A ZABUMBA DE TERTO MANGUEIRA E A PROMESSA DE "CAÇULA
BÊBA".
Disse-me uma amiga de Simão Dias que um
estudante, seu colega, estava fazendo um estudo sobre as bandas de pífanos e
indagou-me se eu conhecera alguma. Conheci e lembro-me bem de uma delas. Só que tem um detalhe, nos
velhos tempos, em nossa terra, elas eram conhecidas como zabumbas. Compreendiam
um instrumental composto por um bombo (zabumba), uma caixa de percussão e duas
gaitas feitas de taboca ou bambu. Pífano é o apelido que dão às nossas gaitas (das
quais o meu cunhado era tocador e fazia recital, conforme já
mencionei e apresentei vídeo no facebook !!!!!).
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A Praça de São João em Simão Dias (Foto Beto Déda-1989) |
Aparecia por lá o Seu Antônio, com seu
gorrinho e avental azul-marinho, vendendo quebra-queixo, com seus sonoros
gritos: “Olha o quebra-queixo da Bahia! Tá melhor do que ontem”. E apoiava o
tabuleiro de zinco em um tripé e cortava o doce grudento em pequenas talhadas. Para
cada pedaço que vendia por moedas de quinhentos reis (com efígie de Getúlio)
ele dava o nome de um peixe que se pescava no Tanque Novo ou no Riacho Caiçá: o
corte fino era chamado de “traíra” e o pedaço gordinho apelidava de “corró”.
Também aos domingos, invariavelmente,
passava pela Rua dos Ribeiros e pelo Parque a Dona Maria Itabaiana, com um
tabuleiro repleto de cocada de variados sabores e cores: branca, preta,
alaranjada e cocada-puxa.
Só em me lembrar delas fico com
água na boca. Uma delícia!
Logo depois, quando sol começava a
esfriar, para nossa alegria, surgia a Zabumba de Terto Mangueira, um senhor
moreno, alto e simpático. E na Praça de São João todos apareciam para se
admirarem com o formidável som do instrumental caboclo. Mestre Terto, batendo o
bombo, cadenciava a zabumba; Tonho de Filomena batia a caixa, enquanto Zé Dicuri
e Timbira do Pife tocavam gaita e dançavam.
A
Zabumba do Mestre Terto era presença certa em muitos folguedos da época e
sempre acompanhava as procissões de pagamento de promessa.
Lembro-me agora que acompanhei uma
dessas procissões que contou com a participação da Zabumba do Mestre Terto.
A procissão aconteceu como pagamento de
uma promessa feita por Caçula, mulher do Broco da Usina. Na minha visão de garoto, Caçula era uma
senhora simpática, de rosto comprido, sobrancelhas altas, com faces rubras e
beiços meio carcomidos, pintados com batom bem vermelho. O cabelo era curto, meio
ruivo e encaracolado, e usava brincos grandes e vistosos, descendo pelo pescoço
comprido. Os olhos eram miúdos e avermelhados e as sobrancelhas altas. (E aqui
pra nós, hoje, quando vejo a fotografia da genial economista portuguesa Profª. Maria
da Conceição Tavares minhas lembranças se voltam pra Caçula do Broco, feições muitos
parecidas – aliás, a única semelhança entre ambas –, embora a nossa conterrânea
apresentasse evidentes sinais de sua amargurada vida).
Mas vamos ao caso. A Caçula gostava de uma pinga. Das puras era
o que ela mais consumia; o pileque ficava mais barato. Passou a ser conhecida
pela meninada como "Caçula Bêba”. Puxava fogo e rodava a saia. Quando sóbria
confidenciava que tomava birita por duas razões: primeiro porque gostava realmente
de pinga, e, segundo, porque o pileque servia de paliativo aos seus dissabores,
fortalecendo-a para aturar os chamegos do Broco da Usina. Inveterou na cana e
se viu em apuros. Por fim, cansada dos percalços do vício, fez uma promessa
para deixar a bebida. E realmente deixou.
A promessa era organizar uma procissão e
participar de uma missa no povoado Cachimbo. E ela cumpriu.
Foi realizada a procissão com
acompanhamento de muitas pessoas e ao som da Zabumba do Mestre Terto. Eu acompanhei
o cortejo, segurando na mão de minha tia Nice Enfermeira, atento ao som da
gaita de Zé Dicuri e ao toque ritmado da zabumba.
Não esqueço o semblante de Caçula, com um
véu cobrindo suas curtas madeixas, toda contraída, rezando e agradecendo por
ter deixado a “marvada” pinga.
...
Mas há controvérsia sobre este desfecho.
Liderados por Bilau Língua de Trapo, os de pouca fé diziam ter visto, dias
depois, Caçula fazendo beicinho, emborcando a branquinha, babando, rodando a
saia e, com os olhos miúdos e vermelhos, tecendo loas à Zabumba do Mestre Terto
e prometendo organizar nova procissão.
Aracaju,
29/04/2016
BETO DÉDA