Sonhando com o tempo que era jornaleiro.
Costumo
dormir pouco, mas o tempo de sono é suficiente para sonhos bons e pesadelos.
Muitas
vezes acordo assustado com pesadelos, possível efeito colateral dos medicamentos
para o coração.
Mas, na noite de ontem, não fui vítima de um
sonho agitado.
Minha madorna foi serena e alegre.
Sonhei
com fatos dos anos cinquenta em minha terra: quando eu era o jovem jornaleiro
que entregava o jornal “A Semana”, editado e dirigido por meu pai. O jornal
circulava aos sábados, dia em que me acordava com os primeiros raios de sol
surgindo no alto da Igreja Matriz. Andava por todas as ruas da cidade e
conhecia cada casa e seus habitantes.
Meu
caminhar era planejado: saía de uma rua para outra e voltava à redação do
jornal para pegar nova braçada do semanário. Lembro-me que em cada rua encontrava os que
acordavam cedo e ansiosos aguardavam a entrega do jornal; eram pessoas idosas e
que me recebiam com um largo sorriso. Uma recepção que, para mim, correspondia
a um mundão de felicidade.
Mas,
para a maioria dos assinantes, eu entregava o jornal colocando-o por baixo da
porta da frente das casas. Depois de
percorrer todas as ruas da cidade e feita a entrega, aí então era a hora de
tomar um bom café no Bar e Lanchonete do Seu Chico Bina, que ficava ao lado do
Açougue Municipal. Café forte e
quentinho acompanhado de um delicioso pão amanteigado, que Seu Chico pegava na
Padaria Central, de Seu Oscar Rocha. Uma
delícia! Atualmente não fazem um pão tão
bom, como antigamente.
Depois,
voltava à redação do jornal para vender exemplares avulsos aos leitores da
cidade e da zona rural. E eram muitos, todos meus conhecidos e bons amigos.
Lembro-me
que uma vez um assíduo leitor, que também era colecionador do jornal, chegou
tarde à redação e ficou muito triste ao saber que a edição daquela semana estava
esgotada. Então ele me persuadiu a procurar na tipografia algum exemplar
perdido. Atendi ao seu pedido e encontrei cópias iniciais de páginas separadas,
que chamávamos “prova”, utilizadas para fazer as correções na arrumação dos
tipos de chumbo. Passei para o interessado as páginas com rabiscos feitos por
meu pai, indicando os erros na composição dos textos. Nunca esqueci o semblante
alegre e agradecido daquele leitor.
![]() |
Beto Déda distribuindo o jornal "A Semana" pelas ruas de Simão Dias, nas manhãs frias dos dias de sábado. (Montagem e traços do próprio) |
O
sonho que tive ontem ativou minha memória.
Embora não tenha fotografias da época que era jornaleiro, as imagens do sonho incentivaram-me a
recortar fotos, rabiscar e fazer montagens de modo a retratar meus 14 e 15 anos,
quando entregava “A Semana” nas manhãs frias do mês de julho, em Simão Dias, na
primeira metade dos anos 50.
E, aqui pra nós, o resultado da fotomontagem me deixou feliz, especialmente por mostrar-me
abraçando uma porção do querido jornal de minha terra.
O
bom mesmo é que isto faz com que a alegria e o sorriso voltem à nossa mente, de
modo a nos ajudar a afastar o pensamento da triste atualidade nacional e nos
proteger da nefanda loucura praticada pelos que atualmente governam o país.
Aracaju, 16/03/2020
BETO DÉDA