BREVES
LEMBRANÇAS DOS CINEMAS EM SIMÃO DIAS.
Dia desses fui indagado
pelo professor e pesquisador conterrâneo Jorge Bastos sobre os cinemas de nossa terra. Gostei da indagação porque sempre fui fã da conhecida sétima arte.
Frequentei com assiduidade o Cine Ypiranga e o Cine Brasil em minha terra natal
e, também, os das cidades em que morei: em Aracaju (os cinemas Rex, Rio Branco,
Vitória e Palace), em Salvador (o Guarani, o Excelsior e o Capri) e em Jequié
(o Cine Auditório e o Cine Jequié).
Ultimamente assisto aos
filmes na televisão ou no computador. E o bom filme, o que acho supimpa, eu costumo
ver repetidas vezes, como é o caso dos dirigidos pelos geniais Fellini e John
Ford. E quando faço isto, minha paciente Leninha indaga: - Quer decorar?
Tenho boas recordações
dos cinemas de minha terra e algumas delas eu relembro aqui para os amigos.
Contava meu saudoso pai
que quando o cinema teve início em nossa cidade, as fitas eram projetadas
manualmente, em locais improvisados, e que as pessoas interessadas, além de
pagar o ingresso, tinham que levar suas próprias cadeiras para assistirem às
fitas confortavelmente sentadas.
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O Cine-Jornal - folha editada pelo Cine-Theatro Sylvio Romero |
Naquele tempo predominavam as apresentações teatrais. Em 1918, foi inaugurado o Theatro Sylvio Romero, na Rua do Espinheiro, construído pelo o
Cel. Felisberto Prata. Em 1921, aquela casa de espetáculos foi adaptada à projeção
de filmes e passou a ser chamada de “Cine-Theatro Sylvio Romero”. Em 1923, sob
a liderança de Arivaldo Prata (filho do Cel. Felisberto), surgiu o jornalzinho Cine-Jornal, que trazia logo abaixo do
seu título a importante informação: “Folha
de interesses locais e destinada a propaganda cinematográfica, editada pelo
Cine-Theatro Sylvio Romero”.
Na década de 30, a
aparelhagem do cinema foi vendida e surgiu na cidade o Cine Elite, que durou
poucos anos.
O jornal “A Luta”, de
Emílio Rocha, publicou várias notícias sobre o cinema em nossa terra.
Em 1943 o Sr. Pierre
Freitas adquiriu nova aparelhagem e o prédio do Cine Theatro Sylvio Romero, que mudou de nome, passando a ser denominado Cine Teatro Ypiranga.
Dez anos depois, em
1953, foi inaugurado um novo cinema na cidade, construído pelo Sr. Durval
Conceição, com o nome de Cine Brasil.
Posteriormente o Cine
Brasil foi vendido ao Sr. Antônio Borges; e o Cine Ypiranga vendido ao Sr.
Edinho de Lagarto. Com o passar dos anos
e diante da concorrência da televisão, os cinemas fecharam.
Hoje temos apenas boas
recordações daquelas casas de espetáculos.
Aqui mesmo, já fiz relatos de minha presença
no Cine Ypiranga, vendendo gibis, editados pela “Rio Gráfica Editora”, que meu
irmão Carlos representava em Simão Dias.
Ao falar sobre os
cinemas de nossa terra, o principal fato que me vem à mente é o desabamento da
“geral” do Cine Ypiranga. Em nossa terra, denominava-se “GERAL” a parte superior
do cinema, com bancos desconfortáveis, e que se cobrava um valor menor pelo ingresso;
era o local preferido pelos que tinham o hábito de soltar gases mal cheirosos e
sonoros, ou seja, peidos fedorentos e estrondosos.
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O Cine Ypiranga no traço e na lembrança de Beto Déda |
Em uma noite de sábado,
dia de feira na cidade, em 1961, o cinema estava lotado. Era exibido o
filme brasileiro “A morte comanda o cangaço”. A fita mostrava uma luta
sangrenta patrocinada pelos cangaceiros. Tiros, fumaça das armas, barulheira da
artilharia dos jagunços e a plateia atenta, vibrando de emoção. Envolvidos no
alvoroço da filmagem, os espectadores não notaram, de imediato, o estranho ruído e a fina poeira que desprendia da “Geral”.
Pois bem. Assim que
perceberam que o som e a poeira não correspondiam aos efeitos especiais do
filme, mas era o sinal de que a “geral” estava desabando, aí a plateia iniciou uma
louca debandada no escuro, procurando saídas pela frente ou pelos fundos, por traz da tela, em
direção à Rua dos Pinicos (era assim mesmo que era conhecida a rua que passava
por trás do cinema).
Os que estavam nas
filas próximas à entrada, seguiram a liderança de Dr. Fraga e Seu Manequinha,
que eram pessoas bem conhecidas e admiradas na cidade. Eram corpulentos, então,
diante do pânico, meteram as barrigas na grande porta da frente, quebrando os
ferrolhos, escancarando-as em bandas, para dar passagem aos aflitos seguidores.
O tumulto foi grande, mas, felizmente, não houve vítimas. Muitos perderam
sapatos, chinelas e até chapéu, no entanto, nunca perderam o bom humor ao
comentar a cena, sempre caprichando em satirizar o que se passou com cada um,
sem esquecerem, ao final, mencionar a frase que se tornou frequente naqueles
dias: “A morte comanda o cangaço, mas
não comandou o Cine Ypiranga”...
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O Cine Brasil na lembrança e no traço de Beto Déda |
Lembro-me, agora, de
outro fato que aconteceu no Cine Brasil e me foi contado por uma pessoa que
admiro muito e que se viu em uma verdadeira “saia justa”. Certa noite o amigo
foi ao cinema com sua mulher. Antes de iniciar o filme, foi projetado um
documentário sobre uma tribo de índios no Xingu. A fita exibia indígenas nus,
com as intimidades expostas. O recatado casal não gostou do que via e tentou
sair discretamente. Quando se aproximavam da saída, foram abordados por
seu Antônio, proprietário do cinema, que exclamou em voz alta, mencionando o nome do amigo, para que todos ouvissem:
- “Meu
amigo (...) se eu soubesse que nesta fita apareciam índios nus eu não permitiria
a projeção...”
Surpreendidos pela
quebra de privacidade da cautelosa saída, o envergonhado casal esgueirou-se
porta a fora, ouvindo as gargalhadas e os gritos dos espectadores em
consequência da espalhafatosa declaração do dono do cinema.
Aracaju,
22/03/2017
BETO
DÉDA