terça-feira, 17 de outubro de 2023

 


O dia do estudante, a queda da antiga ponte de Atalaia e meu discurso no pátio do colégio Jackson de Figueiredo.

 

Recentemente foi concluída a restauração da ponte Juscelino Kubistchek, sobre o Rio Poxim, que liga Aracaju à praia de Atalaia. A primeira parte da referida ponte foi inaugurada em 1958, no Governo de Leandro Maciel. Naquela ocasião o Presidente Kubistchek esteve em Aracaju, quando inaugurou a pista do Aeroporto. Mas, por questões políticas, não prestigiou a inauguração da ponte que levou seu nome.

A primeira ponte sobre o Rio Poxim foi construída em 1937, cuja estrada de piçarra ligava Aracaju à praia de Atalaia, local em que parte da elite aracajuana tinha suas casas de veraneio. Nos anos cinquenta, por questões estruturais, a antiga ponte ruiu.


Lembro-me que naquela época, no período de 1957 a 1960, eu era estudante interno do Ginásio Jackson de Figueiredo, dirigido pelos saudosos professores Benedito e Judite Oliveira. Foi justamente no final daquela década, quando comemorávamos a véspera do dia do estudante e foi mencionada a queda da antiga ponte, que vi encerrada minha vocação oratória naquele estabelecimento de ensino.

E passo a explicar o que realmente ocorreu.

Naquele tempo, era costume de D. Judite Oliveira reunir todos os alunos no pátio do colégio, antes do início das aulas, e fazer palestras instrutivas, do alto de um pódio, educando os alunos em práticas cívicas. E para estimular os discípulos, convocava alguns estudantes para discursar sobre datas relevantes. Em seguidas vezes ela me convocara para falar e eu prontamente atendia. Dava o recado, meio carente das regras de linguagem, mas com raciocínio que parecia agradar, e digo isto levando em conta as diversas vezes que fora chamado para discursar pela saudosa diretora.

Pois bem. Certa vez, na véspera da comemoração do feriado do dia do estudante, D. Judite fez alguns comentários em desmerecimento à suspensão das aulas naquele dia. E dizia ela que não se conformava com tantos feriados: dia do estudante, dia do funcionário público, dia do professor etc... E concluía informando que foi em decorrência de tantos feriados que a antiga ponte de Atalaia desmoronou.

Depois de mostrar sua indignação com os feriados, ela convocou-me a falar sobre o dia do estudante. Aí, então, eu não vacilei em defender feriado e, lamentando o dito pela diretora, esclareci que nada tínhamos contra as demais datas, mas que defendíamos com energia o dia dedicado aos estudantes. Ao dizer isto, a estudantada se manifestou aos gritos, apoiando-me. Foi um começo de baderna. E a diretora, puxou o paletó de minha farda e, ao meu ouvido, exclamou baixinho: “Basta! Pode encerrar!”

Não atendi, e falei em bom som, na altura permitida pelo serviço de alto-falante, que a diretora pedia para parar de falar, mas eu tinha a obrigação de concluir meu raciocínio, e disse que a queda da velha ponte não ocorreu por causa de feriados, mas por erro no cálculo estrutural do engenheiro que orientara a construção. E a turma não economizou aplausos. A diretora não gostou do que viu e ouviu.

O troco dessa minha irreverência não tardou. Duas semanas depois, me envolvi em outro protesto. Desta feita em sala de aula, envolvendo o Prof. Gesteira, que lecionava matemática.  Ele nos submeteu a uma prova, com quatro questões, uma das quais versava sobre matéria que ainda não tinha sido ensinada. Eu e os colegas Estácio Valente (de Maceió) e Valdeck Nascimento (de Cedro de São João) nos insurgimos contra esse fato, lideramos um protesto e fomentamos um alvoroço na sala de aula. Foi uma algazarra danada. O bedel anotou tudo para informar os detalhes aos dirigentes do ginásio que estavam ausentes.

