na Rua Antônio Alexandrino, em Simão Dias. Antigamente aquela
rua era chamada de Rua da Lama, porque ficava em uma região brejosa. Atualmente
tem o nome de Rua Jairo do Prado Dantas. A rua começava na esquina da casa do Sr. Zezé
Saturnino, que ficava próxima à padaria de Gumercindo e se estendia até a
bodega do Seu Gabino, situada na esquina da travessa que ia ao Tanque Novo. Lembro-me
que naquele trecho moravam também as famílias de Seu José Cágado, de Luiz Barbeiro, de Lulu Italiano, de Pedro Cavaleiro e de meu tio
João Déda, que era vizinho à Igreja Presbiteriana.
Foi justamente
na sala da frente da casa de tia Vina que eu e o primo Wellington nos
associamos e fabricamos o nosso cinema especial: um projetor de quadros de
fitas de cinema. Era um modelo conhecido dos garotos curiosos da época. Uma
caixa feita com madeira de embalagem de sabão-pintado (um tipo de sabão em
barra muito conhecido), com uma lâmpada cheia de água (que funcionava como uma
lente) e uma vela. Colocava o quadro
invertido em frente à lâmpada cheia de água, acendia a vela e a imagem saía por
um orifício da caixa, sendo projetada na parede em frente.
Pois bem.
Saíamos pela rua anunciando entre os garotos a sessão de “cinema” e cobrávamos
centavos pelo ingresso. Era um sucesso. Os quadros mais solicitados: Marlene
Dietrich, Bill Elliott, Monte Hale, Durango Kid (Charles Starrett), Smiley Burnette (chamado de Manequinha),
Hopalong Cassidy, Lana Turner, Flash Gordon (Buster Crabber) e outros.
A sala de
visitas da casa de tia Vina ficava lotada dos meninos da vizinhança. O cinema
foi um sucesso enquanto durou o interesse pelos quadros repetidos. O encerramento
foi decretado por minha tia depois de um entrevero que tivemos com os filhos de
Seu Zezé Saturnino. Foi soco pra todo lado e um pontapé inesperado espatifou o
nosso projetor.
Mas o sucesso
não se restringia à brincadeira do cinema de quadros. Também brincávamos de
teatro. Nessa empreitada o sócio não era o primo Wellington, mas o amigo Manoel
de Dona Tude (Naquela época associávamos sempre o nome do garoto aos seus pais
ou mães: Wellington de Dona Vina, Beto de Seu Zeca Déda, Manoel de D. Tude,
Hamilton de Seu Chico Ferreira, Júlio de Seu Pierre, Rubens de Seu João
Cândido, Simão de Seu Antônio Gomes, Tonho de Manequinha e por aí vai...)
Dona Tude morava,
então, no primeiro trecho da Rua do Coité, quase em frente à casa de Seu Antonio
Barbadinho.
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Trecho da Rua do Coité (Foto Beto Déda) |
Pois bem. Acertei com Manoel fazermos um teatro em sua
casa. Iniciamos os preparativos e anunciamos para a meninada a noite de estreia
e que cobraríamos centavos pelo
ingresso. Trabalhando em sua máquina de
costura, Dona Tude percebeu nosso movimento e, com seu riso encantador, nos deu
todo apoio e, ainda mais: resolveu participar da peça. Ela tocava bandolim,
fazia o fundo musical e nos orientou no roteiro, inclusive adicionando uma
parte em que ela atuaria.
Sua participação
acontecia no último ato, o mais engraçado de todos, que tinha o título chistoso
de “A rumbeira e o pajem”. A música era uma rumba muito em voga na época. Dona
Tude se pintava com muito alvaiade e um ruge bem vermelho, usava travesseiros
para mostrar maior volume em partes do corpo. Eu era o pajem que acompanhava a
rumbeira. Meu rosto também era pintado e eu segurava um abano (nada de leque
fino, era um abano mesmo, daqueles de pindobas que se usava para ativar as
brasas em fogão de lenha).
Anunciado o ato
por Manoel, tocavam a rumba e entrava Dona Tude, dançando, engraçadíssima. Eu
aparecia em seguida, com o abano, ventilando a traseira da rumbeira, que mexia
as cadeiras de tal forma que a sala estremecia de tantas gargalhadas, inclusive
ela própria, cuja risada era inconfundível. E me provocava:
- Abana pajem Beto, para aumentar o fogo!
Eu acelerava o
ritmo da ventilação e ela empolgava todos com seu sacolejo jocoso.
Ainda hoje parece
que estou ouvindo sua risada estrondosa e espontânea, acompanhando o delírio da
platéia mirim.
Alegres e
inesquecíveis dias...