terça-feira, 21 de julho de 2015

Fazendo cinema com Wellington e teatro com Manuel de Dona Tude.


Rua Antônio Alexandrino, Simão Dias (Foto Beto Déda)
A casa de tia Vina Déda ficava na Rua Antônio Alexandrino, em Simão Dias. Antigamente aquela rua era chamada de Rua da Lama, porque ficava em uma região brejosa. Atualmente tem o nome de Rua Jairo do Prado Dantas.  A rua começava na esquina da casa do Sr. Zezé Saturnino, que ficava próxima à padaria de Gumercindo e se estendia até a bodega do Seu Gabino, situada na esquina da travessa que ia ao Tanque Novo. Lembro-me que naquele trecho moravam também as famílias de Seu José Cágado, de  Luiz Barbeiro, de  Lulu Italiano, de Pedro Cavaleiro e de meu tio João Déda, que era vizinho à Igreja Presbiteriana.
Foi justamente na sala da frente da casa de tia Vina que eu e o primo Wellington nos associamos e fabricamos o nosso cinema especial: um projetor de quadros de fitas de cinema. Era um modelo conhecido dos garotos curiosos da época. Uma caixa feita com madeira de embalagem de sabão-pintado (um tipo de sabão em barra muito conhecido), com uma lâmpada cheia de água (que funcionava como uma lente) e uma vela.   Colocava o quadro invertido em frente à lâmpada cheia de água, acendia a vela e a imagem saía por um orifício da caixa, sendo projetada na parede em frente.
Pois bem. Saíamos pela rua anunciando entre os garotos a sessão de “cinema” e cobrávamos centavos pelo ingresso. Era um sucesso. Os quadros mais solicitados: Marlene Dietrich, Bill Elliott, Monte Hale, Durango Kid (Charles Starrett), Smiley Burnette (chamado de Manequinha), Hopalong Cassidy, Lana Turner, Flash Gordon (Buster Crabber) e outros.
A sala de visitas da casa de tia Vina ficava lotada dos meninos da vizinhança. O cinema foi um sucesso enquanto durou o interesse pelos quadros repetidos. O encerramento foi decretado por minha tia depois de um entrevero que tivemos com os filhos de Seu Zezé Saturnino. Foi soco pra todo lado e um pontapé inesperado espatifou o nosso projetor.  
Mas o sucesso não se restringia à brincadeira do cinema de quadros. Também brincávamos de teatro. Nessa empreitada o sócio não era o primo Wellington, mas o amigo Manoel de Dona Tude (Naquela época associávamos sempre o nome do garoto aos seus pais ou mães: Wellington de Dona Vina, Beto de Seu Zeca Déda, Manoel de D. Tude, Hamilton de Seu Chico Ferreira, Júlio de Seu Pierre, Rubens de Seu João Cândido, Simão de Seu Antônio Gomes, Tonho de Manequinha e por aí vai...)
Dona Tude morava, então, no primeiro trecho da Rua do Coité, quase em frente à casa de Seu Antonio Barbadinho.
Trecho da Rua do Coité (Foto Beto Déda)
Pois bem.  Acertei com Manoel fazermos um teatro em sua casa. Iniciamos os preparativos e anunciamos para a meninada a noite de estreia e que  cobraríamos centavos pelo ingresso.  Trabalhando em sua máquina de costura, Dona Tude percebeu nosso movimento e, com seu riso encantador, nos deu todo apoio e, ainda mais: resolveu participar da peça. Ela tocava bandolim, fazia o fundo musical e nos orientou no roteiro, inclusive adicionando uma parte em que ela atuaria.
Sua participação acontecia no último ato, o mais engraçado de todos, que tinha o título chistoso de “A rumbeira e o pajem”. A música era uma rumba muito em voga na época. Dona Tude se pintava com muito alvaiade e um ruge bem vermelho, usava travesseiros para mostrar maior volume em partes do corpo. Eu era o pajem que acompanhava a rumbeira. Meu rosto também era pintado e eu segurava um abano (nada de leque fino, era um abano mesmo, daqueles de pindobas que se usava para ativar as brasas em fogão de lenha).
Anunciado o ato por Manoel, tocavam a rumba e entrava Dona Tude, dançando, engraçadíssima. Eu aparecia em seguida, com o abano, ventilando a traseira da rumbeira, que mexia as cadeiras de tal forma que a sala estremecia de tantas gargalhadas, inclusive ela própria, cuja risada era inconfundível. E me provocava:
- Abana pajem Beto, para aumentar o fogo!
Eu acelerava o ritmo da ventilação e ela empolgava todos com seu sacolejo jocoso.
Ainda hoje parece que estou ouvindo sua risada estrondosa e espontânea, acompanhando o delírio da platéia mirim.
Alegres e inesquecíveis dias...

Aracaju, 20/07/2015
Beto Déda