Tardes de verão e o açude de Simão Dias...
Neste último final de
semana, ao ler minhas lembranças sobre o campinho de peladas próximo à Ladeira
de Roque e de minhas façanhas na ponte de Mário de Eliseu, uma de minhas
queridas sobrinhas me fez uma indagação importante:
-
“Então, tio Beto, suas brincadeiras de garoto não ficavam circunscritas à Praça
de São João?”
Pensei um pouco antes
de responder, avaliando o alcance da pergunta da graciosa sobrinha e me lembrei
de outra indagação que me fora feita pela Professora Judite, diretora do
Ginásio Jackson de Figueiredo, daqui de Aracaju, no final dos anos 50.
Em uma das férias de
fim de ano, D. Judite e Professor Benedito foram passar uns dias em Caldas do
Jorro, uma estância hidromineral baiana, no município de Tucano. E na viagem de
volta passaram por Simão Dias, logo depois da hora do almoço, no início de uma
tarde quente de verão, quando a cidade apresentava aquele aspecto de
sonolência.
Era justamente nesta hora que as ruas ficavam quase desertas,
porque o calor provocado pelo sol forte forçava as pessoas ficarem em casa: os
mais velhos procuravam um local mais ventilado para uma tranquila madorna em
uma rede ou cadeira preguiçosa; enquanto os mais jovens se dedicavam a
brincadeiras que não perturbassem o sossego dos que descansavam.
O fato é que os
professores ficaram curiosos, estranhando as ruas estreitas e desertas que
davam à minha cidade um aspecto de sonolência e tristeza.
Então, quando começou o
ano letivo, D. Judite falou-me que tinha conhecido minha terra e fez-me uma
indagação mais ou menos nas seguintes palavras:
-
Passei por sua cidade, olhei a quietude das ruas estreitas e fiquei a pensar na
triste monotonia daquele povo. Como e onde vocês se divertem ali?
Olhei bem para ela e para
o Professor Benedito, que estava ao lado, então respondi – usando o palavreado
simples de garoto, repetindo uma lição que recebi de meu pai – que as pessoas
do interior, diante das dificuldades, usam sempre a imaginação para se divertir
e descobre um montão de brincadeiras em coisas simples, transformando tudo em
alegria, sensação que sobeja nos meninos e meninas de minha terra. Aliás, uma primazia
que se estende a todos que vivem no interior.
Os saudosos diretores
trocaram olhares esboçando um alegre sorriso, daqueles que nos animam por
parecerem elogiar. E balançaram a cabeça a indicar que concordavam com o que dizemos.
Esta passagem permanece em minha mente até hoje.
Contei este fato a
minha sobrinha, para justificar que embalados pela criatividade eu e meus
colegas espraiamos nossas peraltices por toda a cidade. Certamente a maioria
das recordações abrange a Praça de São João e os arredores da Rua dos Ribeiros,
local da residência de meus pais e onde nasci.
Mas é bom esclarecer
que a Simão Dias de meus tempos de criança não era tão grande. Basta lembrar que
alguns lugares que naquela época eram matas e pastagens, onde caçávamos passarinhos,
pescávamos lambaris e colhíamos frutas, hoje são bairros residenciais.
Procurávamos diversão
em todos os cantos: na cidade e seus arredores.
Nas manhãs dos domingos
de verão, depois de disputarmos uma boa pelada no gramado José Barreto, no
Bairro Bonfim, íamos até o açude tomar banho em um poço que denominávamos
“Mariquita”, que ficava em lado oposto ao local onde as lavadeiras trabalhavam.
No açude, junto ao
paredão que represava a água, tinha uma cobertura com bancas para lavagem de
roupas. Naquele tempo as lavadeiras pegavam as trouxas de roupas nas casas das
famílias para lavarem no açude. À noite,
era comum ver as lavadeiras passarem pelas ruas da cidade equilibrando grandes
trouxas de roupas na cabeça.
Na época não existia
água encanada e os reservatórios (porrões) não davam para lavar as roupas em
casa. Os porrões eram abastecidos com água do Açude e do Tanque Novo,
fornecidas por aguadeiros que guiavam comboios de jegues, transportando água em
barris ou grandes latas de querosene (marca “jacaré”). Lembro-me de um dos aguadeiros que conduzia
os jegues solfejando músicas conhecidas. Se não me engano era chamado de “Aguadeiro Corró”. Ele fazia isso soprando
uma folha da planta fícus benjamina
entre os dentes. Assoviava e musicava admiravelmente. Era um moço negro, baixo,
gordinho, que causava simpatia e admiração. A garotada tentava imitá-lo usando a
folha de fico na tentativa de assoviar.
Recordo-me também da
época do ano que vicejavam as frutinhas araçás mirins nas terras que margeiam o
açude. Era o tempo em que a garotada, meninos
e meninas, nas tardes de domingo, íamos até o açude colher as frutas miúdas e amarelinhas.
A diversão era saborear
as gostosas araçás e juntá-las em pequenas capangas ou em cestinhas de vime.
Lembro-me ainda de uma
garota travessa e criativa que, não tendo a vasilha para colheita, usava a própria saia para
acondicionar as frutinhas.
E ao segurar a saia suspensa em forma de saco,
notando que estávamos observando seus movimentos, ela fingia que não nos via e
elevava graciosamente a saia, de modo a deixar aparecer suas roliças
coxas.
Era um espetáculo lindo e
inesquecível. E não faltavam os sonoros assobios: fiu...fiu!
Aracaju,
27/06/2019
Beto
Déda
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