quinta-feira, 22 de junho de 2017

O FRIO EM SIMÃO DIAS, O ‘VIN D’HONNEUR’ E A INESQUECÍVEL GAROTA DE ‘BABY-DOLL’.

Neste domingo chuvoso a temperatura baixou aqui em Aracaju e fiquei em casa convalescendo de uma torção no tornozelo e de alergia provocada pelas temíveis muriçocas do bairro Mosqueiro.

Em conversa, via internet, com minhas amigas Amanda Santos e Ana Maria Ferreira soube que a época de frio já chegou a Simão Dias e em Paripiranga. Naquela região, nos idos de minha juventude, a temperatura atingia 14 graus centígrados. É um frio gostoso, bom pra dormir e pra namorar.  É o tempo agradável de saborear um chocolate quente e um licor de jenipapo.

Nos invernos dos anos cinquenta, em noites de sábado, depois do cinema, lá pelas 22 horas, a rapaziada (eu, Zé Carlos Déda, Heraldo Guerra, Francisco Dias, Gildo Fraga, Gildo Matos,  Brício Matos, Sebastião Araújo e Oscarlito) se reunia no Bar de Pedro Mendes, em Simão Dias,  ou no Bar de Bezerrinha, em Paripiranga, para degustar um queijo de coalho  e brindar a amizade com copos de vinho tinto. Em um dessas noites apareceu um colega benebeano, conhecedor de fidalguias, que passou a qualificar aquela reunião com uma frase francesa que pronunciava fazendo biquinho: “Vin d’honneur”. E informava que no velho mundo o tal “Vin d’honneur” significava “vinho da honra”, no sentido de um evento comemorado com bons vinhos, acompanhado de queijos e outros petiscos.

Ao ouvir tal discurso, o saudoso Brício Matos, sempre gozador, acrescentava sua interpretação, em voz pausada:

- No meu modesto entendimento, a tradução real para esse tal ‘d’honneur’ é: danado. Porque reflete as consequências que teremos ao expurgá-lo, pelas vias superiores e inferiores, na ressaca de amanhã”.

E erguia uma taça antiga, brindando os colegas e expondo o vermelhão de seu rosto em uma gargalhada que contagiava toda turma.

Nas reuniões também eram servidas bebidas quentes, como  a famosa caipirinha ou um aguardente chamado “quentão”, que ardia na goela mas esquentava o corpo. E no Bar de Bezerrinha sempre tinha o apreciado tira gosto de uma galinha de capoeira. Coisas apreciáveis nos invernos de antão em minha terra natal e na vizinha cidade de Paripiranga, que carinhosamente chamávamos de Paris.

Ao lembrar o frio de minha terra, ocorreu-me também que, há cinco anos, estimulado pelo amigo Clínio Guimarães, comentei, aqui, minhas recordações de adolescente nas frias manhãs de sábado, quando eu andava literalmente por todas as ruas de Simão Dias, distribuindo o jornal "A Semana", editado por meu saudoso pai.

Nos meses de inverno era aquele frio gostoso, debelado pelo meu andar rápido de garoto. Para a maioria dos assinantes a entrega era feita por debaixo das portas, com o clarear dos primeiros raios de sol. Mas alguns deles invariavelmente aguardavam a minha passagem para a leitura matinal de "A Semana". Eram os habituês, como dizia João Jacó, locutor e projetista do Cine Brasil. Lembro-me agora de alguns deles. Na praça da Matriz, era o dentista Dr. Fraga Matos (pai de Dr. Gilson, Dr. Gildo e Auxiliadora), que com seu sorriso bonachão passava suas mãos por meus desalinhados cabelos, tal como fazia meu pai. Era um gesto que na minha mente representava o mais nobre sinal de carinho de um adulto para uma criança, era um elogio ao meu comportamento e me transmitia uma confiança enorme. Outros assinantes que também me aguardavam, esfregando as mãos para espantar o frio: na Rua da Feira, o Sr. Josino Barbosa; na Rua de Estância, Dr. Alceu Conceição (irmão de Durval, construtor do Cine Brasil); na Rua do Coité, D. Aldina (avó de Clínio); na Rua do Cine Ipiranga, Seu Inocêncio Nascimento (meu padrinho); na Rua Canafístula, Seu Zuzu (mecânico que cuidava da  usina elétrica); na Rua do Pastinho, Seu Coelho (lembro-me que era um senhor baixo, cabelos grisalhos, usava um pequeno chapéu e lia o jornal com um grande  interesse). E outros que se arriscavam a acordar cedo e enfrentar o frio do inverno, que não menciono aqui por falha na memória.

Como jornaleiro, lembro-me de outros dois fatos marcantes que registro aqui. O primeiro me irritava e afastava o frio que era tangido pela raiva. Tinha um colega, do Grupo Escolar, que quando me via entregando jornal, gritava para me pirraçar: -Jornaleiro, me dá um jornal feminino... Eu ficava puto da vida e tinha vontade de arremessar os jornais na cara do fi-da-p... Hoje, a lembrança me diverte.

O outro fato é de recordação sublime, que me deixa em estado de graça sempre que lembro. É o caso da garota que usava um fantástico baby-doll (uma curta e elegante roupa de dormir parecida com camisola). Foi assim: sabendo que a filha de um assinante acompanhava com vivo interesse matéria do jornal, eu fazia questão de entregar o exemplar pessoalmente. Escolhia a hora apropriada e anunciava em voz alta, para acordar a garota leitora: - Olha o jornal "A Semana"! E repetia até ouvir a voz melodiosa pedir que entrasse para entregar pessoalmente o jornal. Eu entrava e me deslumbrava ao ver a garota de baby-doll... As entregas e as maravilhosas visões se repetiram... E nessas ocasiões o frio não me incomodava. O Sangue fervia!

São lembranças gostosas de tempos felizes.

Aracaju, 22/06/2017

Beto Déda