O dia do
estudante, a queda da antiga ponte de Atalaia e meu discurso no pátio do
colégio Jackson de Figueiredo.
Recentemente
foi concluída a restauração da ponte Juscelino Kubistchek, sobre o Rio Poxim,
que liga Aracaju à praia de Atalaia. A primeira parte da referida ponte foi
inaugurada em 1958, no Governo de Leandro Maciel. Naquela ocasião o Presidente
Kubistchek esteve em Aracaju, quando inaugurou a pista do Aeroporto. Mas, por
questões políticas, não prestigiou a inauguração da ponte que levou seu nome.
A
primeira ponte sobre o Rio Poxim foi construída em 1937, cuja estrada de
piçarra ligava Aracaju à praia de Atalaia, local em que parte da elite
aracajuana tinha suas casas de veraneio. Nos anos cinquenta, por questões
estruturais, a antiga ponte ruiu.
Lembro-me que naquela época, no período de 1957 a 1960, eu era estudante interno do Ginásio Jackson de Figueiredo, dirigido pelos saudosos professores Benedito e Judite Oliveira. Foi justamente no final daquela década, quando comemorávamos a véspera do dia do estudante e foi mencionada a queda da antiga ponte, que vi encerrada minha vocação oratória naquele estabelecimento de ensino.
E
passo a explicar o que realmente ocorreu.
Naquele
tempo, era costume de D. Judite Oliveira reunir todos os alunos no pátio do
colégio, antes do início das aulas, e fazer palestras instrutivas, do alto de
um pódio, educando os alunos em práticas cívicas. E para estimular os
discípulos, convocava alguns estudantes para discursar sobre datas relevantes. Em
seguidas vezes ela me convocara para falar e eu prontamente atendia. Dava o
recado, meio carente das regras de linguagem, mas com raciocínio que parecia agradar,
e digo isto levando em conta as diversas vezes que fora chamado para discursar pela
saudosa diretora.
Pois
bem. Certa vez, na véspera da comemoração do feriado do dia do estudante, D.
Judite fez alguns comentários em desmerecimento à suspensão das aulas naquele
dia. E dizia ela que não se conformava com tantos feriados: dia do
estudante, dia do funcionário público, dia do professor etc... E
concluía informando que foi em decorrência de tantos feriados que a antiga
ponte de Atalaia desmoronou.
Depois
de mostrar sua indignação com os feriados, ela convocou-me a falar sobre o dia
do estudante. Aí, então, eu não vacilei em defender feriado e, lamentando
o dito pela diretora, esclareci que nada tínhamos contra as demais datas, mas
que defendíamos com energia o dia dedicado aos estudantes. Ao dizer isto, a
estudantada se manifestou aos gritos, apoiando-me. Foi um começo de baderna. E
a diretora, puxou o paletó de minha farda e, ao meu ouvido, exclamou
baixinho: “Basta! Pode encerrar!”
Não
atendi, e falei em bom som, na altura permitida pelo serviço de alto-falante, que
a diretora pedia para parar de falar, mas eu tinha a obrigação de concluir meu
raciocínio, e disse que a queda da velha ponte não ocorreu por causa de
feriados, mas por erro no cálculo estrutural do engenheiro que orientara a
construção. E a turma não economizou aplausos. A diretora não gostou do que viu
e ouviu.
O
troco dessa minha irreverência não tardou. Duas semanas depois, me envolvi em
outro protesto. Desta feita em sala de aula, envolvendo o Prof. Gesteira, que
lecionava matemática. Ele nos submeteu a uma prova, com quatro questões,
uma das quais versava sobre matéria que ainda não tinha sido ensinada. Eu e os
colegas Estácio Valente (de Maceió) e Valdeck Nascimento (de Cedro de São
João) nos insurgimos contra esse fato, lideramos um protesto e fomentamos
um alvoroço na sala de aula. Foi uma algazarra danada. O bedel anotou tudo para
informar os detalhes aos dirigentes do ginásio que estavam ausentes.
