quinta-feira, 27 de junho de 2019


Tardes de verão e o açude de Simão Dias...

Neste último final de semana, ao ler minhas lembranças sobre o campinho de peladas próximo à Ladeira de Roque e de minhas façanhas na ponte de Mário de Eliseu, uma de minhas queridas sobrinhas me fez uma indagação importante:

- “Então, tio Beto, suas brincadeiras de garoto não ficavam circunscritas à Praça de São João?”

Pensei um pouco antes de responder, avaliando o alcance da pergunta da graciosa sobrinha e me lembrei de outra indagação que me fora feita pela Professora Judite, diretora do Ginásio Jackson de Figueiredo, daqui de Aracaju, no final dos anos 50.

Em uma das férias de fim de ano, D. Judite e Professor Benedito foram passar uns dias em Caldas do Jorro, uma estância hidromineral baiana, no município de Tucano. E na viagem de volta passaram por Simão Dias, logo depois da hora do almoço, no início de uma tarde quente de verão, quando a cidade apresentava aquele aspecto de sonolência.

Era justamente nesta hora que as ruas ficavam quase desertas, porque o calor provocado pelo sol forte forçava as pessoas ficarem em casa: os mais velhos procuravam um local mais ventilado para uma tranquila madorna em uma rede ou cadeira preguiçosa; enquanto os mais jovens se dedicavam a brincadeiras que não perturbassem o sossego dos que descansavam.

O fato é que os professores ficaram curiosos, estranhando as ruas estreitas e desertas que davam à minha cidade um aspecto de sonolência e tristeza.

Então, quando começou o ano letivo, D. Judite falou-me que tinha conhecido minha terra e fez-me uma indagação mais ou menos nas seguintes palavras:

- Passei por sua cidade, olhei a quietude das ruas estreitas e fiquei a pensar na triste monotonia daquele povo. Como e onde vocês se divertem ali?

Olhei bem para ela e para o Professor Benedito, que estava ao lado, então respondi – usando o palavreado simples de garoto, repetindo uma lição que recebi de meu pai – que as pessoas do interior, diante das dificuldades, usam sempre a imaginação para se divertir e descobre um montão de brincadeiras em coisas simples, transformando tudo em alegria, sensação que sobeja nos meninos e meninas de minha terra. Aliás, uma primazia que se estende a todos que vivem no interior.

Os saudosos diretores trocaram olhares esboçando um alegre sorriso, daqueles que nos animam por parecerem elogiar. E balançaram a cabeça a indicar que concordavam com o que dizemos. Esta passagem permanece em minha mente até hoje.

Contei este fato a minha sobrinha, para justificar que embalados pela criatividade eu e meus colegas espraiamos nossas peraltices por toda a cidade. Certamente a maioria das recordações abrange a Praça de São João e os arredores da Rua dos Ribeiros, local da residência de meus pais e onde nasci.

Mas é bom esclarecer que a Simão Dias de meus tempos de criança não era tão grande. Basta lembrar que alguns lugares que naquela época eram matas e pastagens, onde caçávamos passarinhos, pescávamos lambaris e colhíamos frutas, hoje são bairros residenciais.

Procurávamos diversão em todos os cantos: na cidade e seus arredores.

Nas manhãs dos domingos de verão, depois de disputarmos uma boa pelada no gramado José Barreto, no Bairro Bonfim, íamos até o açude tomar banho em um poço que denominávamos “Mariquita”, que ficava em lado oposto ao local onde as lavadeiras trabalhavam.



No açude, junto ao paredão que represava a água, tinha uma cobertura com bancas para lavagem de roupas. Naquele tempo as lavadeiras pegavam as trouxas de roupas nas casas das famílias para lavarem no açude.  À noite, era comum ver as lavadeiras passarem pelas ruas da cidade equilibrando grandes trouxas de roupas na cabeça.

Na época não existia água encanada e os reservatórios (porrões) não davam para lavar as roupas em casa. Os porrões eram abastecidos com água do Açude e do Tanque Novo, fornecidas por aguadeiros que guiavam comboios de jegues, transportando água em barris ou grandes latas de querosene (marca “jacaré”).  Lembro-me de um dos aguadeiros que conduzia os jegues solfejando músicas conhecidas. Se não me engano era chamado de “Aguadeiro Corró”. Ele fazia isso soprando uma folha da planta fícus benjamina entre os dentes. Assoviava e musicava admiravelmente. Era um moço negro, baixo, gordinho, que causava simpatia e admiração. A garotada tentava imitá-lo usando a folha de fico na tentativa de assoviar.

Recordo-me também da época do ano que vicejavam as frutinhas araçás mirins nas terras que margeiam o açude.  Era o tempo em que a garotada, meninos e meninas, nas tardes de domingo, íamos até o açude colher as frutas miúdas e amarelinhas.



A diversão era saborear as gostosas araçás e juntá-las em pequenas capangas ou em cestinhas de vime.

Lembro-me ainda de uma garota travessa e criativa que, não tendo a vasilha para colheita, usava a própria saia para acondicionar as frutinhas.

E ao segurar a saia suspensa em forma de saco, notando que estávamos observando seus movimentos, ela fingia que não nos via e elevava graciosamente a saia, de modo a deixar aparecer suas roliças coxas.  

Era um espetáculo lindo e inesquecível. E não faltavam os sonoros assobios:  fiu...fiu!  

Aracaju, 27/06/2019
Beto Déda