Cavalgando, caindo e tomando conhaque
de alcatrão...
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Tio João Déda |
Recentemente tenho
dedicado parte dos fins de semana a ensinar meus netos e sobrinhos a andarem em
um bonito cavalo mestiço da raça pônei/piquira, que dei o nome de “Guri”. A
alegria deles fez-me lembrar do meu tempo de criança, quando tio João Déda me
ensinou a cavalgar. Aliás, foi ele quem ensinou muitos sobrinhos a andar a
cavalo. Pois bem, aos domingos, cedinho, lá estava eu na casa dele, tentando
acompanhá-lo em passeio ao povoado “Pau de Leite”, onde ele tinha uma pequena
propriedade, chamada “Candeal”. O bom
tio não resistia ao meu olhar pidão e lá íamos, cavalgando alegremente, eu, ele
e o primo Armando.
A feira do “Pau de Lei”
acontecia aos domingos, era onde merendávamos um amanteigado bolachão de canela com caldo de cana e o
meu tio tomava uma dose de uma bebida chamada “Rabo de Galo” e cheirava um rapé, torrado por Maria Pixilim, que
tirava de um corrimboque (tabaqueira feita da ponta de boi). Nas bodegas daquela região era costume presenciar alguém lendo em voz alta o jornal “A Semana”, sendo ouvido por outras pessoas. Eu me alegrava com aquilo e vez por outra me deparava com algum freguês que, na sábado, comprava-me jornal avulso. Eu era o jornaleiro do semanário editado por meu pai.
Voltávamos à tarde e tia Pequena nos aguardava
com um gostoso de almoço. Lembro-me que em um domingo meu tio indagou-me se
gostava de feijão preto (seria servida uma feijoada). Respondi prontamente:
Tio João ensinando Olívia Déda a cavalgar
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- Gosto sim, mas tem um problema...
- Que problema? Interrompeu-me, sorrindo.
- É que fica difícil saber quando uma mosca
cai no prato, porque a cor dela se confunde com o feijão.
Respondi meio encabulado.
Minha resposta provocou
em meu tio uma larga risada, compartilhada por todos ali presentes. Ainda hoje parece que vejo seu modo de sorrir.
Inesquecível mesmo...
Quando não participávamos
da cavalgada, cuidávamos de levar os cavalos para a malhada de Dr. Salustino,
que ficava logo depois do posto fiscal e da ponte sobre o riacho Caiçá, na
estrada real Simão Dias-Paripiranga. Foi justamente num desses acontecimentos
que ruiu minha fama de bom montador de cavalo. Vou contar como aconteceu.
Em uma tarde de
domingo, esperamos a chegada de meu tio para levarmos os animais para a o sítio
de Dr. Salustino. Nesse dia lá estavam vários garotos, entre eles o primo Wellington
e nosso amigo Simão (diziam que seu
nome foi uma homenagem de seus pais à nossa cidade). O maior número de garotos impunha que cada cavalo levasse dois. Eu
montava um cavalo mangalarga e, na
garupa, ia o Simão, pouco afeito à
montaria. E lá fomos nós. Quando
chegamos em frente à malhada, o cavalo assustou-se com inesperada e
estridente buzina de uma caçamba que passava velozmente por perto. Com o
espanto do cavalo, o Simão desequilibrou-se, caiu, e como estava se segurando
em mim, levou-me também na queda. Bati com a cabeça em uma pedra e perdi os
sentidos. Lembro-me que aos poucos, como saísse do nada, ressuscitando, comecei
a ouvir vozes na escuridão: “Oi Beto,
acorda! Vejam, ele está acordando e olhando pra gente!. Saindo da
escuridão, eu olhava para baixo e começava a enxergar meus pés e a
ver a minha alpercata de sola e raspa de pneu, comum naquela época. Recobrei
os sentidos e, ainda meio tonto, fomos soltar os animais.
No caminho de volta,
passamos pelo riacho Caiçá para lavar as mãos, usando as frutinhas de uma
frondosa árvore ali existente, que chamávamos “Sabonete”, porque suas sementes
faziam espuma quando as esfregávamos nas mãos. Lavei minha cabeça, molhando bem
o local do ligeiro ferimento causado pela queda. Depois, por sugestão de
Wellington – que era o mais velho da turma – fomos a uma bodega da rua do
curral, procurar um lenitivo para minha tontura. O senhor que nos atendeu,
disse que não tinha “Melhoral” (o remédio do jingle: Melhoral, melhoral, é bom e não faz mal!). Então, o bodegueiro recomendou,
e eu tomei, um pouco de Conhaque de
Alcatrão de São João da Barra, indicado para curar todos os males. Com o
gole do conhaque minha tontura se agravou e os companheiros me levaram para casa.
Fui direto para cama, vomitando que nem um urubu novo, como dizia Haroldo. Mamãe
ficou aflita, chamaram Dr. Aguiar que recomendou minha tia Nice aplicar-me uma
injeção de Super-Glicose-A.
À noite, já um pouco
aliviado, recebi a visita de tio João que foi logo exclamando:
- Como aconteceu isso? Logo você, que eu
acreditava ser um dos melhores cavaleiros da turma!.
Para os familiares,
minha fama de bom montador tinha ido para o brejo. Não adiantaram minhas
justificativas de que fora o Simão que caiu e me levou com ele. Amargurei uma
longa quarentena sem poder andar a cavalo. Quando arriscava a pedir permissão a
papai, sempre ouvia a resposta negativa, lembrando a queda que levei. Meses
depois, diante de meus pedidos e das constantes justificativas de que fora
derrubado, o tio João resolveu reconsiderar. Disse-me, entretanto, que para
voltar a andar a cavalo teria que ter o consentimento de meu pai. Então, fui conversar
com ele. Contei com detalhes como aconteceu a queda e afirmei, insistentemente,
que eu era seguro na montaria. Não sei se foram meus argumentos, ou as
explicações que ele recebera anteriormente de meu tio, que o levaram a
consentir com meu pedido. Vibrei com a
resposta de papai e voltei a cavalgar, sem esquecer-me de aplicar, daquele dia
em diante, a lição duramente aprendida com o Simão: não permitir a parceria de
quem quer que fosse à garupa de meu cavalo. E com tio João e o primo Armando
continuamos fazendo inesquecíveis passeios...
São fatos que ficaram
registrados na minha memória de garoto e que voltam à lembrança como se fossem
hoje. E lembrá-los me deixa alegre e com saudade...
Aracaju,
08/10/2012
Beto
Déda