No dia seguinte, D. Judite subiu ao pódio e aproveitou para retaliar minha audácia na comemoração do dia do estudante. Primeiro fez uma alusão ao trio da indisciplina: eu, Estácio e Valdeck e como castigo determinou que não seria permitida nossa saída do ginásio naquele fim de semana.  Depois, se concentrou em me disciplinar, esclarecendo que eu era o líder da anarquia, que os meus discursos eram em português ruim e não devia ser líder de turma que se presasse. 

E como efeito do entrevero fui sumariamente rejeitado como orador da turma. O bastão foi passado para outro colega. Não me senti ofendido e, na verdade, foi um alívio para mim. Sinceramente!

Não obstante esse fato, os diretores foram benevolentes comigo, em atos seguintes.  Lembro-me, como se fosse hoje, o dia que os diretores me chamaram à sala de jantar do casal. Fiquei apreensivo, pensando ser alguma advertência. Aconteceu o contrário: fui convocado a representar o Professor Benedito na formatura dos alunos do Grupo Escolar Valadão, que ficava próximo à Praça da Bandeira. Autorizou-me a escolher dois colegas para me acompanhar. Foram comigo, todos usando a farda de gala do Ginásio, os colegas Hercílio Silva e Roberto Rivas. Na festividade fiz parte da mesa de entrega dos diplomas, como representante do Professor Benedito.

Em outra oportunidade, o diretor determinou que fosse representar o Ginásio em uma solenidade que se conclamava os sergipanos a doar bens para as vítimas da enchente do Rio São Francisco, e que foi realizada no Palácio Fausto Cardoso, ocasião em que o Governador do Estado era o Dr. Luiz Garcia.   Realizei a representação, e dei entrevista sobre o acontecimento a Dr. Marques Guimarães, divulgada pela Rádio Difusora do Estado de Sergipe. 

Depois de cada representação, os dirigentes do Jackson me chamavam para apresentar um relatório oral sobre os acontecimentos e a  minha atuação. Pelo olhar deles, pareceu-me que aprovavam meu desempenho.  

Nunca contei esse fato aos meus pais. Entretanto, muitos anos depois do ocorrido, quando eu já trabalhava no Banco do Nordeste, na mesa do café da manhã, meu pai me fez uma pergunta: Você conhece um senhor chamado Adauto Pereira Souza, de Paulo Afonso (BA)? Diante de minha resposta afirmativa, ele me disse que conhecera o Adauto em uma seção de Júri naquela cidade e que o mesmo lhe perguntou se ele era meu parente. Ao saber que se tratava de meu pai, o interlocutor afirmou: “O Carlos Alberto não nega a origem”, e narrou para meu pai as minhas atuações no Ginásio, elogiando-me pelos pertinentes protestos e comportamento responsável.

Depois dessa informação, meu pai levantou-se para deixar a mesa do café matinal e, expressando um sorriso de contentamento, passou a mão em minha cabeça. Senti naquele momento o gesto de aprovação e carinho que jamais esquecerei.

E foi essa magnifica manifestação de meu pai que me motivou a descrever toda essa longa e cansativa lembrança que agora passo para os parentes e amigos.

 

Aracaju, 17/10/2023

Beto Déda

 

 PS -Adauto Pereira Souza estudou na Faculdade de Direito de Sergipe, e naquela época morava no  Ginásio Jackson de Figueiredo, onde chefiava a equipe de censores (bedéis). Quando se  formou foi advogar em Paulo Afonso, e lá ingressou na política e foi prefeito daquele município no período de 1963 a 1966. Tempos depois, em campanha para deputado estadual, faleceu em 01/10/1982, vítima de um acidente de helicóptero, em companhia do Pastor Clériston Andrade, que era candidato a Governador da Bahia.

5 comentários:

  1. Lembranças felizes e que nos encantam, meu lindo Pai

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  2. Um abraço pra você, minha querida filha.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Não tem nada de cansativo, o texto é bem ilustrativo do seu espírito irreverente, comprometido com as responsabilidades que abraçou e admirador número um do seu pai. O meu aplaudo, tio Beto. Marco.

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    1. Bom dia, meu querido sobrinho Marco! Receba meu abraço.

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