quinta-feira, 4 de outubro de 2012


O BNB, o Cometa Kohoutek, a imprensa “marrom e o fim do mundo...

Recentemente, ao comentar sobre uma fotografia no facebook, o colega Moacir Néri usou o termo MODéda, o que me fez recordar do tempo que trabalhei no Banco do Nordeste do Brasil, órgão conhecido na região  como BNB(bê-ene-bê) e os seus funcionários eram chamados “benebeanos”. Diziam os colegas que eu tinha uma memória fotográfica, que conhecia com detalhes todos os clientes e que sabia decorado o Manual de Operações de Crédito do BACEN (MOBacen) e o Manual de Operações de Crédito Rural do BNB (MODERUR). Certamente era um comentário exagerado. Na verdade meu trabalho exigia sempre a leitura daqueles manuais, e isso e me dava um bom conhecimento das operações bancárias. Daí a razão de alguns colegas como o Moacir me apelidarem de MODéda.

Guardo boas recordações do tempo do BNB. E aqui vai uma delas. No ano de 1973 eu trabalhava em Simão Dias, minha terra natal, onde aconteceu um fato curioso que narro para conhecimento de minha querida neta Marina, que começa a decifrar meus escritos.


Foto do Cometa Kohoutek tirado em janeiro de 1974 e publicado pela Wikipédia-Enciclopédia livre 

No final daquele ano a imprensa mundial cuidava da notícia do Cometa KOHOUTEK, assim chamado em homenagem ao seu descobridor, o astrônomo checo Lubos Kohoutec. Anunciava-se que aquele seria o “cometa do século” e que apresentaria uma visão surpreendente, de beleza inigualável, seria um verdadeiro espetáculo celeste, bem maior do que aconteceu com o Cometa Halley, no início do século XX. A imprensa sensacionalista ou “marronzista” – como dizia o Odorico Paraguaçu, personagem de Dias Gomes – anunciava que o Kohoutek entraria em choque com a Terra e tudo explodiria. Seria o fim do mundo! Com sói acontecer, os delírios da imprensa marrom favoreceram os especuladores, e estes, pensando em maiores lucros, também propagavam com detalhes a suposta catástrofe, incentivando a ação precipitada dos crédulos.

Eu era o chefe do setor de crédito rural do BNB em Simão Dias, uma das maiores agências do polígono em financiamentos para agropecuária. Não esqueço um fato que ocorreu com uma cliente do município de Pinhão. Ela era uma senhora viúva que impunha respeito não só pela idade, mas também pelos princípios religiosos que defendia e pelo seu porte de trabalhadora incansável. Era uma cristã fervorosa que cuidava com muito esmero e honradez da educação de seus filhos e de sua pequena gleba rural. Certa manhã ela apareceu na agência e pediu-me para calcular o saldo devedor de seu financiamento de longo prazo, para efeito de pagamento antecipado.  Surpreendido, indaguei porque motivo pretendia pagar antecipadamente um financiamento resgatável em cinco anos, com juros fixos de 7% ao ano, sem qualquer outro encargo, cujas prestações, no futuro, seriam de valor insignificante.  E a senhora, olhando-me nos olhos, disse-me, mais ou menos, o seguinte: “Seu Beto, ouvi no rádio que o mundo vai acabar! Me disseram que ainda este mês uma tal estrela ‘corruteque’ vai cair na Terra e destruir tudo. Não quero ter o pecado de saber que vou morrer logo, deixando dívida. Uma boa crista não morre devendo. Vou vender tudo e pagar ao banco...”

Era o efeito da imprensa “marronzista” e de aproveitadores do Cometa Kohoutek influenciando uma crédula sertaneja. Foi preciso muita conversa e argumentos para convencer aquela honesta e inocente trabalhadora a evitar a venda de seus bens e antecipar pagamentos. Com muito esforço ela resolvera aguardar alguns dias, o que foi suficiente para desmascarar a falácia do Cometa e livrá-la de prejuízos. Pouco depois, foi divulgado que os cientistas já sabiam, com antecedência de mais de dois meses (desde outubro de 1973) que o Kohoutek não era nada daquilo que fantasiosamente publicavam. Tudo não passou da imaginação fértil da imprensa marrom e que repercutiu no pensamento religioso de uma lavradora do interior de Sergipe.

O Cometa do Século passou a ser conhecido como o “Fiasco Sideral do Século”. E os sertanejos, sem esconder o contentamento, diziam: “- O Cometa ‘corruteque’ deu chabu, broxou!”...

Aracaju, 28/09/2012

Beto Déda

 

2 comentários:

  1. Muito legal esta história meu caro Beto! Sua memória continua fantástica. Espero que você conte outras, principalmente envolvendo colegas do BNB dos idos de 1967 a 1972, período em que trabalhamos juntos na Agência de Simão Dias. Vou aguardar. Abr.

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    1. Bondade sua, amigo Amâncio. Contarei outras histórias oportunamente. Um abraço.

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