A proteção aos idosos e as vagas nos estacionamentos...
Conversando
com um velho amigo sobre a lei de proteção aos idosos, e de modo especial sobre
a reserva que a lei prevê para vagas nos estacionamentos públicos e privados, tomei
conhecimento de fatos que nos deixam amargurados.
Sobre tais vagas, foi-me lembrado pelo
amigo um fato que lhe ocorreu já decorridos alguns anos e que agora narro para conhecimento
dos que me acompanham neste espaço.
Certa
manhã, como fazia semanalmente, o meu velho amigo, que beirava os oitenta anos
de idade, acompanhado de sua esposa, que também era idosa, foi a um
supermercado e estacionou seu veículo em vaga especial, exercendo um direito
previsto no Estatuto de Pessoas Idosas. Ele sempre mantinha em local visível de
seu automóvel o cartão de licença expedido pelo órgão municipal de trânsito. Fez as compras e tranquilamente voltou para
casa.
Dias
depois, recebeu um surpreendente documento do SMTT cobrando uma multa, por ter
estacionado o veículo em vaga de idoso. Indignado com tal afronta ao seu
direito, ele foi à repartição reclamar, esclarecendo que aconteceu um
equívoco por parte do guarda que lavrou a multa.
Informou
ao servidor da Secretaria de Trânsito que a licença estava exposta em lugar
visível, que o carro lhe pertencia e tinha comprovantes de que naquele dia, na
mesma hora, ele estava no tal mercadinho. Esclareceu que certamente o
agente fiscalizador cometeu um engano ao registrar a indevida irregularidade e
se ele tivesse um pouco de atenção teria visto o cartão no painel do veículo
ou, se tivesse um tantinho de paciência, verificaria que as pessoas que estavam
no veículo (motorista e passageira) eram idosos e proprietários do automóvel.
Ao ouvir tais esclarecimentos,
o funcionário ponderou que possivelmente o cartão de licença estava vencido e
que o prazo de validade era de dois anos.
Então
o idoso teve a curiosidade de indagar qual a razão de tão curto prazo de validade,
menor que o da carteira de habilitação de motorista. A resposta foi que
indivíduos sem caráter utilizam cartões para estacionarem nas vagas destinadas
aos idosos, razão pela qual a melhor solução é reduzir o prazo de validade, para
prevenir essa usurpação.
Ora,
ora pois! Percebe-se logo o absurdo da justificativa: para solucionar o
problema, a solução é reduzir o prazo de validade do cartão, ou seja, os idosos
é que serão punidos. Durma-se com um
barulho desses! Devido a uma exceção, pune-se todos os idosos, ao exigir a
renovação breve da licença. Essa estúpida medida indica duas formas de ofensa:
a primeira, por infernizar os idosos com a previsão da morte próxima; e a
segunda, por pensarem que os idosos têm a doença rejuvenescedora de um personagem descrito pelo escritor Scott Fitzgerald em seu livro “O
Curioso Caso de Benjamin Button”.
Mas
voltemos ao caso. Após ser orientado pelo impaciente servidor a apresentar
recurso, o velho fez um cuidadoso relato, comprovando que ele
próprio dirigia o veículo, anexando documentos irrefutáveis e esclarecendo que
o princípio estabelecido pela legislação é proteger as pessoas idosas. Em seus
arrazoados, informava em letras maiúsculas, em negrito:
“SOU IDOSO E NÃO
CONCORDO COM ESTA MULTA, APRESENTO PROVAS IMPORTANTES E TAMBÉM DEVO ESCLARECER
QUE NÃO TENHO O DOM DE REJUVENESCIMENTO DO PERSONAGEM DO ROMANCE ESCRITO POR
SCOTT FITZGERALD, NO LIVRO ‘O CURIOSO CASO DE BENJAMIN BUTTON’.”
Ao entregar o recurso, a
pessoa que o recebeu deixou o idoso companheiro desiludido e amargurado. O
“barnabé” fez um gesto de desdém e afirmou que a turma recursal não iria ler e
nem daria a mínima para os tais argumentos. E o pior é que aquele atendente tinha
razão. Passados tantos anos, não se tem notícia do que foi decidido pelo SMTT.
O amigo ficou tão
ofendido que pensou em apelar para o judiciário. Mas lembrou de seu problema
cardíaco; pensou na contrariedade que seria relembrar, em audiências, a ofensa
recebida. Assim é que, embora
reconhecendo a necessidade de lutar pelo direito, tão bem esclarecida pelo
jurista alemão Rudolf von Ihering, em seu “A Luta Pelo Direito”, sentiu que seu
problema de saúde falava mais alto e resolveu não iniciar uma demanda judicial.
Pagou para esquecer. Mas o pior é que
não esqueceu; tanto é que permitiu que aqui
registrasse seu protesto.
Não são poucos os casos
dos que procuram burlar a lei de proteção aos idosos. E não fica restrito aos
órgãos do governo. Já comentei, em textos aqui publicados, a má vontade envolvendo alguns
comerciantes: especialmente no que diz respeito a prioridade no atendimento. Relembro agora o caso de estabelecimentos comerciais que colocam nos caixas
especiais para idosos os funcionários em treinamento, com pouca experiência, o
que provoca atrasos no atendimento das pessoas protegidas pela lei.
Embora esse fato tenha
acontecido há alguns anos, e que pequenas mudanças já ocorreram, fica aqui mais
um registro, na esperança de que as autoridades pensem sobre isto e que façam
prevalecer as prerrogativas legais que amparam os idosos.
Aracaju, 23/04/2024
Beto Déda