No
dia seguinte, D. Judite subiu ao pódio e aproveitou para retaliar minha audácia
na comemoração do dia do estudante. Primeiro fez uma alusão ao trio da
indisciplina: eu, Estácio e Valdeck e como castigo determinou que não seria
permitida nossa saída do ginásio naquele fim de semana. Depois, se concentrou em me disciplinar,
esclarecendo que eu era o líder da anarquia, que os meus discursos eram em
português ruim e não devia ser líder de turma que se presasse.
E
como efeito do entrevero fui sumariamente rejeitado como orador da turma. O
bastão foi passado para outro colega. Não me senti ofendido e, na verdade, foi
um alívio para mim. Sinceramente!
Não
obstante esse fato, os diretores foram benevolentes comigo, em atos
seguintes. Lembro-me, como se fosse hoje, o dia que os diretores me
chamaram à sala de jantar do casal. Fiquei apreensivo, pensando ser alguma
advertência. Aconteceu o contrário: fui convocado a representar o Professor
Benedito na formatura dos alunos do Grupo Escolar Valadão, que ficava próximo à
Praça da Bandeira. Autorizou-me a escolher dois colegas para me acompanhar.
Foram comigo, todos usando a farda de gala do Ginásio, os colegas Hercílio
Silva e Roberto Rivas. Na festividade fiz parte da mesa de entrega dos
diplomas, como representante do Professor Benedito.
Em
outra oportunidade, o diretor determinou que fosse representar o Ginásio em uma
solenidade que se conclamava os sergipanos a doar bens para as vítimas da
enchente do Rio São Francisco, e que foi realizada no Palácio Fausto
Cardoso, ocasião em que o Governador do Estado era o Dr. Luiz
Garcia. Realizei a representação, e dei entrevista sobre o
acontecimento a Dr. Marques Guimarães, divulgada pela Rádio Difusora do
Estado de Sergipe.
Depois
de cada representação, os dirigentes do Jackson me chamavam para apresentar um
relatório oral sobre os acontecimentos e a minha atuação. Pelo olhar
deles, pareceu-me que aprovavam meu desempenho.
Nunca
contei esse fato aos meus pais. Entretanto, muitos anos depois do ocorrido,
quando eu já trabalhava no Banco do Nordeste, na mesa do café da manhã, meu pai
me fez uma pergunta: Você conhece um senhor chamado Adauto Pereira
Souza, de Paulo Afonso (BA)? Diante de minha resposta afirmativa, ele
me disse que conhecera o Adauto em uma seção de Júri naquela cidade e que o mesmo
lhe perguntou se ele era meu parente. Ao saber que se tratava de meu pai, o
interlocutor afirmou: “O Carlos Alberto não nega a origem”, e narrou
para meu pai as minhas atuações no Ginásio, elogiando-me pelos pertinentes
protestos e comportamento responsável.
Depois
dessa informação, meu pai levantou-se para deixar a mesa do café matinal e,
expressando um sorriso de contentamento, passou a mão em minha cabeça. Senti
naquele momento o gesto de aprovação e carinho que jamais esquecerei.
E
foi essa magnifica manifestação de meu pai que me motivou a descrever toda essa
longa e cansativa lembrança que agora passo para os parentes e amigos.
Aracaju, 17/10/2023
Beto Déda
PS -Adauto Pereira Souza estudou na Faculdade de Direito de Sergipe, e naquela época morava no Ginásio Jackson de Figueiredo, onde chefiava a equipe de censores (bedéis). Quando se formou foi advogar em Paulo Afonso, e lá ingressou na política e foi prefeito daquele município no período de 1963 a 1966. Tempos depois, em campanha para deputado estadual, faleceu em 01/10/1982, vítima de um acidente de helicóptero, em companhia do Pastor Clériston Andrade, que era candidato a Governador da Bahia.
Lembranças felizes e que nos encantam, meu lindo Pai
ResponderExcluirUm abraço pra você, minha querida filha.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirNão tem nada de cansativo, o texto é bem ilustrativo do seu espírito irreverente, comprometido com as responsabilidades que abraçou e admirador número um do seu pai. O meu aplaudo, tio Beto. Marco.
ResponderExcluirBom dia, meu querido sobrinho Marco! Receba meu abraço.
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