quarta-feira, 24 de abril de 2024

A proteção aos idosos e as vagas nos estacionamentos...

 

Conversando com um velho amigo sobre a lei de proteção aos idosos, e de modo especial sobre a reserva que a lei prevê para vagas nos estacionamentos públicos e privados, tomei conhecimento de fatos que nos deixam amargurados.



Sobre tais vagas, foi-me lembrado pelo amigo um fato que lhe ocorreu já decorridos alguns anos e que agora narro para conhecimento dos que me acompanham neste espaço.

Certa manhã, como fazia semanalmente, o meu velho amigo, que beirava os oitenta anos de idade, acompanhado de sua esposa, que também era idosa, foi a um supermercado e estacionou seu veículo em vaga especial, exercendo um direito previsto no Estatuto de Pessoas Idosas. Ele sempre mantinha em local visível de seu automóvel o cartão de licença expedido pelo órgão municipal de trânsito.  Fez as compras e tranquilamente voltou para casa.

Dias depois, recebeu um surpreendente documento do SMTT cobrando uma multa, por ter estacionado o veículo em vaga de idoso. Indignado com tal afronta ao seu direito, ele foi à repartição reclamar, esclarecendo que aconteceu um equívoco por parte do guarda que lavrou a multa.

Informou ao servidor da Secretaria de Trânsito que a licença estava exposta em lugar visível, que o carro lhe pertencia e tinha comprovantes de que naquele dia, na mesma hora, ele estava no tal mercadinho. Esclareceu que certamente o agente fiscalizador cometeu um engano ao registrar a indevida irregularidade e se ele tivesse um pouco de atenção teria visto o cartão no painel do veículo ou, se tivesse um tantinho de paciência, verificaria que as pessoas que estavam no veículo (motorista e passageira) eram idosos e proprietários do automóvel.

Ao ouvir tais esclarecimentos, o funcionário ponderou que possivelmente o cartão de licença estava vencido e que o prazo de validade era de dois anos.

Então o idoso teve a curiosidade de indagar qual a razão de tão curto prazo de validade, menor que o da carteira de habilitação de motorista. A resposta foi que indivíduos sem caráter utilizam cartões para estacionarem nas vagas destinadas aos idosos, razão pela qual a melhor solução é reduzir o prazo de validade, para prevenir essa usurpação.

Ora, ora pois! Percebe-se logo o absurdo da justificativa: para solucionar o problema, a solução é reduzir o prazo de validade do cartão, ou seja, os idosos é que serão punidos.  Durma-se com um barulho desses! Devido a uma exceção, pune-se todos os idosos, ao exigir a renovação breve da licença. Essa estúpida medida indica duas formas de ofensa: a primeira, por infernizar os idosos com a previsão da morte próxima; e a segunda, por pensarem que os idosos têm a doença rejuvenescedora de um personagem descrito pelo escritor Scott Fitzgerald em seu livro “O Curioso Caso de Benjamin Button”. 

Mas voltemos ao caso. Após ser orientado pelo impaciente servidor a apresentar recurso, o velho fez um cuidadoso relato, comprovando que ele próprio dirigia o veículo, anexando documentos irrefutáveis e esclarecendo que o princípio estabelecido pela legislação é proteger as pessoas idosas. Em seus arrazoados, informava em letras maiúsculas, em negrito:

SOU IDOSO E NÃO CONCORDO COM ESTA MULTA, APRESENTO PROVAS IMPORTANTES E TAMBÉM DEVO ESCLARECER QUE NÃO TENHO O DOM DE REJUVENESCIMENTO DO PERSONAGEM DO ROMANCE ESCRITO POR SCOTT FITZGERALD, NO LIVRO ‘O CURIOSO CASO DE BENJAMIN BUTTON’.”

Ao entregar o recurso, a pessoa que o recebeu deixou o idoso companheiro desiludido e amargurado. O “barnabé” fez um gesto de desdém e afirmou que a turma recursal não iria ler e nem daria a mínima para os tais argumentos. E o pior é que aquele atendente tinha razão. Passados tantos anos, não se tem notícia do que foi decidido pelo SMTT.

O amigo ficou tão ofendido que pensou em apelar para o judiciário. Mas lembrou de seu problema cardíaco; pensou na contrariedade que seria relembrar, em audiências, a ofensa recebida.  Assim é que, embora reconhecendo a necessidade de lutar pelo direito, tão bem esclarecida pelo jurista alemão Rudolf von Ihering, em seu “A Luta Pelo Direito”, sentiu que seu problema de saúde falava mais alto e resolveu não iniciar uma demanda judicial.  Pagou para esquecer. Mas o pior é que não esqueceu; tanto é que permitiu que aqui registrasse seu protesto.   

Não são poucos os casos dos que procuram burlar a lei de proteção aos idosos. E não fica restrito aos órgãos do governo. Já comentei, em textos aqui publicados, a má vontade envolvendo alguns comerciantes: especialmente no que diz respeito a prioridade no atendimento. Relembro agora o caso de estabelecimentos comerciais que colocam nos caixas especiais para idosos os funcionários em treinamento, com pouca experiência, o que provoca atrasos no atendimento das pessoas protegidas pela lei.

Embora esse fato tenha acontecido há alguns anos, e que pequenas mudanças já ocorreram, fica aqui mais um registro, na esperança de que as autoridades pensem sobre isto e que façam prevalecer as prerrogativas legais que amparam os idosos.

Aracaju, 23/04/2024

Beto Déda