Simão
Dias e as rumbeiras do circo.
O
boato de ontem: tal e qual o “Fake News”
de hoje.
Muitas são as histórias
curiosas sobre os circos que passaram por minha terra natal. Algumas delas são
fatos que realmente aconteceram e ficaram marcados em minha memória.
Era comum, naquela
época, nossa cidade ser visitada por circos de grande, médio e pequeno porte.
Já comentei por aqui a passagem do Circo
Nerino, com deslumbrantes espetáculos ainda hoje lembrados por conterrâneos
que viveram aqueles dias.
Nesta semana
lembrei-me, e comentei com pessoas próximas, um causo que aconteceu com um
pequeno circo que armou sua gasta empanada no bairro Bonfim de Baixo, na antiga
Praça Nicanor Leal, nas proximidades do local onde hoje tem uma quadra de
futebol de salão. Foi um acontecimento chistoso envolvendo esperteza e malícia
do homem encarregado da propaganda do circo.
Com uma modesta lista
de espetáculos, a grande atração do circo era a apresentação de rumbeiras. As garotas sabiam realmente dançar a rumba e
mostrar seus dotes físicos usando os trajes exigidos para demonstrar o
acentuado sensualismo do ritmo da dança afro-cubana.
Uma das rumbeiras
cativava os pensamentos dos jovens simãodienses, não só pelo trejeito na dança,
como também por sua sensualidade, sua beleza morena, brejeira, de coxas
roliças, quadris proporcionais, bunda maravilhosamente saliente e busto
escultural. Era uma daquelas beldades de deixar o queixo caído até o do mais
presunçoso dos jovens daquela época.
A verdade é que, nos primeiros
dias, aquele circo recebeu uma razoável plateia. Mas no final do sexto
espetáculo, o gerente financeiro circense percebeu que a reduzia grana que
ficava na bilheteria não justificava a continuidade dos trabalhos em nossa
cidade. O número de espectadores se reduzira a um minguado grupo de admiradores
das rumbeiras e aos garotos que tinham entrada franca por acompanharem o
palhaço pelas ruas da cidade, batendo pedras e fazendo coro aos anúncios das
atrações de cada espetáculo. Um fracasso inconteste.
Para realizar a última
apresentação, o responsável pela divulgação do circo bolou uma estratégia
sórdida, ardilosa mesmo, de modo a proporcionar a presença de um considerável
público e de abarrotar a bilheteria com grana fácil. Seu plano era divulgar um
boato chamariz para reforçar as gavetas da bilheteria. Planejava uma mentira a
ser divulgada boca a boca para estimular a presença dos espectadores; tudo nos
moldes que os patifes usam hoje nas redes sociais e foi utilizado nas eleições
para Presidente da República em 2018, com a denominação de “FAKE
NEWS”, expressão em inglês que em tradução livre significa notícia
falsa.
Pois bem. Apresentado
com detalhes, o plano foi aprovado e posto em prática na antevéspera do
prematuro encerramento das apresentações do circo. O embusteiro procurou os
pontos principais da cidade, onde os boatos tomavam tamanhos e se espalhavam
pela cidade: no entorno das mesas de sinucas e nas cadeiras de espera das
barbearias. Justo naqueles locais, ele aproximou-se de conhecidos boateiros e
deu a entender que o último espetáculo do circo seria exclusivamente para
homens, porque as rumbeiras apresentariam um show especial. Coisa bonita,
sensual e só pra homem ver.
Foi um prato feito para
os que apreciavam a divulgação de boatos.
(E aqui eu faço uma
pausa e indago aos meus botões: - Quem
eram eles? Os boateiros... Quem? Quem? Deixa pra lá!)
O plano deu certo. A
notícia do show especial para homens se propagou com a velocidade do vento.
Logo era o assunto principal das centenas de operários nas fábricas de calçados
da cidade – que não eram poucas – a Sidon,
de meu tio Paulo Déda, a Marise de
Jason Gois, a Elenalda de Juca Baeta,
a Saturnino de Seu Zezé, a tenda de
Seu Zé Cágado e outras casas de fabrico de sandálias chiquitas. Do mesmo modo aconteceu nas alfaiatarias, entre os
comerciários, os funcionários públicos e também outros trabalhadores da Rua da
Feira. E todos falavam e imaginavam que a principal rumbeira iria se despir
lentamente, peça por peça, enquanto dançava, de modo a deixar o pessoal
boquiaberto, babando.
À tarde do dia da
apresentação, o palhaço saiu às ruas anunciado as conhecidas atrações,
inclusive evidenciando os encantos das rumbeiras, sem, contudo, expressar
qualquer novidade sobre o que aconteceria no palco, nem sobre restrições à
entrada do circo. Mas, pelo tom que evidenciava a atuação das dançarinas, deixava
a entender que os boatos tinham um lastro de verdade.
O fato é que naquele
dia o circo esgotou os ingressos, com a plateia constituída exclusivamente por
homens. Não ficou uma cadeira vazia e, nas pranchas da geral, cada lugar foi
disputado aos empurrões. Muitos rapazes preferiram ficar em pé, procurando um
local próximo ao picadeiro. Estavam
ávidos para apreciarem a nudez da bailarina.
Começou o espetáculo
com as apresentações de estilo. Logo depois, quando chegou a hora das rumbeiras
e todos esperavam o monumental stripetease,
o gerente do circo apareceu no palco e com a postura de contrariedade, pegou o
microfone e iniciou um discurso penoso, dizendo-se surpreendido com aquela
plateia exclusivamente masculina e que soubera que um desairoso boato tinha
surgido na cidade, indicando que as rumbeiras se apresentariam desnudas. E com
a cara de choro, dizia-se vítima de um atentado e escarneceu da leviandade. Com
eloquência, afirmou que tinha sido covardemente apunhalado pela maledicência, vez
que o circo era sua família e as rumbeiras, suas filhas.
- Nunca – disse ele - nunca
mesmo permitiria tal aviltamento e baixaria no espetáculo circense, que era seu
lar.
Então, com a cara mais
deslavada do mundo, pedia compreensão da plateia para a “infâmia” divulgada por fofoqueiros!!!
E foi aplaudido com
palmas e assobios, iniciadas por um ajuntamento de ajudantes (mata-cachorros)
do circo, que se meteram no meio da plateia. Tudo então correu como programado.
E as rumbeiras
apresentaram a dança rebolando e ouvindo os aplausos da galera enganada.
Não demorou muito e
logo surgiram os apupos (vaias com gritos) de grande parte dos espectadores,
liderados pela turma de um rapaz forte, conhecido pelo apelido de “Fedô Horríve”, que transportava
mercadorias para as barracas da feira. Inconformado por ter sido enganado e puto
da vida por não presenciar a nudez da famosa artista, ele gritava – e era
acompanhado por sua turma rebelada – repetindo um slogan conhecido, já adotado
em situação de engodo em casa de distração de nossa cidade:
- “Meu dinheiro está no fogo e o gerente do circo é um manhoso!”
Aracaju, 27/08/2019.
Beto Déda
Nenhum comentário:
Postar um comentário