quarta-feira, 28 de agosto de 2019



Simão Dias e as rumbeiras do circo.
O boato de ontem: tal e qual o “Fake News” de hoje.

Muitas são as histórias curiosas sobre os circos que passaram por minha terra natal. Algumas delas são fatos que realmente aconteceram e ficaram marcados em minha memória.

Era comum, naquela época, nossa cidade ser visitada por circos de grande, médio e pequeno porte. Já comentei por aqui a passagem do Circo Nerino, com deslumbrantes espetáculos ainda hoje lembrados por conterrâneos que viveram aqueles dias.

Nesta semana lembrei-me, e comentei com pessoas próximas, um causo que aconteceu com um pequeno circo que armou sua gasta empanada no bairro Bonfim de Baixo, na antiga Praça Nicanor Leal, nas proximidades do local onde hoje tem uma quadra de futebol de salão. Foi um acontecimento chistoso envolvendo esperteza e malícia do homem encarregado da propaganda do circo.

Com uma modesta lista de espetáculos, a grande atração do circo era a apresentação de rumbeiras.  As garotas sabiam realmente dançar a rumba e mostrar seus dotes físicos usando os trajes exigidos para demonstrar o acentuado sensualismo do ritmo da dança afro-cubana.

Uma das rumbeiras cativava os pensamentos dos jovens simãodienses, não só pelo trejeito na dança, como também por sua sensualidade, sua beleza morena, brejeira, de coxas roliças, quadris proporcionais, bunda maravilhosamente saliente e busto escultural. Era uma daquelas beldades de deixar o queixo caído até o do mais presunçoso dos jovens daquela época.

A verdade é que, nos primeiros dias, aquele circo recebeu uma razoável plateia. Mas no final do sexto espetáculo, o gerente financeiro circense percebeu que a reduzia grana que ficava na bilheteria não justificava a continuidade dos trabalhos em nossa cidade. O número de espectadores se reduzira a um minguado grupo de admiradores das rumbeiras e aos garotos que tinham entrada franca por acompanharem o palhaço pelas ruas da cidade, batendo pedras e fazendo coro aos anúncios das atrações de cada espetáculo. Um fracasso inconteste.

Para realizar a última apresentação, o responsável pela divulgação do circo bolou uma estratégia sórdida, ardilosa mesmo, de modo a proporcionar a presença de um considerável público e de abarrotar a bilheteria com grana fácil. Seu plano era divulgar um boato chamariz para reforçar as gavetas da bilheteria. Planejava uma mentira a ser divulgada boca a boca para estimular a presença dos espectadores; tudo nos moldes que os patifes usam hoje nas redes sociais e foi utilizado nas eleições para Presidente da República em 2018, com a denominação de “FAKE NEWS”, expressão em inglês que em tradução livre significa notícia falsa.

Pois bem. Apresentado com detalhes, o plano foi aprovado e posto em prática na antevéspera do prematuro encerramento das apresentações do circo. O embusteiro procurou os pontos principais da cidade, onde os boatos tomavam tamanhos e se espalhavam pela cidade: no entorno das mesas de sinucas e nas cadeiras de espera das barbearias. Justo naqueles locais, ele aproximou-se de conhecidos boateiros e deu a entender que o último espetáculo do circo seria exclusivamente para homens, porque as rumbeiras apresentariam um show especial. Coisa bonita, sensual e só pra homem ver.

Foi um prato feito para os que apreciavam a divulgação de boatos.

(E aqui eu faço uma pausa e indago aos meus botões: - Quem eram eles? Os boateiros... Quem? Quem? Deixa pra lá!)

O plano deu certo. A notícia do show especial para homens se propagou com a velocidade do vento. Logo era o assunto principal das centenas de operários nas fábricas de calçados da cidade – que não eram poucas – a Sidon, de meu tio Paulo Déda, a Marise de Jason Gois, a Elenalda de Juca Baeta, a Saturnino de Seu Zezé, a tenda de Seu Zé Cágado e outras casas de fabrico de sandálias chiquitas. Do mesmo modo aconteceu nas alfaiatarias, entre os comerciários, os funcionários públicos e também outros trabalhadores da Rua da Feira. E todos falavam e imaginavam que a principal rumbeira iria se despir lentamente, peça por peça, enquanto dançava, de modo a deixar o pessoal boquiaberto, babando.

À tarde do dia da apresentação, o palhaço saiu às ruas anunciado as conhecidas atrações, inclusive evidenciando os encantos das rumbeiras, sem, contudo, expressar qualquer novidade sobre o que aconteceria no palco, nem sobre restrições à entrada do circo. Mas, pelo tom que evidenciava a atuação das dançarinas, deixava a entender que os boatos tinham um lastro de verdade.  

O fato é que naquele dia o circo esgotou os ingressos, com a plateia constituída exclusivamente por homens. Não ficou uma cadeira vazia e, nas pranchas da geral, cada lugar foi disputado aos empurrões. Muitos rapazes preferiram ficar em pé, procurando um local próximo ao picadeiro.  Estavam ávidos para apreciarem a nudez da bailarina.

Começou o espetáculo com as apresentações de estilo. Logo depois, quando chegou a hora das rumbeiras e todos esperavam o monumental stripetease, o gerente do circo apareceu no palco e com a postura de contrariedade, pegou o microfone e iniciou um discurso penoso, dizendo-se surpreendido com aquela plateia exclusivamente masculina e que soubera que um desairoso boato tinha surgido na cidade, indicando que as rumbeiras se apresentariam desnudas. E com a cara de choro, dizia-se vítima de um atentado e escarneceu da leviandade. Com eloquência, afirmou que tinha sido covardemente apunhalado pela maledicência, vez que o circo era sua família e as rumbeiras, suas filhas.

- Nunca – disse ele - nunca mesmo permitiria tal aviltamento e baixaria no espetáculo circense, que era seu lar. 

Então, com a cara mais deslavada do mundo, pedia compreensão da plateia para a “infâmia” divulgada por fofoqueiros!!!

E foi aplaudido com palmas e assobios, iniciadas por um ajuntamento de ajudantes (mata-cachorros) do circo, que se meteram no meio da plateia. Tudo então correu como programado.

E as rumbeiras apresentaram a dança rebolando e ouvindo os aplausos da galera enganada.

Não demorou muito e logo surgiram os apupos (vaias com gritos) de grande parte dos espectadores, liderados pela turma de um rapaz forte, conhecido pelo apelido de “Fedô Horríve, que transportava mercadorias para as barracas da feira. Inconformado por ter sido enganado e puto da vida por não presenciar a nudez da famosa artista, ele gritava – e era acompanhado por sua turma rebelada – repetindo um slogan conhecido, já adotado em situação de engodo em casa de distração de nossa cidade:

- “Meu dinheiro está no fogo e o gerente do circo é um manhoso!”

Aracaju, 27/08/2019.
Beto Déda