sexta-feira, 29 de abril de 2016


A ZABUMBA DE TERTO MANGUEIRA E A PROMESSA DE "CAÇULA BÊBA".
 
Disse-me uma amiga de Simão Dias que um estudante, seu colega, estava fazendo um estudo sobre as bandas de pífanos e indagou-me se eu conhecera alguma. Conheci e lembro-me bem de uma delas. Só que tem um detalhe, nos velhos tempos, em nossa terra, elas eram conhecidas como zabumbas. Compreendiam um instrumental composto por um bombo (zabumba), uma caixa de percussão e duas gaitas feitas de taboca ou bambu. Pífano é o apelido que dão às nossas gaitas (das quais o meu cunhado era tocador e fazia recital, conforme já mencionei e apresentei vídeo no facebook !!!!!).
   A Praça de São João em Simão Dias (Foto Beto Déda-1989)
 
Pois bem, nos meus tempos de criança, nas tardes de domingo, os adultos tiravam uma boa soneca em redes, cadeiras de balanço ou espreguiçadeiras, conhecidas como preguiçosas.  Enquanto isso, a meninada aguardava a chegada dos vendedores ambulantes de doces, que regularmente passavam pela Praça de São João.
Aparecia por lá o Seu Antônio, com seu gorrinho e avental azul-marinho, vendendo quebra-queixo, com seus sonoros gritos: “Olha o quebra-queixo da Bahia! Tá melhor do que ontem”. E apoiava o tabuleiro de zinco em um tripé e cortava o doce grudento em pequenas talhadas. Para cada pedaço que vendia por moedas de quinhentos reis (com efígie de Getúlio) ele dava o nome de um peixe que se pescava no Tanque Novo ou no Riacho Caiçá: o corte fino era chamado de “traíra” e o pedaço gordinho apelidava de “corró”.
Também aos domingos, invariavelmente, passava pela Rua dos Ribeiros e pelo Parque a Dona Maria Itabaiana, com um tabuleiro repleto de cocada de variados sabores e cores: branca, preta, alaranjada e cocada-puxa.
Só em me lembrar delas fico com água na boca. Uma delícia!
Logo depois, quando sol começava a esfriar, para nossa alegria, surgia a Zabumba de Terto Mangueira, um senhor moreno, alto e simpático. E na Praça de São João todos apareciam para se admirarem com o formidável som do instrumental caboclo. Mestre Terto, batendo o bombo, cadenciava a zabumba; Tonho de Filomena batia a caixa, enquanto Zé Dicuri e Timbira do Pife tocavam gaita e dançavam.
 A Zabumba do Mestre Terto era presença certa em muitos folguedos da época e sempre acompanhava as procissões de pagamento de promessa.
Lembro-me agora que acompanhei uma dessas procissões que contou com a participação da Zabumba do Mestre Terto.
A procissão aconteceu como pagamento de uma promessa feita por Caçula, mulher do Broco da Usina.  Na minha visão de garoto, Caçula era uma senhora simpática, de rosto comprido, sobrancelhas altas, com faces rubras e beiços meio carcomidos, pintados com batom bem vermelho. O cabelo era curto, meio ruivo e encaracolado, e usava brincos grandes e vistosos, descendo pelo pescoço comprido. Os olhos eram miúdos e avermelhados e as sobrancelhas altas. (E aqui pra nós, hoje, quando vejo a fotografia da genial economista portuguesa Profª. Maria da Conceição Tavares minhas lembranças se voltam pra Caçula do Broco, feições muitos parecidas – aliás, a única semelhança entre ambas –, embora a nossa conterrânea apresentasse evidentes sinais de sua amargurada vida).
Mas vamos ao caso.  A Caçula gostava de uma pinga. Das puras era o que ela mais consumia; o pileque ficava mais barato. Passou a ser conhecida pela meninada como  "Caçula Bêba”. Puxava fogo e rodava a saia. Quando sóbria confidenciava que tomava birita por duas razões: primeiro porque gostava realmente de pinga, e, segundo, porque o pileque servia de paliativo aos seus dissabores, fortalecendo-a para aturar os chamegos do Broco da Usina. Inveterou na cana e se viu em apuros. Por fim, cansada dos percalços do vício, fez uma promessa para deixar a bebida. E realmente deixou.
A promessa era organizar uma procissão e participar de uma missa no povoado Cachimbo. E ela cumpriu.
Foi realizada a procissão com acompanhamento de muitas pessoas e ao som da Zabumba do Mestre Terto. Eu acompanhei o cortejo, segurando na mão de minha tia Nice Enfermeira, atento ao som da gaita de Zé Dicuri e ao toque ritmado da zabumba.
Não esqueço o semblante de Caçula, com um véu cobrindo suas curtas madeixas, toda contraída, rezando e agradecendo por ter deixado a “marvada” pinga.
...
Mas há controvérsia sobre este desfecho. Liderados por Bilau Língua de Trapo, os de pouca fé diziam ter visto, dias depois, Caçula fazendo beicinho, emborcando a branquinha, babando, rodando a saia e, com os olhos miúdos e vermelhos, tecendo loas à Zabumba do Mestre Terto e prometendo organizar nova procissão.
Aracaju, 29/04/2016
BETO DÉDA