quarta-feira, 4 de novembro de 2015


O INESQUECÍVEL HUMOR DO HOMEM DE  ESVOAÇANTES CABELOS BRANCOS.

Esta semana estava limpando a sela do cavalo “Guri”, para meu neto galopar no próximo domingo. Ao passar o óleo  nos arreios, lembrei-me das selas mineiras feitas em Jequié e que o Seu Lapa mandava para Dr. Salustino.

O Lapa era um senhor branco, de meia estatura, bem humorado e que tinha um traço marcante: seus cabelos brancos esvoaçantes.

Conheci Seu Lapa, em 1975, quando fui trabalhar na agência do Banco do Nordeste na cidade baiana de Jequié. Justo no final daquele ano, eu recebi de meu cunhado, Aristides Souza, um antigo baú de madeira de lei, que foi transportado pelo caminhão do conterrâneo Antônio Nunes, pai do saudoso Deputado Federal Pedrinho Valadares.

O caminhão que transportara o baú estava estacionado em frente à casa que eu aluguei e passei a residir, na Rua Álvares Cabral, vizinha a uma clínica denominada Serviços Médicos de Jequié - Semeje.

Então apareceu aquele senhor risonho de cabelos brancos e indagou:
“- Vocês que são de lá (referia-se a Simão Dias, que ele notara na placa do caminhão), digam-me:

        Na Rua das Louceiras ainda fabricam louça?
        Na Rua da Lama ainda tem muita lama?

        Na Rua dos Buracos ainda tem a buracama?
        Na Rua do Mulungu ainda é a Rua do mulherio?

        E na Rua do Pinico ainda se largam muitos urinóis?”.

Diante de tais questionamentos não restou dúvida que era alguém que conhecia a boa terra de Senhora Santana.

Com seus cabelos brancos esvoaçantes, o senhor Lapa respondeu que não era de Simão Dias, mas que conhecia a cidade e lá tinha dois bons amigos: Dr. Salustino Neto e João Déda.


Disse-me que conheceu os nomes das ruas lendo um livro que lhe fora presentado por Dr. Salustino: “Simão Dias- Fragmentos de Sua História”. E demonstrou alegria ao saber que o livro tinha sido escrito por meu pai e que eu era sobrinho de João Déda.

Ficamos amigos e quando eu viajava a Simão Dias ele sempre tinha encomendas para os dois amigos. Ao Dr. Salustino ele mandava sempre uma boa sela mineira, fabricada por um famoso artesão que morava no bairro Jequiezinho. Para tio João Déda a lembrança era uma surpresa muito chistosa, própria de seu incomparável humor.

Lembro-me, agora, do saudoso tio João narrando os inesquecíveis presentes do Seu Lapa.

Dizia meu tio que certo dia, bem cedinho, ele estava no curral de sua malhada, que ficava na Rua do Alambique, tirando leite de uma vaca, sentado em um velho caixote de madeira, daqueles que vendiam barras de sabão pintado. Apareceram por lá o Dr. Salustino e o Seu Lapa. Conversaram muito e Lapa ficou admirado com o equilíbrio de tio João ao usar como assento o frágil caixote de madeira.
Lapa não esqueceu aquela cena engraçada. Aproveitou uma das passagens do caminhão de Dão Rodrigues por Jequié e mandou para o meu tio um presente sui generis: um banco medindo 4 metros de comprimento e um bilhete com quatro palavras: “Para João tirar leite”.

Por muito tempo meu tio conservou o “banquinho” na entrada de sua casa.
De outra feita, chega o caminhão em frente à tenda de meu tio e o Dão Rodrigues anuncia: “Encomenda do Seu Lapa, de Jequié, para Seu João Déda”.

E desceu uma grande caixa, medindo aproximadamente um metro cúbico.
A caixa não pesava. Tio João olhou desconfiado e pensou com seus botões: “é mais uma brincadeira do Lapa”.

Começou abrir a caixa. Dentro da primeira tinha outra caixa e mais outra, e mais outra e passou foi tempo tirando caixas da caixa. Ao fim, chega a uma caixinha em que tinha a lembrança: um pequeno canivete marca corneta, que meu bom tio adornou com um traçado de pelica e passou a usar, daquele dia em diante, preso ao cinturão...
E comigo guardo com alegria estas e outras lembranças dos três inesquecíveis amigos comuns: Lapa, tio João Déda e Dr. Salustino.

Aracaju, 04/11/2015
Beto Déda

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